sábado, 30 de janeiro de 2010

Quem goitana foi Ellie Greenwich? – crônicas pop online

Por Edna Lopes

De Quem Goitana Foi Ellen Greenwich



Tropecei em José Teles zapeando por aí, já faz um tempinho. Li algumas opiniões dele sobre música e gostei muito. Descobri depois que tinha uma coluna de crítica musical no Jornal do Commercio de Pernambuco e, volta e meia, ia lá, xeretar, já que minha vida sempre foi muito ligada a música, por gostar apenas, por ser fã.

Minha opinião é de que existem dois tipos de música: a boa e a ruim, mas há também uma infinidade de gêneros para serem apreciados/consumidos e, como fã, me interesso também pelas impressões e opiniões de outras pessoas, principalmente as que me acrescentam conhecimento, caso dos textos dele.
Visitava o site para xeretar mesmo. Lia e me divertia com seu humor inteligente, com a leveza e por vezes a fina ironia com que descrevia personagens, fatos, acontecimentos ligados ao showbisness. Não era constante, mas de tempos em tempos ia ao JC online, devorava as crônicas postadas, acho que aos domingos, numa coluna chamada CURTO E GROSSO que virou coletânea também pela Bagaço, salvo o engano. SALVO O ENGANO (se não me engano), aliás, é uma das expressões favoritas de Teles... Diz que vive salvoenganando-se...

E não faz muito tempo alguém me enviou um email repassando um texto de sua autoria como sendo de outro autor. Não era a primeira vez nem a última, infelizmente, que eu recebia textos assim e mais uma vez fiquei danada com o fato, imaginando porque há pessoas tão descuidadas/desrespeitosas, que recebem textos, não confirmam a autoria e vão reproduzindo inverdades, textos mutilados, autorias retiradas e substituídas com a maior desfaçatez.

“Tem rapariga aí?” é a pergunta de abertura da crônica “A música dos valores perdidos”, texto que fiz questão de reproduzir com a autoria restaurada na minha página, é uma das tantas crônicas deste livro leve, divertido e instrutivo deste jornalista cultural que, aliás, tem uma obra respeitável publicada pela Bagaço.

São 25 livros que tratam principalmente de boa música e se você ficar curioso em “Quem goitana foi Ellie Greenwich”, José Teles diz e diz outras “cositas más” sobre música, curiosidades sobre personalidades, shows, lançamentos, todas muito interessantes. É mesmo um mergulho no universo musical, leitura divertidíssima para as minhas férias que gostei e recomendo.

Serviço

Livro :“Quem goitana foi Ellie Greenwich – crônicas pop online” – José Teles, Editora Bagaço, 2009

“Quem goitana foi Ellie Greenwich – crônicas pop online” é um apanhado dos artigos que o jornalista publica a dois anos no JC Online, na coluna TOQUES DIGITAIS. São crônicas musicais que ele escreve "sem compromisso com notícia, por diversão", como relata o autor. Entre os textos, histórias dos bastidores de shows, comentários sobre discos, percepções curiosas sobre a música de décadas atrás.

http://jc.uol.com.br/canal/lazer-e-turismo




quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

CACIK JONNE: DO PARAÍSO AO INFERNO

Aproveito o clima carnavalesco para republicar uma crônica que ainda não perdeu o efeito.


