sábado, 19 de dezembro de 2009

Noite de Natal

Por Luiz Eudes


De Presépio

A tarde vai embora calma e lentamente. A noite chega soberana. O homem para o carro na praça. Há moças na calçada de uma casa grande. São suas primas. O homem está acompanhado da sua filha. Uma das moças os convida a entrar. Eles entram por um corredor. A moça abre a porta da sala ao lado. Um mundo encantado surge num momento mágico: é o presépio de Dona Sinhá que há muitos natais faz brilhar de encantamento os olhos das crianças.


Dona Sinhá foi quem criou aquele espetáculo para animar as noites natalinas do Junco. Hoje ela arma lapinhas com os anjos e santos no céu. Um céu sempre azul e iluminado. Lá de cima ela observa as crianças que todas as noites de dezembro visitam a sua casa e, atentas, observam o músico anunciando por seu tambor a chegada de Papai Noel, que sobe a escada e dança twist. No presépio há um convívio fraternal do animado gorila com o pacato burrinho, do cantante pássaro azul com as silenciosas borboletas, dos peixes e cobras que, de longe, miram os animais sagrados: a vaca e a ovelha, o galo e o jumento.


É noite de Natal e no centro de tudo está a representação do nascimento de Cristo. Dona Sinhá montava o presépio seguindo uma tradição iniciada por São Francisco no século XIII. Quando ela partiu ao encontro com Deus, suas filhas e colaboradoras resolveram homenageá-la colocando uma foto sua na parede da sala e dando seguimento ao seu projeto, sabendo que lá no alto ela iria montar um novo presépio, com anjos e santos de verdade, tendo o Menino Jesus Cristo ao vivo e a cores.


A menina e seu pai estavam encantados com tudo aquilo. O homem se lembrava de antigos natais quando vinha com os seus amigos e ali ficavam horas a contemplar, alegrando-se com tudo. A menina também se sentia assim. A sala foi invadida por uma pequena multidão de curiosos. As crianças chegavam e logo atrás vinham os seus pais que também queriam participar da festa.


O homem se lembrava de quando ia aos grotões dos Pilões buscar ramas de barba de velho, catava pedrinhas nas barrancas do açude, cessava areia da velha praça empoeirada e apanhava barro tauá no barrocão do Junco para fazer as imagens que enfeitavam a lapinha de uma das suas irmãs.


E como era bonito tudo aquilo. E o homem, naquela noite, pensava nos meninos andarilhos pelos caminhos das roças iluminados pela beleza cósmica da Lua e protegidos por São Jorge, o Santo Guerreiro. Aqueles meninos talvez não conhecessem o presépio de Dona Sinhá, talvez nem soubessem o que é um presépio, mas o que lhe confortava era saber que a lua nasce para todos, não importa onde esteja e, quando a noite termina, momentos e palavras se eternizam.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Palhaço

Por Luiz Andrioli



Quando o meu pai me perguntou o que eu queria ser quando crescesse, eu respondi, na lata: palhaço. Ele deu risada. Aí eu percebi que estava no caminho certo.

Uma vez, ainda criança, fui ao circo e ganhei um saquinho de pipoca. Esvaziei-o e coloquei nele um punhado de serragem para deixar embaixo do travesseiro. Assim eu podia sonhar com o circo sentindo o seu aroma. Na escola, um professor me disse:

- Já que você gosta tanto de circo, porque não foge com ele?

Na hora eu fiquei quieto e também não tive coragem de fugir. Nem precisava. Na verdade foi o circo que fugiu comigo. Existe dentro de mim um trapezista corajoso, um malabarista, um mágico, dois ou três equilibristas, uma linda bailarina, aquele punhado de serragem, um picadeiro e uma arquibancada fazendo festa.

Hoje eu sei que, por baixo de toda maquiagem, existe um palhaço triste – e é desta tristeza que o artista arranca sorrisos da plateia.

O circo me ensinou a ser muito prevenido. Sempre carrego uma bolinha vermelha de colocar na ponta do nariz. Para usá-la quando a vida fica séria demais.

