sábado, 14 de maio de 2011

Arraial do Junco, a cidade do medo



Hoje o Brasil ouviu falar do Junco, não pelas ações literárias do seu filho ilustre, o escritor Antonio Torres, mas pela ocorrência policial que ganhou dimensão nacional na mídia devido à ação arrojada e inovadora dos correntistas noturnos do Banco do Brasil, aqueles que usam dinamite em vez de cartão magnético nos caixas eletrônicos.

O arraial do Junco, batizado de Sátiro Dias no início do século passado, é um município com pouco mais de 18 mil habitantes, faz parte da microrregião de Alagoinhas e possui um dos mais baixos IDHs do país. Sua economia é baseada em agricultura de subsistência, comércio local, exploração de eucalipto e petróleo, porém, nos últimos anos se fez conhecer pela gastança do dinheiro público com festas e cachês caríssimos, o que levou o atual prefeito a justificar tais gastos dando uma declaração absurdamente equivocada no seu portal eletrônico: “Se o povo de Salvador pode ter as melhores atrações da axé music, por que o povo de Sátiro Dias também não pode?”

Poder até que pode, seu prefeito, mas esse dinheiro teria melhor serventia se aplicado em obras que trouxesse benefício ao povo, como Educação, Saúde, Infraestrutura e, o xis da questão, Segurança Pública. Além do mais, tais atrações milionárias atraem o povo de fora tal qual formiga em açucareiro e os nativos ficam reféns dos desordeiros e meliantes até os acordes finais, com direito a replay, como foi o caso desta madrugada. 

Acabou-se o sossego. Ninguém dorme mais tranquilo, principalmente os que moram afastados da urbe. E o Junco, que até tempos atrás era apenas uma pacata cidadezinha do interior, continua sendo uma cidadezinha do interior, porém com os grandes males da cidade grande: o tráfico de drogas, o assédio, o assalto e o latrocínio. Quando inauguraram a torre de uma operadora de celular no ano passado, um cidadão investiu o que possuía numa loja de aparelhos. Ao chegar à loja no dia seguinte à inauguração, não havia um aparelho de celular para contar a história. 

Mas o assalto de ontem faz parte de uma crônica do terror anunciado. Enquanto o poder público investe pesado nas bandas de axé e duplas sertanejas, dois minguados agentes policiais tomavam conta da cidade. Aliás, dormiam na delegacia. Não há delegado, não há promotor de Justiça, não há policiamento ostensivo. O lema é: cada um por si e salve-se quem puder.

“Por ser uma noite de sexta-feira havia música ao vivo no Quiosque da Praça e o mesmo estava cheio. Perto da meia-noite pararam dois carros grandes, desceram uns caras armados até os dentes, tomaram o bar de assalto e obrigaram a gente a acompanhá-los até o Banco do Brasil. Foi todo mundo calado, homens, mulheres, crianças, velhos... Chegando ao banco, eles jogaram dinamite na agência e as paredes viraram um monte de entulho. Depois que pegaram o dinheiro, escolheram seis mulheres, colocaram na parte da frente dos carros, três em cada um, e foram para a Delegacia. Chegando lá, metralharam a viatura e obrigaram os dois policias a jogarem as armas fora. Em seguida bateram em retirada e deixaram as reféns um pouco depois da saída da cidade”, relatou uma das personagens que estavam no bar em busca de diversão e se tornaram vítimas da violência. 

Os assaltantes inovaram no modus operandi: em vez de dinamitar os caixas eletrônicos, dinamitaram todo o banco e também destruíram parcialmente a Biblioteca Pública Antonio Torres, administrada pela Prefeitura. Uma das paredes fazia divisória com o banco e a mesma foi pelos ares, juntamente com parte do acervo da biblioteca. 
Pelos ares também foram os correntistas do Banco do Brasil na cidade. Sem dinheiro a circular, o comércio passará sérias dificuldades. E os velhinhos aposentados, como ficam? Mesmo sacando sua minguada aposentadoria no banco local, vez ou outra morria um, vítima dos latrocidas. Agora terão que sair em comboio até Inhambupe, a cidade mais próxima, e no retorno serão vítimas fáceis dos salteadores. 
E os comerciantes? Sem banco onde depositar o movimento diário, serão eles guardiães de seu próprio dinheiro, atraindo para si a cobiça desenfreada dos amigos do alheio.

Apesar de tomar a cidade de assalto à moda cangaceira e tornar a população refém do medo, os cangaceiros modernos só queriam o dinheiro do banco e não causaram nenhum transtorno físico a ninguém, nem mesmo aos policiais. Como diz o dito pop, entre mortos e feridos salvaram-se todos. Mas fica a lição aos moradores, principalmente aos governantes: essa megalomania festeira desacompanhada de investimento na Segurança Pública escancara aos meliantes alhures a fragilidade de uma cidade sem lei e sem rei, embora haja gente com pinta de imperador.



quarta-feira, 11 de maio de 2011

Cineas Santos - Vazando pelo ladrão

A placa do outdoor permanece lá: “Fulana: este outdoor é pequeno para demonstrar o tamanho do meu Amor por você... Sei que errei, mas estou aqui para te pedir desculpas. Te amo! Sicrano”. Não bastasse o fundo vermelho, dois corações entrelaçados ilustram a comovente mensagem. Muito românticos, dirão os românticos. Muito patético, diriam os irreverentes. Quanto a mim, direi apenas: um telefonema ou um e-mail poderiam obter o mesmo resultado por um custo um pouco menor.

