sábado, 24 de julho de 2010

Desvio de Donativos em Alagoas: Indigna - Ação - Edna Lopes




De Ação


"Sou humano, e nada do que é humano me é estranho”. Mais de uma vez durante esta semana, essa frase atribuída ao sábio Terêncio me veio ao pensamento, por várias razões, todas elas refletindo sobre atos e fatos divulgados pela imprensa.

Não estranho quando um HUMANO se revela capaz de por em risco a própria vida para salvar um pássaro nem poupa esforços para ajudar um “estranho” vítima de um acidente de trânsito, como também não estranho quando outro HUMANO se mostra capaz de roubar os donativos das famílias que perderam entes queridos, tudo que tinham de material e aos poucos perdem a dignidade, submetidos à condições abjetas de vida.

Enquanto uma ação me emociona e mantêm acesa a esperança e a fé que tenho na humanidade, a outra me indigna, me envergonha sobremaneira. Como pode alguém descer tão baixo? Como pode alguém ser tão torpe?

No final da semana passada, quando as primeiras denúncias de desvios ventilaram na imprensa, ouvi estarrecida, alguns relatos da desfaçatez de alguns que são pagos com nosso dinheiro para nos roubar. Acobertados sempre pela impunidade, não fazem cerimônia quando a questão é “se dar bem”, lucrar, mesmo as custas da miséria alheia.

Jamais incorreria no erro de generalizar! Transcrevo aqui um comentário de alguém num dos sites que publicou a notícia e faço minhas cada palavra: “Sabedoria em 23/07/2010 às 19:19 comentou: Justiça! O povo quer justiça e garanto a vocês que os Bombeiros Também! A luta desses homens nos Salvamentos e Resgates efetuados nestes dias, não pode ser manchada com esses eventos de alguns que não merecem estar com a camisa vermelha e a fênix em seu peito. GP.”(sic)

Outro comentário que me chamou a atenção: “bombeiro em 23/07/2010 às 18:26 comentou: Fico muito envergonhado por fazer parte do corpo de bombeiros nessas horas, mas isso que aconteceu é um mal necessário, pois todo mundo sabe da corrupção que existe dentro da instituição, vários coronéis e demais oficiais são verdadeiros larápios, de combustíveis, licitações, notificações e vistorias em prédios e empresas etc. e quando as denuncias são feitas por integrantes da corporação, os punidos são os denunciantes que são penalizados devido à hierarquia nojenta que favorece a corrupção e o abuso de poder... essa era uma ótima oportunidade para de fazer uma auditoria nos quartéis do interior onde se faz verdadeiras fortunas com o dinheiro dos trabalhadores. essa é a hora MP, PF e SEDES.”(sic)

Diante da minha desolação, meu filho, ainda um menino, comenta frustrado: “Mãe, como as vezes tenho vergonha de ser brasileiro...”

Desculpa, meu filho. Sem forças para contra-argumentar... Quisera eu nos poupar disso também...

“Que criatura agradável é o homem, quando ele é um homem”


Se alguém quiser ler a notícia:

http://www.tudonahora.com.br/noticia/maceio/2010/07/23/104825/tres-militares-sao-presos-por-desvio-de-donativos



quinta-feira, 22 de julho de 2010

As três notas musicais - Luís Pimentel



De O trio



A técnica do Nogueira

Conta o folclore da música brasileira que o grande e compositor João Nogueira cumpria temporada de shows pelo Nordeste do Brasil, quando atendeu pedido de entrevista de uma estagiária de jornal.

Pergunta da moça:

– João, como você consegue cultivar essa voz tão sua, tão marcante, tão impostada e ao mesmo tempo tão suave? Que técnica você usa?

Resposta do malandro:

– Muito conhaque, muita cerveja e cigarros Hollywood à vontade.

João Nogueira, um dos maiores cantores da MPB em todos os tempos, nasceu no Rio de Janeiro, no bairro do Méier, no dia 12 de novembro de 1941. Aos 27 anos gravou sua primeira composição: Espera, oh nega. Três anos depois, entrou para a ala dos compositores da Portela e teve músicas gravadas por Elizeth Cardoso e Clara Nunes.

Um dos maiores defensores do gênero, na década de 1970 fundou o Clube do Samba. Parceiro, entre outros, de Paulo César Pinheiro, entre suas composições mais conhecidas estão Nó na madeira, Espelho, Um ser de luz e Clube do samba. Morreu no ano 2000.

Quem foi Adiléia?

