sábado, 30 de abril de 2011

Luís Pimentel - Jamelão e suas histórias


Das inúmeras histórias que enriquecem o folclore do samba a respeito do humor indigesto e inimitável de Jamelão, uma é imbatível. Dizem que convidado para receber uma (mais uma) homenagem em São Paulo, por conta dos não sei quantos anos de idade, o maior intérprete (“puxador é maconheiro ou ladrão de carro!”, dizia ele) do carnaval brasileiro fez a perguntinha: “Tem dindim?”. “Não, mestre, é só uma homenagem”. Um brinde à resposta:

– Homenagens não pagam minhas contas!

José Bispo Clementino dos Santos – o nome já era um enredo – nasceu no Rio de Janeiro, no dia 12 de maio de 1913. Morreu no dia 14 de junho de 2008. Aos nove anos vendia jornais nos subúrbios, onde conheceu o sambista Gradim, que o levou para a Estação Primeira de Mangueira. Começou a carreira no rádio, participou de alguns conjuntos e orquestras, entre elas a Tabajara, de Severino Araújo. Seu reconhecimento veio no final dos anos 50, quando gravou Exemplo e Ela disse-me assim, de Lupicínio Rodrigues.
No começo dos anos 40 Seu José Bispo já pontificava nas rodas de samba históricas da Praça Onze. Em 1945 participou de um programa de calouros na Rádio Ipanema, onde nasceu o apelido que o tornou célebre na verde e rosa e em todas as cores da MPB. Segundo contou em depoimento no Museu da Imagem e do Som, no Rio, o apresentador anunciou determinada música “a ser interpretada por Jamelão". Quando ouviu isso, ainda se perguntou: "Quem seria esse tal de Jamelão?" Para sua surpresa, o Jamelão era ele. O apresentador inventou na hora o apelido que pegou para sempre.

Além da maestria nos sambas-enredo, Jamelão cantava bem qualquer coisa que caísse em seu repertório. Ninguém melhor do que ele no samba-canção ou nos boleros. Encerrando com outra historinha do figuraça: na saída de um show coletivo, entre vários artistas, a jovem cantora se aproximou:

– Mestre, eu quero beijar sua mão.
– Precisa não. Primeiro, porque não sou pai-de-santo. Depois, porque não sei onde você andou com essa boca.


Juvenal Azevedo - Um cão uivando para a imortalidade



Antônio Torres é um dos candidatos à vaga deixada por Moacyr Scliar na Academia Brasileira de Letras. Segundo os entendidos nos meandros da ABL, Torres é, ao lado de Nerval Pereira, um dos favoritos a envergar o fardão dos imortais.

Na minha opinião, Nerval é um jornalista sério, estudioso e competente, mas falta a ele a chamada bagagem literária. Já Antônio Torres, ademais de suas qualidades pessoais e de caráter, tem uma farta bagagem de livros escritos, publicados e aplaudidos tanto pela crítica quanto pelo público, aqui e no exterior.
Desde sua primeira obra, à qual poderíamos sem exagero classificar de obra-prima, “Um cão uivando para a Lua”, de 1972, até seu livro mais recente, “Sobre pessoas”, de 2007, Torres mostrou ser, fundamentalmente, um escritor.

Um escritor talentoso, dominador de seu ofício, como em “Os homens dos pés redondos”, “Essa terra”, “Carta ao Bispo”, “Adeus, Velho”, “Balada da infância perdida”, “Um táxi para Viena d’Áustria”, “O centro de nossas desatenções”, “O cachorro e o lobo” (que recebeu o Prêmio Hors-Concours de Romance da União Brasileira de Escritores em 1998 e foi traduzido para o francês), “O circo no Brasil”, “Meninos, eu conto” (traduzido para o espanhol na Argentina, México, Uruguai), para o francês (no Canadá e na França), para o inglês (nos Estados Unidos) e ainda para o alemão e o búlgaro, além de ser incluído na antologia dos “100 melhores contos do século”, de Ítalo Moriconi, “Meu querido canibal”, “O nobre sequestrador”, “Pelo fundo da agulha” e “Minu, o gato azul”, uma delícia de livro infantil.

E o que espero que aconteça na ABL, em junho próximo, é o reconhecimento de que aos escritores de ofício se deve abrir o reino dos céus literários. Seria também o auto reconhecimento da Academia a um escritor por ela agraciado em 2000 com o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra. 

Como a vaga em questão é a de Moacyr Scliar, não custa lembrar que Torres e Scliar se conheceram pessoalmente em 1985, num circuito de palestras pela Alemanha, sendo que foi numa viagem de trem de Colônia para Bielefeld que a amizade se consolidou. Segundo Torres, “fomos só nós dois no trem”. E acrescenta: “Já havíamos conversado em Frankfurt, mas foi tudo muito rápido. Depois daquela viagem para Bielefeld, ficamos amigos para sempre. No Brasil, costumávamos frequentar a casa um do outro entre o Rio e Porto Alegre. E o maior presente que ele me deixou foi seu artigo com o título “Meu querido Antônio Torres”, quando do lançamento do livro “Meu querido canibal”.

Bem. Desconhecedor dos rituais e cânones da Academia Brasileira de Letras, não sei se ao escrever este artigo estarei colaborando ou não para incrementar a candidatura de Torres à imortalidade, de vez que, se consultado fosse, meu amigo quase milenar Antônio Torres, por seu caráter e modéstia que beira a humildade, me impediria de fazer esta declaração pública de amizade e admiração por suas qualidades, tanto pessoais quanto literárias.

