sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Cineas Santos - Da inutilidade do fazer

Na semana passada, fui procurado por uma bela jornalista que me pediu uma entrevista, tendo como foco a questão editorial no Piauí. Proseamos um pouco e, para encerrar a conversa, a jovem me perguntou: Que diferença o senhor apontaria entre o panorama editorial hoje e a época em que se iniciaram suas atividades como editor? Respirei fundo, oxigenei os dois neurônios que me restam e, desencantado, respondi: Mudou muito, minha jovem, para que tudo continuasse igual. Ante o espanto da cidadã, expliquei: quando comecei a publicar os autores piauienses, em meados da década de 70, não havia livros nem leitores. Hoje, temos centenas de livros editados, e o número de leitores continua o mesmo. Como não existe literatura sem leitores, estamos exatamente na estaca zero.

Seria ótimo se fosse apenas força de expressão. Não é. Quando iniciei minha carreira (melhor seria chouto) de professor, praticamente não existiam textos de autores piauienses disponíveis na praça. Havia uma pequena antologia poética – Caminheiros da Sensibilidade – organizada por J. Miguel de Matos, e dois romances do O. G. Rego de Carvalho: Ulisses entre o amor e a morte e Somos todos inocentes, ambos editados pela Civilização Brasileira, no Rio de Janeiro. Dependendo do humor do livreiro Antônio Nobre, proprietário da DILERTEC, era possível encontrar Beira rio beira vida, de Assis Brasil. Nada além. Ásperos tempos.

Eu poderia simplesmente ter imitado meus colegas de geração, que não ensinavam literatura piauiense por “falta de material didático”. Por minha conta e risco, criei uma editora de fundo de quintal, com um nome pomposo: Editora Nossa. Com a cumplicidade do jovem poeta Paulo Machado, editei em 1976 a coletânea Ciranda, contendo textos de seis poetas piauienses: Chico Miguel de Moura, Hardi Filho, Dodó Macedo, Domingos Bezerra, João de Lima e Paulo Machado. Edição mimeografada com a capa colada com grude. 

Professor em todos os cursinhos de Teresina, não tive dificuldade para vender os livrinhos. Ao longo desses anos, editei todos os escritores piauienses de expressão, de Da Costa e Silva a Elias Paz e Silva. Ao todo, publiquei mais de 100 títulos. Raimundo Nonato Monteiro de Santana não fez menos: com a minha modesta colaboração, editou 92 livros, de Odilon Nunes a Padre Chaves. Kenard Kruel vem publicando livros há bastante tempo. Sabe o que aconteceu? Nada.
O ensino da literatura piauiense tornou-se “obrigatório” nas escolas públicas e privadas do Estado (Art. 226 – Constituição do Piauí). Letra morta. O que os estudantes leem, ou melhor, devoram no período dos vestibulares são os nefastos “resumos” das obras literárias que figuram nos programas. Há uma verdadeira indústria capitaneada por vendedores de bizus, melhor seria: mercadores de alienação.
Terminei a entrevista com uma aula de desencanto: Minha jovem, sem a minha contribuição, a literatura piauiense teria o tamanho que sempre teve. E mais não me foi perguntado.


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Edna Lopes - Amar se aprende amando*

No retorno ao trabalho reencontrei uma colega que me pediu para conversarmos um pouco sobre o trabalho que a mesma realiza com adolescentes sobre orientação afetivo-sexual. Os problemas se repetem ano a ano: meninos e meninas com os hormônios em ebulição e a comunidade escolar despreparada para lidar com isso.

Comentamos principalmente como tem sido difícil lidar com a questão. Aparentemente a modernidade parece que já deu conta disso, pois bem ou mal a mídia tem ocupado o lugar dos pais e da escola em relação à educação das relações de convívio. 

Em minha opinião de mãe, educadora e mulher, ocupado mal, pois apenas despeja sem reflexão nenhuma algumas questões ligadas ao exercício da sexualidade. A informação é fundamental, mas não determinante para que meninos e meninas compreendam e, no tempo certo, possam viver sua sexualidade de forma saudável e responsável.

Da minha experiência como Coordenadora Pedagógica lembro o quanto os professores alegavam dificuldades para trabalhar determinadas questões em sala de aula, principalmente os conflitos que ali surgiam. Lembro que, salvo exceções, lidei com professores (as) constrangidos (as), sem habilidade para abordar os assuntos e na maioria das vezes, desinformados (as), preconceituosos (as).

Além das informações básicas é preciso, principalmente, superar o preconceito para abordar questões que podem ser embaraçosas, num primeiro momento, mas absolutamente necessárias para que pais e educadores exerçam, responsavelmente, seu papel.

Um problema que tem se agravado é o da Gravidez na Adolescência embora as campanhas para orientar o uso de preservativos (e até a distribuição gratuita) sejam constantes, mas para um trabalho realmente educativo, não basta apenas orientar o uso nem fornecer o preservativo. Orientar para o exercício da sexualidade com responsabilidade exige uma consciência das consequências de todos os atos que a envolvem.