De Cacik Jonne


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Domingo de carnaval.
JSA estacionou o carro na Rua Marechal Floriano, transversal da Avenida Araújo Pinho, bairro do Canela, por volta das dez horas da manhã. Abriu o porta-malas, retirou o equipamento de filmagem, testou câmera e microfone e, ao dar os primeiros passos em direção da passarela do Campo Grande para cumprir mais uma jornada da cobertura do carnaval baiano, percebeu que, em um carro estacionado ao lado do seu, um rapaz tentava sair do lado do carona com grande dificuldade, mal podendo se sustentar nas próprias pernas. Do banco traseiro saíram duas mulheres e um garoto portando umas faixas. JSA se aproximou e ofereceu ajuda. Reconheceu o rapaz que tinha dificuldade motora:
– Acho que lhe conheço. Você não é o Cacik Jonne, que era do Chiclete Com Banana?
– Sou eu mesmo.
Não. Estava enganado. Não poderia ser ele. O que ele via e ajudava a andar era algo como um paraplégico na tentativa de andar sem sua cadeira de rodas. Cacik Jonne era um rapaz alegre, forte, jovial, um dos ídolos da banda Chiclete Com Banana, e demonstrava tenacidade. Ao menos era assim a imagem que a sua câmera capturava em todos os carnavais ao passar pela pista do Campo Grande. Ali, naquele instante, ele via um rapaz amargurado, coração ferido, lágrimas disfarçando um olhar doído, triste. Não, decididamente havia algum engano.
– Acredite, sou eu mesmo, amigo. Há longos anos que venho lutando contra essa doença que consome os meus movimentos e se chama de “ataxia cerebelar degenerativa”.
A ataxia cerebelar degenerativa é a perda da coordenação muscular e motora por desordem no cérebro. Pode atacar o coração e, geralmente, ocasiona cegueira. Era um milagre ele ainda não ter perdido a visão.

– Surgiu uma luz no fim do túnel, um transplante de células-tronco embrionárias, custa caríssimo e a banda Chiclete Com Banana se nega a custear o tratamento ou a me indenizar pelos vinte anos em que lutei para colocar a banda no pedestal em que hoje se encontra. A história da banda é a minha história, ou vice-versa. É por isso que hoje resolvi vir pra rua protestar, juntamente com as minhas duas irmãs e o motorista, que era do Chiclete e foi demitido porque ficou do meu lado e agora trabalha pra mim, de graça.
Cacik Jonne entrou para a banda Chiclete Com Banana na sua formação inicial, a convite de Missinho. Era menor de idade, dezesseis anos, e foi preciso a autorização do seu pai para poder subir em trio elétrico. Em 86, em plena micareta de Feira de Santana, por desavenças internas, Missinho saiu da banda, deixando-a sem o seu cantor e líder. Bell e Cacik Jonne seguraram o pepino e não deixaram a peteca cair. Superaram as expectativas e ninguém notou a ausência do antigo líder, a não ser pela mudança no repertório e na dialética poética musical, tempos depois. Missinho seguiu carreira-solo e, posteriormente, foi engolido pela axé music que surgiu como um rolo compressor, esmagando tudo que não fosse um lê-lê-lê, laiaiá. E a banda Chiclete Com Banana, tendo um garoto que desfilava com cocar de cacique tocando sua guitarra eletrizante pelas ruas do Brasil, brilhou tal qual estrela de primeira grandeza.
JSA, sensibilizado, conduziu Cacik Jonne até os camarotes de tevê e pediu para que eles o deixassem permanecer no camarote, o que foi negado. JSA esbravejou:
– Hoje, só porque o rapaz se encontra nesta condição, vocês se negam a recebê-lo. Quatro anos atrás vocês ficavam se babando quando ele passava em cima do trio do Chiclete. Isso é uma desumanidade!
Viraram as costas para a passarela da apoteose do carnaval baiano e, desolados, retornaram para a Avenida Araújo Pinho, no Canela. No caminho, encontraram o pioneiro de programas de auditório da televisão baiana, Valdir Serrão, também conhecido como Big-Ben, nome de seu programa de auditório nos idos dos anos sessenta/setenta, responsável pela projeção de Raul Seixas no cenário nacional, ainda como “Raulzito e Seus Panteras”. Valdir Serrão estava com um trio elétrico independente e iria desfilar pela Avenida Sete cantando Raul Seixas, acompanhado pela banda itapagipana “Seqüestro Relâmpago”. Alda, irmã de Cacik Jonne, narrou o drama do ex-integrante do Chiclete Com Banana e, sem pestanejar, Valdir Serrão ofereceu o trio, mandou colocar as faixas de protesto, e disse que, no Campo Grande, em frente às câmeras, entregaria o microfone a ele, que poderia desabafar suas mágoas.
O trio estava programado para desfilar após a passagem do bloco “Apaches do Tororó”. Um problema técnico impediu que tal acontecesse. O bloco “Internacionais” entrou na passarela com Margareth Menezes arrastando multidões. Ivete Sangalo, puxando “Os Corujas”, nem esperou que a equipe de limpeza fizesse a faxina da passarela: invadiu e levantou poeira.
Valdir Serrão abriu o som e pediu explicações aos coordenadores do carnaval. Fora garantido que depois que o bloco “Internacionais” deixasse a passarela, ele poderia desfilar. Porém tal não aconteceu. Deram-lhe a palavra que, depois da Ivete Sangalo, ele entraria na Avenida, levando o protesto de Cacik Jonne à frente do “Camaleão”, que desfilaria depois. A emenda seria melhor do que o soneto. Seria.
O bloco “Camaleão” usou da mesma estratégia do “Os Corujas”, entrando na passarela ainda com metade do bloco da Ivete Sangalo dentro da pista. Não havia como Valdir Serrão passar.
De cima do trio de Valdir Serrão, Cacik Jonne viu a banda Chiclete Com Banana entrar na passarela. Seus olhos marejaram uma tristeza profunda e infinita e todas as dores do mundo pareciam refletir no seu olhar. O seu estado físico era nada, se comparado à sua dor moral, à sua angústia incontida de se ver impotente para participar daquela festa que ele ajudou a construir. Quatro anos antes ele estava lá, sorriso alegre no rosto, esbanjando energia, tocando para animar a multidão, foliões do Camaleão e foliões pipocas que acompanhavam a banda, aos milhares. Câmeras e câmeras disputavam o seu close. Dezenas delas, transmitindo para o Brasil e para o mundo, as mesmas que hoje lhe negavam o direito de mostrar a sua dor.