Que o Torres e, principalmente, os membros imortais da Academia me perdoem, mas em certas ocasiões calar seria, isso sim, inoportuno. Avante, imortais, façam justiça. Deem a Antônio Torres a cadeira de Moacyr Scliar que, certamente, onde quer que esteja, terá sua aprovação.

Juvenal Azevedo é jornalista e publicitário. Publicação original no site http://www.difundir.com.br/site/c_mostra_release.php?emp=1098&num_release=41274&ori=I



sexta-feira, 29 de abril de 2011

Edna Lopes - Porta-Voz Celestial



Mal amanhece se ajoelha, faz suas orações e liga o rádio. Ocupa-se das tarefas da casa, mas não descuida de ouvir, atenta, os louvores, os comerciais de produtos sacros enquanto aguarda ansiosa a pregação do Fulano de Tal, autoridade eclesial com o dom da palavra e muitos conhecimentos nas hostes celestiais.

Arruma a casa, lava a roupa, faz comida, mas a atenção no que o pregador fala está em primeiro plano e mal acaba o programa, corre ao telefone para avisar as amigas e parentas dos recados que Deus mandou a cada uma delas.

Nem o Anjo Gabriel pareceria mais íntimo...





domingo, 24 de abril de 2011

Engabelação Pascal

De Coelhinho da Páscoa

Talvez a Igreja me excomungue, mas, Páscoa, para mim, é só um motivo para se engordar mais de tanto se comer chocolate, seja em forma de ovo, de barra ou de bombons. O meu filho mais novo faz a festa nesse dia.

Aqui, neste mundo cibernético, já li tanta coisa sobre a Páscoa que só não vai faltar ovos nos supermercados da vida porque andam confundindo Zé Carroceiro com Zeca Roceiro. Já falaram até que a “Páscoa cristã é a celebração do Êxodo”, esquecidos que judeus e cristãos são inimigos históricos, apesar de o responsável pelo cristianismo ter sido judeu. Aliás, foram os próprios judeus que entregaram Cristo aos carrascos romanos, o que levou o Papa Pio XII, dois mil anos depois da crucificação, a não titubear na hora de escolher entre a cruz da Suástica e os descendentes de Abraão: lembrando Judas Iscariotes, beijou a face judaica.

Tenho saudades das minhas aulas de catecismo na Escola Brazilino Viegas, cuja professora Marilda caprichava nos ensinamentos sem nenhuma paixão ou ressentimento. Dizia que a páscoa era a celebração da vida, a Ressurreição de Cristo, a libertação do material pelo espiritual. E havia missa para as crianças no domingo e a gente cantava assim:

“Coelhinho da Páscoa
Que trazes pra mim?
Um ovo, dois ovos,
Três ovos assim;
Um ovo, dois ovos,
Três ovos assim.

Coelhinho da Páscoa
Que cores tu tens?
Azul, amarelo,
Vermelho também;
Azul, amarelo,
Vermelho também.”

À tarde havia brincadeira na rua: pau-de-sebo, quebra-pote, corrida de saco, boca-de-forno, pega-pega, cirandas e outras brincadeiras.

Foi num domingo de páscoa que fiz a primeira comunhão. Eu e mais todos os colegas da escola. Na catequese, a professora dizia que a comunhão seria o suprassumo da totalidade cósmica e que seríamos conduzidos pelas mãos do Espírito Santo até a presença de Deus. A hóstia deveria dissolver na boca em silêncio meditativo e que ficaríamos tão leves que seríamos capazes de voar. Criou-se uma expectativa enorme a respeito do sagrado momento da Comunhão que não pensava noutra coisa a não ser na hora de degustar meu passaporte para o Divino. Chegado o dia, chegada a hora, chegada a minha vez, a decepção foi tão grande que aquela foi a minha primeira e única comunhão. Anos depois eu soube que não funcionou em mim porque não havia contado todos os pecados ao santo confessor. Mas aí já era tarde para encarar um padre e confessar que fiz sexo antes de casar.

Atualmente catequese saiu da grade curricular das escolas. Cada um com direito a seu credo, à sua religião, vez que o Brasil é um país laico, cada um com seu direito de adorar a quem bem quiser. Lembro-me da aflição e constrangimento do meu colega Crispim, um filho de uma ialorixá tendo que se submeter aos rituais católicos. E ainda ouvir a professora de Religião dizer - na verdade a professora revivia o papel dos jesuítas - que o Candomblé era coisa do Satanás.

Ou era assim, ou era assado.

Nesta semana pascal fiquei de olhos esbugalhados com as manifestações sobre o tema em epígrafe, tanto em alguns blogs, quanto em sites de relacionamento. Mensagens tais que mais parecem copiados de cartão de boas festas, aqueles enviados no fim do ano. Com a globalização, já inventaram até o texto multifuncional, podendo ser usado em qualquer ocasião. Não acredito na sinceridade retirada do baú das letras em forma de mensagem, feito os aerogramas de natal da nossa briosa Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos nos tempos das diligências. A engabelação em tais mensagens é pura e cristalina. Por isso, para tais escribas, só me resta repetir o célebre pedido de Jota Cristo nos últimos instantes de sua existência como homem:

– Perdoai, ó Pai! Eles não sabem simplesmente dizer: feliz páscoa!