sexta-feira, 5 de março de 2010

HOMENS, UNÍ-VOS!

De Dia internacional da mulher


O meu amigo Chuchu agia em consonância com o nome, sem se importar com o que pensavam os seus vizinhos, inclusive eu que, vez ou outra, cogitava lhe chamar a atenção para o fato, porém o mesmo fazia questão de viver sob a coleira da mulher. Uma simples decisão, como a de parar um instante no boteco ao lado de casa para molhar a garganta com os amigos, havia de passar pela permissão da cara-metade, mesmo estando ele morrendo de vontade de entrar. Ela era o fator determinante de sua personalidade e assim ele viveu (ou pensou que viveu) até o dia que ela, cansada de tanta submissão do marido e querendo ser dominada por um homem de verdade, arrumou as malas e fugiu com o pé de pano, deixando Chuchu com o ônus da desonra, além de ser objeto principal dos comentários jocosos da vizinhança por longo tempo, pois, soube-se depois, que o tinhoso ricardão era uma amiga do casal.


Ele não era mole só nas atitudes. Ser corno de mulher é a pior coisa que pode acontecer a um homem – diziam as más e também boas línguas quando ele passava, cabisbaixo, soturno, como a carregar todo o peso do mundo nas costas.


Essa ocorrência data de trinta anos atrás e Chuchu morreu no ano passado sem se aventurar em novo casamento. A decepção fora tanta que seria compreensível se tivesse virado a casaca também, mas como já estava cheio de cabelos brancos, ia precisar de muita grana para poder arranjar um bofe de bons bofes.


O que aconteceu com ele foi só um exemplo dentre milhares, e por isso todo dia coloco minha barba de molho. Nenhuma relação se sustenta na dominação, seja de que lado for, embora minha cara-metade reclame, vez ou outra, do chip que coloquei na sua perna para mantê-la sob controle vinte e quatro horas por dia, via GPS. Que se há de fazer? Malandro que é malandro não dorme de touca. Canja de galinha e precaução não fazem mal a ninguém. Ou, como cantava o refrão daquele samba dos anos setenta: “A nega é minha, ninguém tasca, eu vi primeiro”.


Mulher bonita, boa e liberal faz o homem gemer sem sentir dor e, por causa desse axioma irrefutável, é a preferida nas cantadas e investidas de umas e outros nos bailes e bares da vida, independente de serem solteiras, viúvas, casadas ou que costuram para fora. Ficam na espreita feito caçador à espera da caça, aguardando o momento oportuno para darem o bote. São atenciosos, doces, melosos, e dizem ter a solução para todos os problemas da vida.


Nós, homens, precisamos reivindicar a criação de vários dias do homem ma-cho-cho, com direito a feriado nacional, divulgação na imprensa internacional e caminhada mais barulhenta e concorrida do que a parada gay. Lutemos pelo orgasmo múltiplo, livre, e distribuição gratuita de Viagra nos postos de saúde para que as mulheres se sintam incentivadas a escrever loas ao nosso dia, listando e enaltecendo nossas qualidades. O Governo deverá criar cotas para o Homem com agá maiúsculo nas universidades federais. E, finalmente, quando um casal hétero for barrado numa boate GLS, a casa deve ser fechada e os responsáveis processados por discriminar a minoria.


Fiquemos antenados porque a concorrência é acirrada e desleal, principalmente das mulheres com excesso de testosterona. Além de elas conhecerem melhor a alma feminina, pois, querendo ou não nasceram com uma, frequentam o mesmo banheiro do boteco, onde se desnudam sem o menor pudor e falam de suas intimidades em cumplicidade de amantes, embora a candidata a sandaliazinha não tenha malícia em suas ações e atenções, até então, inocentes, tal qual Chapeuzinho Vermelho sendo conduzida (e induzida) pelo lobo mau.