Sobre o Novo Colaborador

Luiz Andrioli é escritor e jornalista. Atuou oito anos como repórter de televisão. Trabalha atualmente como apresentador, locutor e diretor artístico de TV. Pós-graduado em Cinema e mestrando em Literatura. Professor universitário e ator profissional. Como escritor, teve várias peças encenadas por grupos de teatro de Curitiba, dentre elas, “Não só as Balas Matam” (2001). Autor da biografia “O Circo e a Cidade – histórias do grupo circense Queirolo em Curitiba” (Editora do Autor, 2007). Para crianças, escreveu “A menina do Circo” (Pró-infanti Editora, 2009). O seu site [ www.luizandrioli.com ] encontra-se linkado neste blog.


quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A minissaia e a liberdade à brasileira


Por Adriana Berger


De Minissaia x Uniban



Voltei preocupada com a teoria e a prática que se alastram pelo nosso país: o da liberdade à brasileira. Pelo que vi em grandes e pequenas cidades o Brasil passa por um momento de grande licenciosidade, vulgaridade, superficialidade, besteirol. Vi meninas dançando em cima de garrafas. Sexo aberto em bailes e shows. Em novelas, programas de entretenimento, o corpo da mulher é usado e abusado. Noventa por cento da programação nacional da TV aberta é sobre cirurgia plástica, cosméticos, penteados, fofocas, brigas domésticas, rezas e "curas", receitas, remédios, cães e bichos, violência. Piadas, de bêbado e homossexual. "Psicólogos", "conselheiras" sentimentais e familiares usam sofrimentos de pessoas em programas sensacionalistas.


Há "formadores de opinião" para qualquer assunto. Afirmo, sem medo de errar, que nós precisamos é de formadores de caráter. Há um grande apagão cultural. É como se todos estivessem sonâmbulos. Não se discute nada de profundo, alternativas para o país. A juventude sem sonhos e poesia não tem em quê ou em quem se inspirar. Contrabando é crime, mas, artigos contrabandeados são vendidos nas ruas na cara da polícia. O cerrado e a floresta, mais destruídos. As cidades em colapso no trânsito e na urbanidade. Crime e violência por toda parte. Milhões de brasileiros nas filas de atendimento da péssima saúde pública. O Brasil continua exportando matéria-prima e importando bugigangas. Baixa produção científica e tecnológica. Cada vez menos formandos em matemática, engenharias, física, química, biologia, ciências exatas.


Se escolas e universidades se comportassem como instituições a formar cidadãos para o equilíbrio social e moral do país discussões públicas velhas e exageradas como essa da minissaia em universidade paulista não prosperaria. O X da questão não está na altura da saia rosa-choque da aluna, mas como, onde e por que foi usada. O que fez parte da imprensa "séria" onde microfones e páginas estão nas mãos de "formadores de opinião"? Usou o assunto para aumentar audiência e tiragem.


Isto É critica a Uniban por seu interesse mercantilista. O que fez a revista ao dar capa à minissaia com reportagem cheia de frases do movimento feminista dos anos 60/70? Nenhuma palavra sobre regras, normas, comportamento nas escolas, em sala de aula, respeito mútuo. Destacaram mulheres com os seios de fora em Brasília, defensoras da garota da capa.


A star is born (Nasce uma estrela)


Com apoio da TV Globo nasce uma estrela nos costumes e no showbiz brasileiro. O cenário se repete. A moça já foi convidada para posar nua. Vai desfilar na escola de samba Porto da Pedra. Em breve poderá ter seu espaço televisivo e ser mais uma formadora de opinião. No programa "Altas Horas" ela sentou-se na cadeira da fama, mas de jeans. Mandou recado para milhões de garotas: "a roupa é minha, visto como quiser, às sextas sempre vou a baladas e já saio de casa vestida e não devo satisfação a ninguém, aquele vestido é um dos mais discretos que uso". Recebeu apoio de universitárias de Brasília com os seios à mostra: "se quiser ir nua que vá é a liberdade de cada um, o corpo é meu, ninguém tem nada com isso". O apresentador do programa com cara de pateta, cercado por estudantes-tietes achando-se o máximo por promover a "liberdade". Uma aluna de minissaia, saltos altos, super maquiada, produzida para baladas, em aula noturna, no meio de marmanjos, ou está com problemas de aceitação, chamando atenção para ser notada; ou não sabe a diferença entre o vulgar e o popular; ou esta querendo bagunçar com um confronto premeditado. Nas escolas do mundo todo há normas, uniformes, regras de comportamento onde muçulmanos, cristãos, budistas, ateus, ricos e pobres, educam jovens que continuarão a defender valores e princípios de seus povos e países.