O universo conspirava contra Valdir Serrão. Depois de receber autorização para entrar na rabada do “Camaleão”, os músicos da banda “Seqüestro Relâmpago” tomaram posição e, ao fazerem o teste de som, uma surpresa: não havia som. Inexplicavelmente ocorreu uma pane no sistema de operação do som e todos, desolados, guardaram seus instrumentos; cabisbaixos, desceram do trio, inconformados com a desdita.
Cacik Jonne permaneceu em cima do trio elétrico. O Ara Ketu estava posicionado atrás do trio de Valdir Serrão e, para poder desfilar, seria preciso abrir alas para o trio elétrico quebrado. E só havia um caminho de passagem: a passarela do Campo Grande e a metade da Avenida Sete, até a Piedade, onde seria possível tirar o caminhão do roteiro dos blocos.
Assim, uma hora depois, o caminhão do trio elétrico, em silêncio, abriu caminho em cortejo fúnebre de quarta-feira de cinzas em pleno domingo de carnaval. A multidão ruidosa do circuito carnavalesco aplaudiu solidária à imagem de desespero e dor contida na vaga expressão daquele que, por vinte carnavais, fez balançar o chão da Avenida Sete em alucinantes acordes de frevos, marchinhas e depois, axé music.
Sustentado pelas irmãs Andiara e Alda, a sua odisséia física era consumida por uma dor visível e angustiante: a dor moral que somente aqueles que se viram abandonados pelos amigos conhecem a agudeza e a contundência profunda de suas estocadas no coração e a desfiguração irreparável que provoca na alma de quem a sente.




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segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

DA ARTE DE ENGABELAR OTÁRIOS

Por Cineas Santos


De Otário

Durante alguns anos, tive um carrinho peba, ronceiro, sestroso que, justo por esses atributos, ganhou a alcunha de “jumentinho”. Vez que outra, em momento de maior necessidade, o ordinário me deixava na mão. Ainda assim, na hora de me desfazer do condenado, senti uma pontinha de tristeza. Como o carrinho era azul, julguei ser o motivo do apego. Não era. Na verdade, o que me ligava ao caranguinho era a placa: LVO – 0564. No desenrolar dessa arenga, vocês entenderão.