Portanto, tratemo-las com deferência, não só no dia internacional da mulher, mas nos trezentos e sessenta e quatro dias, seis horas e cinquenta segundos seguintes, sem esmorecer, porém. Como dizia o camarada Che: “Hay que endurecer sin perder la ternura jamás”. Quando sua mulher o chamar para lavar os pratos, grite bem abusado para que seus amigos e a vizinhança saibam quem é que fala mais alto na sua casa:


Já vou, meu bem!




quinta-feira, 4 de março de 2010

DAS COISAS QUE NÃO PRETENDO VER

Por Cineas Santos

De Superinteressante Fev. 2010


Não faz muito tempo, abri a revista ISTOÉ e, na seção de entrevistas, deparei-me com a foto de um cidadão com barba de Rasputin. A barba me pareceu postiça; o nome do barbudo, não. O entrevistado era ninguém menos que o geneticista Aubrey de Grey, da Universidade de Cambridge. Entre outras atividades, Aubrey preside a Fundação Matusalém cujo foco de pesquisa é o combate ao envelhecimento dos seres humanos. Sem medo de comprometer sua reputação, o cientista afirma que “Em cinquenta anos não vai mais haver definição para expectativa de vida. Teremos um controle tão completo do envelhecimento que as pessoas viverão indefinidamente”. Para o sábio inglês, num futuro próximo, qualquer ser humano poderá, sem problema algum, chegar a mil anos de existência. A explicação: a exemplo do que acontece com um automóvel, basta fazer a manutenção correta, usar o combustível adequado, trocar as peças danificadas no momento certo e o carro estará sempre novo. Mais didático, impossível. O neurocientista Anders Sandberg, de Oxford, está disposto a cooperar: propõe-se a fazer uma espécie de download do pensamento humano. Assim sendo, o cérebro se comportaria como um software, com todas as funções originais. O futurologista americano, Ray Kurzweil, com sua autoridade de guru dos letrados, garante que, “em duas décadas, os nanorobôs vão fazer as mesmas funções que as nossas células ou tecidos, mas com precisão infinitamente maior”. Sintetizando: no futuro, só morrerá quem quiser. Nessa altura do campeonato, meus três leitores estarão se perguntando: “O ancião endoidou?”. Eu vos asseguro que não: tudo isso e mais coisas encorpam as páginas da Superinteressante de fevereiro. É só consultar.

Enquanto lia a reportagem de capa da Super, ocorreu-me a lembrança de um poema de Drummond - “O sobrevivente” – publicado em 1930. Lá pelas tantas, afirma o poeta: “Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples./Se quer fumar um charuto aperte um botão./Paletós abotoam-se por eletricidade./O amor se faz pelo sem-fio./Não precisa estômago para a digestão”. A ideia desse admirável mundo novo não parece fascinar o Gauche de Itabira, que afirma: “Mas até lá, felizmente, estarei morto”. Drummond comporta-se como um verdadeiro vate e conclui, pessimista: “Os homens não melhoraram/ e matam-se como percevejos./Os percevejos heróicos renascem./Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado/ E se os olhos reaprendessem a chorar, seria um segundo dilúvio”.

Drummond pôs o dedo na ferida: “inabitável, o mundo é cada vez mais habitado”. As estatísticas indicam que, em menos de 50 anos, o exaurido planeta Terra terá nada menos de dez bilhões de bocas para alimentar. Diante de desafio de tal monta, os sociólogos já pensam em exumar as teorias do velho Malthus: a humanidade morrerá de fome. O cientista James Lovelock, autor de A Vingança de Gaia, garante que, nesse ritmo, antes do final do século 21, 80% da população do Planeta terá desaparecido. “A vida, como a concebemos hoje, será praticamente impossível”, afirma. Não é preciso ser muito inteligente para perceber que essa equação não fecha. Há uma pergunta que não quer calar: em que planeta viverão os terráqueos imortais?