Com esse nome, talvez ninguém identifique: Adiléia da Silva Rocha mais tarde trocou o nome para Dolores Duran. Dolores nasceu em 1930 e começou a carreira artística ainda menina – e ainda Adiléia – no popularíssimo programa Calouros em desfile, pilotado pelo já famoso compositor Ary Barroso, na Rádio Tupi. Estreou com nota máxima, caiu na simpatia do pouco simpático Ary e voltou para casa com um prêmio de 500 mil réis e o sonho de virar cantora profissional. Tinha 12 anos.

Da rádio, Adiléia – já Dolores – pulou para o Teatro Carlos Gomes, onde participou do elenco das peças infantis Mãe d´água, Primavera, O gaúcho e Aladim e a lâmpada maravilhosa. Cantora de voz doce e cálida, Dolores Duran foi também excelente compositora, como provam os destaques de sua obra Se é por falta de adeus, A noite do meu bem, Castigo e Fim de caso. Morreu vítima de um infarto fulminante, no dia 23 de outubro de 1959.

O gato do João

São inúmeras e variadas as notas do folclore envolvendo o cantor, compositor e super-instrumentista João Gilberto. A mais repetida em mesas de bar é a do gato. Dizem que João, morando sozinho em Nova Iorque, trancou-se no estúdio para preparar novo disco. Sozinho, não. Havia o gato do João.

Contam ainda que João trancou porta e janelas do estúdio, e durante 17 dias e 17 noites, sem parar para ir sequer à padaria, tocou seu fabuloso violão, sem parar, sem parar, sem parar, em busca dos arranjos cada vez mais redondos, do acorde cada vez mais perfeito. E o gato ali, sentadinho na cadeira, ouvindo, ouvindo, ouvindo.

Pois contam também que, finalizado o trabalho, João Gilberto finalmente escancarou as janelas. Era um décimo terceiro andar, mas o bichano não quis saber: atirou-se pela janela, para a morte que a livraria de tantas melodias.

João Gilberto, gênio inconteste e admirado pelos grandes nomes da MPB, considerado por muitos o pai da bossa nova, nasceu em Juazeiro (BA), em 1931. Quando gravou seu primeiro disco, em 1958, seu estilo de cantar, intimista, contrastava com tudo o que se fazia na época em termos de música. Influenciou cantores como Gal Costa e Caetano Veloso, que na década de 1960 iniciavam suas carreiras. Alguns de seus grandes sucessos são Chega de saudade, Bim-Bom, Samba de uma nota só e Desafinado.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Moacyr, o Matador

De O matador

Ele tem por nome de batismo Moacyr de Tal, mas, a depender da pessoa e do momento, também atende por Chupa-Cabra, Jurubeba e seu Madruga, o pitoresco personagem do soup ópera Chaves, pai da Chiquinha e que, invariavelmente, apanha de dona Florinda.

Seu Madruga, digo, Moacyr não é cearense dos olhos amarelos, mas se orgulha de já ter matado seis pessoas, seis “desinfelizes” que tiveram a audácia de duvidar de sua macheza, na sua cidade natal, Paulo Jacinto, a oitenta quilômetros de Maceió. Se bem que, dos seis, três morreram de susto, dois de raiva e um, cujo relato farei adiante, teve uma originalidade burlesca e ele foi obrigado a fugir de sua cidade para não morrer nas mãos dos irmãos e parentes do desencarnado, que queriam beber o morto com o sangue do seu carrasco.

O seu pai foi morto em uma briga de faca nos primeiros anos de sua existência e a sua mãe, sem ter como arranjar trabalho, fora obrigada a enrolar fumo em Arapiraca, posteriormente se mudando para lá em uma camionete paga por um político local. Moacyr viveu brincando em uma plantação de fumo até os dez anos, quando a sua mãe arranjou um amante e o mandou de volta para acabar de ser criado por um irmão do seu pai. Instalado na casa do tio, em Paulo Jacinto, desconjurou a mãe, brigou com o tio e foi morar com um fazendeiro, o antigo patrão do seu pai. Cuidava das tarefas domésticas e, nas folgas, treinava para ser vaqueiro ou ia para o centro urbano brincar de mocinho e bandido com uns amigos. Como já havia matado cinco, e a sua fama de mal corria cidade afora, ele só fazia papel de bandido.

Ele, e mais todo o pessoal que descia da roça, eram os bandidos contumazes nas brincadeiras, pois o roceiro, em qualquer situação, é discriminado pelos moradores da urbe.

Um dia Moacyr resolveu montar o seu acampamento de bandido na mata circundante da periferia. Na primeira laçada que jogou, prendeu um “mocinho”, arrastou para o seu acampamento, amarrou o moço em uma árvore, colocou uma mordaça nele para que não alertasse os outros e saiu à procura de mais “mocinhos” para fazer prisioneiro e assim ganhar a parada. Andou cauteloso pela periferia, se escondendo nos postes ou atrás dos muros, até que avistou a turma animada em uma rodada etílica em um cacete armado. Moacyr chegou de surpresa, rendendo todos, mas foi informado de que a brincadeira acabara e que a nova modalidade era o jogo de porrinha e ele estava convidado a participar. Uma rodada valia cachaça, outra cerveja, e a outra, qualquer tira-gosto da visgueira: sardinha ou salsicha em lata.