Espero que o autor da mensagem não se aborreça comigo. O amor é dele; o dinheiro, também. Ninguém tem nada a ver com isso. Mais estranho é o caso da cidadã enfusada que espalhou placas de outdoor pela cidade inteira com apimentadas declarações de amor feitas por um admirador que nunca existiu. Como em Teresina tudo se sabe, a história vazou e caiu na boca do mundo. Houve um tempo, não muito distante, em que se procurava um escurinho para beijar a (o) namorada (o). Hoje, buscam-se os holofotes, escolhe-se o melhor ângulo ou o enquadramento perfeito e manda ver. Beijar já não basta; é preciso dizer ao mundo que você beija e como beija. Num desses carnavais fora de época, que emporcalham as ruas, um rapaz, esfuziante, jactava-se diante das câmaras: “Bati meu próprio recorde: hoje, beijei 300 garotas!”. Ora, não é preciso ser especialista em nada para saber que quem beija 300 garotas, num curto espaço de tempo, não beijou nenhuma. Na mesma noite, uma garota bem-nascida berrava ao telefone: “Fiquei com seis! Seis!” e ria-se com todos os dentes. Ó tempora! Ó mores! , diriam os antigos.
O problema, segundo um amigo especialista em teses complicadas, “É que já não cabemos em nós mesmos. Estamos vazando pelo ladrão”. Com a autoridade de quem estudou muito, vai adiante: “Outrora, bastava pensar para existir; hoje, é preciso estar na mídia gritando: estou aqui! estou aqui! para que o mundo tome conhecimento da nossa existência”. Falta-me autoridade para contestá-lo. Um exemplo: mesmo sabendo que fotografias nos facebooks podem ser montadas e remontadas ao gosto do freguês, jovens e velhos postam fotografias, todos os dias, sem nenhuma preocupação. A chamada vida privada já não existe nem na dita cuja. Com a proliferação dos celulares com câmaras fotográficas, o seu traseiro pode estar sendo exposto ao mundo enquanto você descome num banheiro qualquer. A vida tornou-se um imenso reality-show. Acrescente-se a isso o twitter, que dá conta até das flatulências que o freguês expele por dia. Os seguidores aplaudem e reproduzem a informação, com a velocidade da luz.

Quando Andy Wharol afirmou que, num futuro próximo, todo mundo teria direito a 15 minutos de glória, certamente não sabia que estava rogando uma praga que atingiria a humanidade inteira. Decididamente, a vida no singular tornou-se impensável. Gostando ou não, estamos condenados trotar com a manada. Mundão pequeno, sô!




segunda-feira, 9 de maio de 2011

Luís Pimentel - Promessas

1.

Prometeu que não faria mais aquilo.

Nem aquilo outros – as mariposas, o conhaque, todos os jogos de azar.

Ela acreditou, até bater na porta da mãe, aos prantos:

– Ele fez de novo.

– Sempre fazem – respondeu a voz da experiência. – Pela décima vez, minha filha, como no samba do Noel.



2.

Prometeu subir de joelhos as escadas da Igreja da Penha, se alcançasse a graça de ver o Oswaldo com um trabalho decente e afastado do vício.

Oswaldo arrumou um batente, na limpeza urbana, e pendurou para sempre o copo.

Ela esqueceu a promessa: tantos degraus, ninguém merece. Depois, o emprego era uma ninharia, e o vício dele – meia dúzia de cervejas, duas ou três cachacinhas – nem tão grande assim.


domingo, 8 de maio de 2011

Mãe, só tem uma


Era mês de maio. Dia das Marias. Dia das Noivas. Dia das mães. O tema da redação para a segunda-feira fazia jus às homenageadas da vez: as mães. Não uma redação qualquer. Obrigatoriamente teria que terminar em “mãe, só tem uma”.

– Claricinha, levante-se e leia sua redação – ordenou a professora, que ainda não era mãe, mas seria quando casasse, assim dizia aos alunos.

Claricinha pegou o caderno, pigarreou, olhou os colegas e começou a leitura:

– Ontem à tarde a minha mãe, meu irmão e eu fomos ao shopping fazer compras e na hora de atravessar a rua o meu irmão se soltou do braço da minha mãe e seguiu na frente, sem perceber que vinha um carro em alta velocidade. A minha mãe não pensou duas vezes: deu um pulo e puxou o meu irmão e por pouco ele não foi atropelado. Ela só fez isso porque mãe, só tem uma.

– Muito bem, Dona Clarice. Agora é a sua vez, Carlos Augusto.

Carlos Augusto se levantou, pegou o caderno e começou a leitura, sem olhar os colegas:

– Ontem de manhã fomos pro sítio do meu avô e o meu primo Artur me chamou pra ir pescar no açude. O sol esquentou e eu resolvi dar um mergulho, mas o açude era fundo e eu comecei a me afogar. O meu primo correu até a casa pra buscar socorro e a minha mãe veio esbaforida, se jogou dentro d’água e me arrastou até a margem. Depois que a gente saiu da água, ela se lembrou de que não sabia nadar e que poderia ter morrido também. Mas ela só fez isso porque mãe, só tem uma.

– Muito bem, Doutor Carlos Augusto. Espero que tenha aprendido a lição. Joãozinho, agora é a sua vez.

Expectativa geral. Joãozinho se levantou devagar, apanhou o caderno, olhou para os colegas valorizando a importância do momento, tomou fôlego e começou: 

– Domingo passado o meu primo Juquinha foi almoçar lá em casa. A minha mãe não gosta muito quando ele vai pra lá não, porque ele é muito buliçoso. E quando a gente terminou de almoçar, a minha mãe me pediu pra pegar duas latas de Coca-Cola que estavam na geladeira. Fui contrariado porque queria tomar a outra Coca-Cola de noite, sozinho. Quando abri a geladeira tomei um susto com o que vi. Então gritei pra minha mãe: “Mããããee! Só tem uma!”