Como não sou egoísta, prometo ceder meu lugar, no momento oportuno, a quem se habilitar a ocupá-lo. E fecho esta arenga com outro poeta mineiro, Murilo Mendes: “Tenho pena dos que vão nascer”.

terça-feira, 2 de março de 2010

O PRETO NO BRANCO

De Cabocla


Recentemente fui tachado de preconceituoso por afirmar, em meu livro, que não havia o elemento negro na miscigenação do Arraial do Junco, como se isso fosse uma afirmação leviana do autor, e não um legado genuinamente histórico.

Quem parar um instante para estudar a etnia brasileira, verá que a presença do negro no povoamento do sertão nordestino é pouca ou quase nenhuma, devido a vários fatores, sendo que o principal deles é o fator econômico. Era mais fácil e mais barato escravizar o índio nativo, acostumado à agressividade sertaneja, do que trazer o negro para dentro do mato e mantê-lo a ferro e a fogo em uma vasta extensão territorial de mata inóspita e desconhecida, sem nenhum cercado que pudesse impedir a sua fuga.

O negro era escravo quase exclusivo dos senhores de engenho na costa brasileira, custava caro e tinha outro custo adicional para mantê-lo sob o jugo: a vigilância. Mesmo assim, em engenhos fortemente vigiados, havia fugas e mais fugas de negros para os quilombos ou mesmo para viver a esmo, aprendendo capoeira com os índios.

Negros e índios eram litisconsorte na sanha assassina dos capitães-do-mato e dos bandeirantes, também chamados de sertanistas, e, por causa dessa desdita, uniam forças em auto-defesa. O que se acreditava ser uma luta de senzala, vinda da África negra, a capoeira é um esporte (ou luta) genuinamente brasileiro, levado para os quilombos através da recaptura dos negros fujões que tiveram contato com os índios e aprenderam a ginga de ataque e defesa.

A palavra capoeira é de origem Tupi, que significa “pequeno mato”, ou arbusto, local em que os índios e negros quilombolas se escondiam da caçada humana e, quando eram descobertos, desarmavam os sertanistas dando golpes de pernas e de mãos. Nas senzalas, para disfarçar a prática da luta – ou os exercícios diários –, usavam instrumentos de percussão e, quando o senhor de engenho chegava, transformavam a luta em uma dança chamada de barrigada, que depois se transformou em batuque e daí nasceu o samba.

Mas voltemos ao Arraial do Junco, cidade nascida nos estertores da escravidão negra e índia, fundada por um descendente de português e índio, o famoso mestiço, e mais por sua parentada; tios, primos, irmãos, cunhados, chegados ou não de Portugal, todos devidamente casados com índias, solamente com índias ou com seus parentes próximos, ou seja, mestiço com mestiço, gerando o curiboca, ou, em outras palavras, o caboclo, que também quer dizer “originário do branco”.

O bisavô de minha mãe veio em uma expedição financiada pelo Império. Era um nobre da Corte portuguesa, falido, fodido e mal pago e as suas esperanças de renascer financeiramente estavam em terras brasilis, mais propriamente nos inexplorados sertões. Chegando aqui, se casou com uma índia e teve vários filhos, sendo que um deles se casou com a neta do fundador da cidade e se tornou genro de um caboclo que era casado com uma índia. Desse casamento, nasceram muitos filhos, dos quais um é o meu avô, que era casado com uma cabocla, descendente de português com índio. O meu avô teve muitos filhos, entre eles, a minha mãe, claro.

O meu escanchavô paterno, ou seja, o avô do meu avô, o fundador da cidade, era filho de português com índia. Como naquelas terras rudes não havia mulher branca nem negra, se casou, claro, com uma índia, e teve vários filhos, que também se casaram com índias ou com as próprias primas e na descendência um pouco mais para cá para baixo, nasceu o meu pai, filho de caboclo com cabocla. O meu pai se casou com a minha mãe e tiveram onze filhos, entre eles, eu. Ou alguém tem alguma dúvida?!