Psicólogos, professores, ao perceberem o comportamento da aluna deveriam ter conversado com ela, orientá-la, ajudá-la a superar fobias e rejeições. Não o fizeram. A reação de estudantes foi desmedida, vazia de conteúdo. Sem instituições sólidas, cria-se a liberdade à brasileira. Em que ou em quem se espelha a aluna do micro vestido? O que tem aprendido em ética, valores, comportamento e convivência social? O que ela ouve e vê a seu redor? "Sou livre, visto o que quiser a hora que quiser". Num país sem retentores morais, com apatia política e cultural, sem critérios, a garota não tem a quem responder ou dar satisfação. Nem em casa, nem na escola, nem à sociedade, nem ao país. "Se, juiz e desembargador podem, eu posso; se deputado e senador fazem, eu também posso fazer; se o presidente, seus ministros, o prefeito, podem, eu também posso". A TV incentiva quebradores de regras. Cria espaço para mulher-melancia, samambaia, melão, morango. Popozudas ensinam danças, abrem as nádegas e, se abaixam, para mostrar mais. O programa Fantástico da TV Globo no dia 15 de novembro entrou em milhões de lares promovendo o livro e o filme da ex-prostituta Surfistinha, a garota da mina saia e o concurso Menina Fantástico. A Proclamação da República, data histórica do povo brasileiro não interessa. Não dá IBOPE. Em dez minutos, a TV Globo daria a milhões de jovens uma necessária aula da queda do império, a velha República, a era Vargas, JK, a ditadura militar e em 15 de novembro de 1989 a Nova República. Estão rasgando páginas de nossa história. A memória nacional se extingue.


Com tanta noticia que precisa ser dado ao povo o noticiário noturno (Globo), no dia 16/11, se despediu destacando prostituta de noticia velha de tablóide inglês. O que ensina e estimula a mais rica e poderosa escola do Brasil? Não há na TV aberta brasileira (concessão pública) incentivo ao cumprimento de leis, a regras de respeito mútuo, à solidariedade e cooperação. Destaques, astros e estrelas, são os da marginalidade, corruptos bem-sucedidos, políticos mentirosos, os da sexualidade vulgar.


Meu querido Brasil: rico por natureza, mas pobre de cidadania, princípios e ética.


Adriana Berger é professora de História e Literatura Brasileira. A publicação no blog foi autorizada pela autora.



quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

NO FUNDO DA REDE


Cineas Santos


De Flamengo
A rede, como qualquer pessoa saudavelmente preguiçosa sabe, foi a maior contribuição que os índios nos legaram. Graças a ela, passamos mais tempo pensando que fazendo bobagens. É simples: quanto mais tempo passarmos
deitados, menos danos causaremos aos nossos irmãos, à Natureza, ao Planeta... Mas isso será tema de outro arremedo de crônica em futuro próximo. O objeto dessa arenga é outro.

Há coisa de três anos, o poeta Paulo Machado, irmão e amigo, presenteou-me com uma bela rede, larga, generosa e acolhedora como um colo materno. Feita sob encomenda por mãos peritas, tem varandas de crochê e tudo mais. Não bastasse isso, ostenta as cores do brioso Mengão. Uma rede supimpa, diriam os antigos. Presente de tal monta só poderia ser usado em momento festivo. E o momento se me apresentou quando minh’alma andava meio embaçada pela tristeza. Uma cabeçada certeira de um zagueiro, cuja carreira quase se encerrou de modo trágico, e a bola foi aninhar-se, carinhosamente, no fundo da rede. Num átimo, a nação rubro-negra contagiou com sua alegria transbordante todas as almas sensíveis dessa República enxovalhada por escândalos de todas as versidades. Um cometa luminoso brilhou no céu da pátria... Do Oiapoque ao Chuí, o grito uníssono: “Uma vez Flamengo/ Flamengo até morrer”!

Depois de um jejum de 17 anos, sob o comando de Andrade, um dos remanescentes daquela máquina de triturar adversários, o Mengo tornou-se hexacampeão, tendo como principais estrelas dois jogadores problemáticos e, para muitos, “acabados”: Petkovic e Adriano. O primeiro, “velho demais” para a função de meio-campista; o segundo, “um farrista bipolar”. Peti, repetindo as lições de Didi e Gérson, demonstrou que quem precisa correr é a bola; o Imperador, por seu turno, abiscoitou o título de artilheiro do campeonato. “Capricho dos deuses do futebol”, diria um cronista paulista, repetindo um chavão desbotado.

Como não sou torcedor de sair por aí atirando pedras nos adversários, curti a conquista sem muito barulho. Sou um flamenguista atípico: torci (e como!) para que o Vasco ascendesse à primeira divisão e, principalmente, para que Fluminense e Botafogo não fossem rebaixados. Gosto de ver o meu time vencer adversários fortes: ser lobo entre cordeiros é a “glória” dos fracos. E fraqueza não combina conosco.