Vejamos esses dados:

* No Brasil, 28% dos Partos do SUS ocorrem em garotas entre 10 - 19 anos. Isto significa que a cada 100 bebês que nascem em nosso país, 28 são filhos de mães adolescentes.
* Evasão Escolar - 25% das meninas entre 15 e 17 anos que deixa a escola fazem isso por causa da gravidez.
* Aumento da Pobreza- A Escolaridade da mulher é um fator relevante na avaliação do índice de desenvolvimento humano de uma população. Fonte: http://www.kaplan.org.br

Talvez esses argumentos não sejam suficientes para que todas as escolas se empenhem nessa tarefa, colocando nos seus projetos pedagógicos e nos currículos, estratégias para abordar uma questão tão séria e preocupante, entretanto é dever de pais e mães e todos os (as) educadores (as) fazerem sua parte, exigindo das mesmas que esse trabalho se inicie o quanto antes, lembrando que as dimensões do Cuidar e do Educar não são restritas a Educação Infantil, mas diz respeito a toda Educação Básica.

Amar se aprende amando, diz o poeta. Viver uma sexualidade saudável e responsável também se aprende na escola e na vida, mas é preciso mais que hormônios em ebulição para exercê-la. É preciso informação, disposição, saúde, sensibilidade para se entender/conhecer e entender/conhecer o outro. É preciso sobretudo seriedade e um olhar verdadeiramente humano e sensível para o que realmente importa.

*Amar se Aprende Amando é o penúltimo livro do poeta Carlos Drummond de Andrade publicado em vida, e que traz cerca de 70 poemas.

Resumo do livro:
Há de tudo neste desconcertante e caliente "mafuá" que agora se lê sob o título de Amar se Aprende Amando, no qual se colhem de imediato duas raras lições: uma primeira, de ousada simplicidade e que se dá logo à tona de seu enunciado, onde o autor permite a audácia de reunir três verbos, cada um deles em voz distinta; e uma outra, mais funda e talvez difícil, que nos ensina essa prática (tão trivial não fosse hoje absurdamente anacrônica) cuja eficácia reside apenas na elementar e irretorquível verdade de que só se aprende mesmo fazendo. http://www.coladaweb.com


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Cineas Santos - Da arte de aborrecer estagiárias

Às vezes, tenho a impressão de que os editores de jornais adoram humilhar estagiários ou focas, como se dizia antigamente. Incumbem os infelizes das tarefas mais esdrúxulas. Deve fazer parte da pedagogia do sofrimento. Um exemplo: no último final de semana, fui procurado por uma jovem (com idade para ser minha neta) repórter que me pediu uma entrevista. Depois de todas as obviedades e sandices que venho repetindo há séculos, não sei que “novidade” poderiam arrancar de mim. Preparei-me para o de sempre. A moça, armada com um minúsculo gravador, perguntou timidamente: O que o senhor faria se acertasse ,sozinho, os números da Mega-Sena? Respondi de bate-pronto: faria todas as besteiras que venho fazendo ao longo da vida e mais algumas, bem sinistras. Desapontada, a cidadã me olhou como se dissesse: “tenha piedade”. Apelei para a filosofice: senhorita, a verdadeira vocação do ser humano é bobagem. Por sorte, somos obrigados a trabalhar, o que nos impede de passar o dia inteiro pensando e fazendo besteiras. 

Contrafeita, a repórter arriscou: Como assim? Tentei ser o mais didático possível: filha, basta ler as revistas de fofocas para perceber quantas besteiras os ricos fazem num dia. A razão é simples: como não precisam ralar para ganhar a vida, sobra-lhes tempo para o exercício da bobagem em tempo integral. Percebi que a jovem não estava satisfeita com o rumo da prosa. Parti para os exemplos: não faz muito tempo, morreu uma milionária inglesa. Sabe para quem ela deixou toda a fabulosa fortuna que acumulou? Não sabe? Para uma cadelinha poodle. Até hoje, ninguém sabe se a cachorrinha milionário gastou a grana toda com salmão ou se a distribuiu com os vira-latas de Londres. Visivelmente decepcionada, a estagiária esboçou um sorriso incrédulo. Voltei à carga: moça, você já ouviu falar de um artista plástico chamado Demien Hirst? Naturalmente, não. Eu explico: trata-se de um inglês espertalhão que faz fortuna produzindo e vendendo “esculturas” bizarras para milionários excêntricos. São caveiras cravejadas de diamantes; tubarões conservados em formol e coisas menos nobres. Veja o último golpe dele: vendeu pela bagatela de 18,6 milhões de dólares um bezerro empalhado, com cascos e chifres de ouro. Uma peça kitsch, brega mesmo, para ser mais claro. Um milionário a comprou e saiu feliz da vida. 

Pelo ar que fez, percebi que a paciência da candidata a jornalista esgotara-se. Talvez ela esperasse algo mais consequente, edificante. Uma resposta do tipo: fundaria uma instituição para cuidar de crianças carentes, ou construiria um belo museu, etc. Resolvi assoberbar de vez: anote aí, moça: se eu acertasse sozinho os números da Mega-Sena, fundaria uma igreja – Igreja Universal dos Anjos Decaídos da Primeira Hora - com sede em Miami. Abriria sucursais na Ásia, África e América Latina e, a exemplo dos espertalhões que obram milagres em cultos televisionados, triplicaria a minha fortuna enganando os desenganados, como diria o poeta Dobal. Sem se despedir, a jovem foi procurar alguém menos frívolo. Aprender dói!