Quisera eu ter descendência africana. Ao contrário dos portugueses que povoaram estas terras – nobreza falida, perseguidos ou condenados da justiça, proxenetas, cáftens, ladrões, assassinos, etc. – os africanos traficados para o Brasil eram, em sua maioria, perseguidos políticos, reis e rainhas destronados, príncipes usurpados da herança real e guerreiros capturados em combate ou traídos por seus comandantes. Mas, infelizmente, as minhas origens não dependem de mim e, em vez de ter a altivez personalizada de um príncipe negro, fico aqui lamentando a minha condição de nobre marginal, sem eira nem beira e sem lugar garantido nos Campos Elíseos para descansar a minha alma aristocrática de araque.

E ainda me chamam de racista por escancarar a minha vergonha.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Pré-Conferencia Nacional de Cultura Afro-Brasileira

Por Edna Lopes

De Pré-conferência nacional de cultura afro-brasileira



Se pudesse traduzir um sentimento, numa frase, para descrever este evento, diria: A ÁFRICA ESTÁ EM NÓS, frase que dá título ao livro do professor pernambucano Roberto Benjamim, publicação que tem fundamentado o trabalho das escolas no atendimento à Lei 10.639/2003, especialmente em relação à contribuição dos povos africanos na formação do povo brasileiro.

E se alguém estiver se perguntando o que alguém como eu, uma mulher de pele e olhos claros tem a ver com isso, certamente que minha resposta irá na mesma direção da tradução do sentimento: a África está em nós, brasileiras e brasileiros, em qualquer rincão deste país, mesmo que a neguemos, mesmo que não a reconheçamos nos nossos traços, no nosso jeito de viver, nas nossas manifestações e expressões mais recheadas de brasilidade.

A África está em nós na culinária, na Religião, na Língua, nos folguedos e danças, na música e seus instrumentos. Está em nós, na raiz da formação do nosso povo e em nossa identidade cultural, quer admitamos ou não.Qualquer que seja o tom da nossa pele, a herança de centenas de povos africanos está inserida em nosso cotidiano, mesclada com a cultura indígena e outras tantas heranças dos colonizadores europeus.

Nos dias 24 e 25 de fevereiro, a Fundação Cultural Palmares realizou, em Brasília, a Pré-Conferência Nacional da Cultura Afro-Brasileira. O evento reuniu artistas, lideranças do movimento negro e religioso de matriz africana, quilombolas, capoeiristas e convidados, representantes de todos os estados brasileiros para discutir políticas públicas em torno da cultura afro no Brasil.

A iniciativa garantiu aos participantes a contribuição na formulação de propostas para um plano nacional de cultura afro-brasileira, além da escolha de delegados para representar a cultura negra na plenária geral da II Conferência Nacional de Cultura que se realizará entre os dias 11 e 14 de março também em Brasília.

Não é difícil de imaginar, se se considerar todas as diversidades e expressões de cultura que há num país como o nosso, a tapeçaria multifacetada e multicolor que se desenhará. A cultura dos povos africanos, incontestavelmente, compõe a historia do povo brasileiro. A questão é que a desinformação e o preconceito tratam esta herança como ou algo exótico ou folclórico, quando não a desqualificam e desrespeitam-na.

As diversas expressões da cultura afro-brasileira são fundamentais para o processo de desenvolvimento e consolidação da cultura como identidade de um povo. Como educadora, representando a coordenação estadual da UNCME-AL (União dos conselhos Municipais de Educação) e agora a presidência do Conselho Municipal de Educação de Maceió, tenho convicção de que é também pela educação que virá a contribuição para que todas as formas de cultura sejam reconhecidas e respeitadas.

Minha expectativa é de que cada vez mais a formulação das políticas, o cumprimento dos marcos regulatórios, o incentivo e a difusão de práticas que ratifiquem a cultura afro-brasileira e a cultura indígena como as verdadeiras expressões do nosso povo e que sejam dadas as condições para que em cada escola, em cada bairro e cidade, em cada comunidade, o Brasil reconheça o BRASIL.