O Flamengo já nasceu vitorioso: no primeiro campeonato que disputou (em 1912), com Buena, Píndaro, Nery, Curiol, Gilberto, Galo, Baiano, Arnaldo, Amarante, Gustavo e Borgerth, derrotou o Mangueira pelo placar de 16x2, levando aquela brava gente a desistir definitivamente do futebol para dedicar-se ao samba. Bater em tamborim é bem mais fácil que bater o Mengão.

Na noite de domingo, enquanto meus irmãos de credo e cor desfilavam pelas ruas da cidade, cantando e batucando, armei minha rede rubro-negra, “cheirando a guardado de tanto esperar”, abri uma garrafa de vinho e, com ardente paciência, esperei a chuva que se anunciava. E ela veio: suave, silenciosa e acariciante como os dedos da mulher amada. E meu coração de velho, encharcado de alegria, voltou a pulsar no ritmo dos tambores. Como já afirmei tantas vezes: Deus é velho, muito velho e não abandona os Seus.




segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A Primeira Vez Que Vi Noel




Viera da roça, fugindo da seca e da precisão. Chegara à véspera do Natal e no dia seguinte crianças brincavam na rua exibindo seus presentes: bolas de futebol, carros, bonecas, bicicletas. Ele observava todo o movimento de sua janela. Um garoto o viu e se aproximou:

– Oi! Sou Mário. Pegue seu presente e venha brincar conosco!

Ele desviou o olhar para o chão. Envergonhado, procurou a mãe.

– Mãe, quem é esse Papai Noel que deu brinquedo a todos os meninos da rua e a mim não?

 
A mãe não soube responder. De onde vieram, papai noel se chamava cesta básica e carro-pipa.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Sobre o Natal

(Quando não tinha Papai Noel)

Antonio Torres

De Presépio


Era uma vez um lugar esquecido nos confins do tempo, sem rádio e sem notícias das terras civilizadas, num remoto sertão onde ninguém jamais ouvira falar de Papai Noel. Esse lugar existe. Eu nasci lá.

E se lá não tinha Papai Noel, não havia presentes, ceias, cartões de Boas Festas, propaganda, votos de um Feliz Natal. Desconhecíamos essas coisas, o que era bom. Não faziam falta. O nosso Natal era uma festa singela. Para o menino Jesus.

Como era? Quando dezembro chegava, a meninada se assanhava. “Oba!” Estava na hora de reunir a turma, dormir uns nas casas dos outros, aninhados aos magotes em camas, redes e esteiras, na maior algazarra. Na verdade, ninguém queria dormir. E isso era o melhor da festa, que começava com uma espécie de desafio: vencer o sono e a noite numa animação sem fim, à espera do sol raiar, quando finalmente pegaríamos a estrada, a caminho dos pés de serra e dos tabuleiros, em busca dos ornamentos para a lapinha. E o que era a lapinha? Um presépio. A representação da manjedoura onde nasceu o Menino Jesus. Meninos, eu conto: íamos ao mato em bando, em bíblica alegria. Priminhos de mãos dadas com priminhas, que não escapavam de uns beliscões safadinhos, incentivados por animadíssimas tias. E assim íamos: cheios de prosa e dando muita risada, à cata de jericó, uma planta prateada que seca sem morrer, e de gravatá, que vocês conhecem com o nome de bromélia, para a instalação da lapinha no melhor canto da sala de visitas.

Passávamos dias e dias na montagem de um cenário que correspondesse ao imaginário do velho povo, como rezava a tradição, que vinha dos pais de nossos pais e assim para trás, desde que o mundo, aquele mundo, passou a comemorar o Natal. Depois era esperar as visitas para contemplar a nossa réplica da gruta sagrada, feita de pedras e galhos de árvores, ao fundo de uma planície de areia, repleta de boizinhos de barro, rios de cerâmica com peixinhos de verdade e os reis magos em seus cavalos. E tudo sob uma tênue luz de um candeeiro, porque assim eram as nossas noites, tão simplesinhas quanto no tempo de Jesus.

Um dia chegou o motor da luz no povoado. Fechamos a casa, lá na roça, com lapinha e tudo. Fomos ver as novidades de perto. A igreja estava toda acesa, promovendo quermesses e anunciando a Missa do Galo. Era um novo tempo. Ali na praça iluminada, cheia de atrações nunca antes vistas ou imaginadas, íamos de casa em casa, disputando espaço em suas janelas, para apreciar os presépios, cada um mais deslumbrante do que o outro, graças aos efeitos da eletricidade. Com o motor da luz, chegava o Serviço de Alto Falantes A Voz do Sertão. E com ele, as músicas de Natal. Começava outra história, um outro Natal.

Era a chegada de Papai Noel.