Dia de Reis, no Shopping da Cidade, eu participava, com vivo entusiasmo, da festa organizada pelo professor Vagner Ribeiro. De repente, durante a apresentação do Reisado de Mãe Feliciana, um dos mais antigos de Teresina, fui abordado por um cidadão humilde, idade inescrutável, com aquele ar de quem não foi acariciado pela vida. Maneiroso, pediu licença para aproximar-se, elogiou a iniciativa da festança (lembram-se daquela sensação do álcool na pele antes da picada da agulha?) e gaguejou: -Professor, eu gosto muito de reisado; sou do interior e acompanhava essa brincadeira quando era menino... Preparei-me para a facada. - Parei pra apreciar a brincadeira, deixei minha bicicleta ali na porta, com minhas ferramentas na garupa e veja o que sobrou dela! Com ar compungido, exibiu o arco de um cadeado pequeno, o arco sem o cadeado, naturalmente.

– Veja o senhor: a gente para pra assistir uma festa de santo e vem um malfazejo e leva o pouco que a gente tem... Agora tô aqui precisando de uma passagem pra voltar pra minha terra... Antes de cair no choro, o que me estragaria a maquilagem, saquei os caraminguás que trazia no bolso e entreguei-lhe. Num átimo, o cidadão soverteu-se na multidão. Com seus botões, deve ter dito: engabelei mais um otário...

O ruim dessa história é saber que está sendo depenado e não conseguir safar-se. Certa feita, em Salvador, resolvi conhecer a tão decantada Lagoa do Abaeté. Bruta decepção! Na verdade, o trem não passa de um barreiro escuro, cercado de areia branca. Nem tive tempo de curtir meu desapontamento. Fui encurralado por um enxame de ciganas, todas devidamente caracterizadas, com aquela prosa preguiçosamente envolvente: “com azeite de dendê, não vai doer nada,meu rei” ... Tentei vãmente desvencilhar-me da horda que, como hienas famintas, me cercavam por todos os lados. Uma me falou de “uma loura maldosa que só quer o seu dinheiro”; a outra, de “um sócio que está lhe roubando”, etc. Quando me libertaram, eu estava literalmente na lona. Retiraram-se cantando uma toada alegre e, naturalmente, comemorando a féria conseguida à custa de mais um otário...

Ao longo da vida tem sido assim: pressinto a facada, mas não consigo evitá-la. Aparvalhado, acovardado, deixo-me explorar sem reação como uma criança indefesa.

Antes que me perguntem onde a placa do carrinho entra nessa história, lembrem-se das letras LVO. Pois é: um amigo gozador decifrou o enigma com a mais absoluta propriedade: “Lá Vai o Otário”. Como diria meu irmão mais lúcido, cada um para o que nasce...

domingo, 24 de janeiro de 2010

Sobre Pessoas - 7

O carnaval dos canibais

Por Antonio Torres

De Tamoios


Em priscas eras, vivia no Rio de Janeiro um povo festeiro, mas também chegado a uma guerra. Acabou sendo varrido do mapa nas batalhas de 1565 e 1567, que resultaram na fundação da cidade e na sua conquista definitiva pelos portugueses, quando não sobrou uma única cabeça de índio para contar a história.

No entanto, devemos a esse velho povo o gentílico carioca, pronunciado pela primeira vez num dia qualquer do ano de 1531, quase três décadas depois de o navegador Gonçalo Coelho, a serviço do rei de Portugal, D. Manuel I, o Venturoso, e com o florentino Américo Vespúcio a bordo – aquele que deu o nome ao continente americano -, haver feito a descoberta do Rio.

Os primeiros europeus a darem com os seus costados nestas águas de sonho, som e fúria, não viram a cor do que procuravam: o ouro. Só avistaram índio, papagaio e pimenta, o que já estavam fartos de ver, desde o Rio Grande do Norte, onde batizaram o primeiro acidente geográfico em que encostaram com o nome de Cabo de São Roque, porque era o dia desse santo. Arribaram para o Sul, indo até a Patagônia. Vinte e nove anos à frente, um certo capitão Martim Afonso de Souza desembarcou a sua tropa na praia do Flamengo, que então se chamava Uruçumirim. As mulheres da aldeia esfregaram as mãos e lamberam os beiços:

- Oba! A nossa comida vem andando até nós!