Lá para as tantas, sem atinar coisa com coisa, Moacyr montou em sua jumenta e pegou o rumo da roça. Quinze dias depois picou esporas para a cidade e procurou a turma para uma nova brincadeira. Os amigos não quiseram brincar. Estavam preocupados, pois um deles havia desaparecido desde o dia da última brincadeira. E ninguém tinha a menor pista. Moacyr levou a mão à testa, preocupado. Entretido na cachaça e no jogo da porrinha, esquecera o colega amarrado em seu acampamento. Foram todos ao local e encontraram o corpo do amigo em adiantado estado de putrefação.

Antes da chegada da polícia, saiu de fininho, sorrateiro, sonso, pegou um ônibus para Maceió e nunca mais ninguém soube de Moacyr, o Matador.

domingo, 18 de julho de 2010

A musa da Copa e as cerejeiras de Curitiba - Luiz Andrioli

Crônica falada de Luiz Andrioli


Tributo a um comunista - Antonio Torres

Do livro de crônicas "Sobre Pessoas", do escritor Antonio Torres






Não, ele não espetava padres nem comia criancinhas, conforme a lenda apregoada pelos párocos em seus sermões dominicais, que transformavam os da sua classe em bichos-papões, sangüinários arautos do medo e do terror, todos condenáveis hereges. Cruz credo!

As exéquias a Apolônio de Carvalho me fizeram lembrar do comunista que conheci longe dos fervores religiosos. E em nada ele se assemelhava a um monstro. A bem dizer, foi o meu anjo da guarda. Descobri isso no meio de uma conversa que tivemos num banco de uma praça, na cidade de Alagoinhas, Bahia. Ano: 1959. Eu estava lá pensando na vida, sem saber o que fazer dela. Havia terminado o curso ginasial e o serviço militar. E estava sobrevivendo com o salário-mínimo de vendedor-pracista de uma indústria de bebidas.

Cansado de rodar o dia inteiro em cima de uma bicicleta com uma pasta na garupa, recheada de mostruários, um talão de pedidos e um maço de promissórias vencidas, sentei-me naquele banco para fazer um balanço. Estava preocupado com as vendas que fizera para bodegueiros endividados, aos quais já me afeiçoara, a ponto de me render aos seus desesperados apelos: se ficassem sem mercadorias, aí é que não iam poder pagar as contas atrasadas. Essa, porém, não iria ser a lógica do patrão, que naturalmente me poria a correr em busca de outra ocupação, já que como vendedor não passava de uma nulidade.

Foi então que chegou o comunista, com um pacote do jornal Novos Rumos, que lhe era enviado daqui do Rio para distribuição naquelas bandas. Chamava-se Mário, figura de utilidade reconhecida por se tratar do dono de uma mecânica e borracharia, tão socialmente aceitável quanto os espíritas, os crentes e os maçons. Ele sentou-se ao meu lado. Acendeu um cigarro, deu uma baforada nele, pigarreou e puxou assunto.

Depois de dizer que havia lido uns artigos que eu vinha escrevendo para uma gazetinha da cidade, perguntou-me se tinha algum plano para o futuro. ''Escrever.'' Não se mostrou surpreso com a minha resposta. ''Quer ser jornalista?'' Não foi a sua pergunta o que me surpreendeu, mas a sua garantia de que, se era isso o que eu queria, ele poderia me abrir uma porta. Na capital!

No dia seguinte, às 9 horas da manhã, aquele borracheiro que vivia todo sujo de graxa, estava à minha espera na estação ferroviária, de acordo com o combinado. De banho tomado e vestido num impecável terno branco. E já com dois bilhetes para o trem mais caro e mais bonito, tanto que era chamado de Marta Rocha, em alusão à beldade baiana que por duas polegadas a mais ou a menos (já não me lembro) não conquistou o cetro de rainha da beleza universal.

Ao chegar a Salvador, logo nos vimos diante de uma recepcionista. ''Quem deseja falar com o doutor João Falcão?'' Não foi preciso anunciar o nome. Uma voz veio lá de dentro: ''É você, Mário?''. Em questão de minutos atravessamos uma rua. E chegamos ao prédio do Jornal da Bahia, na companhia do seu dono.

Lá fiquei. Mário se foi. Deixando-me um forte motivo para querer bem aos comunistas.