Os seus homens ficaram atentos a todos os movimentos dos recém-chegados. Mas não foi logo de cara que o tacape cantou na moleira deles. Deram-lhes um tempo. Os navegantes lusos souberam aproveitá-lo. E construíram uma ferraria para conserto de navios. Os indígenas acharam a construção muito engraçada. “Carioca, carioca!”, exclamaram, às gargalhadas. O que significava isto? Casa de branco. Mais tarde, carioca passaria a designar um rio que vinha do Cosme Velho e desaguava por ali onde é hoje as confluências das ruas Paissandu e Barão do Flamengo - e também os habitantes da cidade.

Ao levantar acampamento para ir fundar o povoado de São Vicente, no litoral de São Paulo, Martim Afonso deixou alguns de seus comandados, em missão exploratória. Mal sabiam eles que estavam sendo entregues, de mão beijada, aos temíveis canibais, que iriam lhes dar combate, para impedi-los de adentrar a vida ardente da imensa mata. Foram aprisionados e devorados.

Como marinheiros de primeira viagem, aqueles portugueses desconheciam as convenções de guerra nessas terras ignotas. Perdê-la, significava ir para o sacrifício. E este se fazia em festa, numa comemoração espetacular de uma vitória no campo de batalha, que durava muitas horas. Cantava-se, dançava-se, comia-se à tripa forra e enchia-se a cara com uma birita extraída do milho, que se chamava cauim.

Todas as tribos amigas, das aldeias próximas às mais distantes, eram convidadas. Assim, a festança atraía um público de mais de quatro mil participantes. Os folguedos terminavam com um banquete. De carne humana.

Os rituais canibalísticos eram a celebração da coragem do inimigo vencido. Ao devorá-lo, os vencedores estariam recuperando as energias despendidas nos combates. Os prisioneiros deixavam-se sacrificar de crista erguida. Questão de honra. Todos se sujeitavam ao tacape corajosamente, dizendo:

- Os meus me vingarão!

Isso dava sentido à execução e valor à carne do executado.

Os tupinambás, o velho povo do Rio de Janeiro desde milênios antes de os brancos chegarem, costumavam tratar as suas vítimas com algumas formalidades. Primeiro, os vencidos capturados passavam por um período de engorda e cuidados especiais, como o oferecimento de mulheres. Depois, eram colocados no centro de um círculo, para participarem dos ensaios das cantorias para a grande cerimônia já em preparação. Em seguida, eram interrogados, respondendo às perguntas com altivez. Exemplo:

- Sim, como convém a homens corajosos, partimos com o fim de aprisionar e comer vocês. Agora, conseguiram vencer e nos aprisionar, mas isso pouco importa. Homens valorosos morrem na terra de seus inimigos.

Quando chegava o grande dia, os prisioneiros enfeitavam-se de plumas como os outros, bebiam, cantavam, dançavam e, amarrados ao meio por uma corda, desfilavam por toda a aldeia, jactando-se de suas proezas no passado. As mulheres ofereciam-lhes pedras, exclamando:

- Vinguem-se!

Eles atiravam as pedras sobre a multidão. Isso fazia parte do programa da festa, da qual o carrasco não participava. Ficava concentrado, longe da fuzarca, aguardando o momento de ser chamado para cumprir a sua tarefa de justiceiro, com uma porretada de tacape na cabeça dos sacrificados.

Para os portugueses, os códigos de honra indígenas significavam apenas selvageria. E tremiam nas bases quando eram apanhados. Por isso os guerreiros tupinambás os chamavam de covardes. Mas não dispensavam a carne deles em seus repastos. Cunhambebe, o mais temido de todos os caciques, ficava triste quando não tinha um braço ou os dedos das mãos de um português para degustar.

A ironia da história (se tivesse sobrado índio para contá-la) é que foram os que eles achavam covardes os que acabaram vencendo a guerra, a ferro e fogo, no histórico (e abominável) genocídio de 1567, quando se apoderaram definitivamente de um território que lhes deu muito trabalho para conquistar. E o fizeram coalhando o mar de sangue – daí o nome da Praia Vermelha -, cortando as cabeças dos cadáveres e enfiando-as em estacas, num outeiro que batizaram como “da Glória”, exultantes pela vitória, conseguida graças ao poder dos seus canhões, muito maior do que os das flechas e tacapes dos nativos.

Eis o destino do Rio: em festa ou em guerra. Desde o tempo do carnaval dos canibais.