sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A festa literária de Marechal Deodoro - AL



Na segunda Flimar (Festa Literária de Marechal Deodoro) aconteceu de tudo, inclusive nada, como foi a cantada e decantada palestra sobre Arnon de Mello, o pai do nosso grandioso estadista Fernando Collor de Mello, no segundo dia do evento: simplesmente os palestrantes não deram o ar de sua graça, para deleite do público. Melhor para o Coral Em Cantos, do Sinteal (Sindicato dos Trabalhadores de Educação em Alagoas) que pôde se apresentar dentro do horário previsto.


A abertura oficial da festa começou pelo inusitado: atraso de duas horas para se esperar que sua excelência, o prefeito, acabasse de inaugurar uma rua ali perto. Depois, devido ao avançado das horas, o justo cochilo do homenageado, Ledo Ivo, que não resistiu à monotonia da leitura acadêmica do conferencista. O auditório também não resistiu à erudição da fala e o cansaço manifesto dos ouvintes tornou-se em ronco coletivo explícito. 

Os dias subsequentes às palestras foram marcados pelo atraso fenomenal, algumas, em até uma hora. E como não bastasse isso, quando o prefeito queria marcar presença, o atraso se fazia maior, em até duas horas, levando o púbico à exaustão. Infelizmente, nas Alagoas, o provincianismo ainda reina como nos velhos tempos d’el-rey. Queriam até esvaziar o auditório para que se reservassem lugares a algumas eminências pardas do judiciário alagoano no show do ícone da poesia matuta Jessier Quirino. Como ia pegar mal porque a imprensa estava a postos, desistiram da ideia arrogante típica dos senhores de engenho, porém o público teve que esperar mais de uma hora pela presença do Sr. Prefeito. Não foi à toa que o filme “O Bem Amado” foi rodado nessa cidade. Sentimo-nos uns autênticos sucupiranos.

Tão sucupiranos que houve autor pernambucano lamentando não ter seu único livro dramatizado por um ator famoso. “Fiquei decepcionado quando vi que era um atorzinho pedindo pra dramatizar meu livro, e não um ator famoso”, disse o palestrante, esquecido de que um dramaturgo famoso não beberia da fonte da ralé insolente. 

Por outro lado, Jessier Quirino foi de um profissionalismo exemplar. Além de ter que esperar pacientemente pela presença do prefeito, faltou energia elétrica na hora de sua apresentação. Terminou o seu show à luz de candeeiro, sem reclamar ou demonstrar arrogância. 

Excelente a mediação de Maurício Melo Júnior, fazendo intervenções precisas e colocações inteligentes. Habituado a entrevistar personalidades literárias no seu programa “Leituras”, da TV Senado, sentiu-se entre amigos nas mesas que mediou.

A frustração maior ficou por conta dos fãs da Marina Colassanti. Apesar de o seu nome constar na programação oficial fazendo dobradinha com o marido, ela não deu o ar de sua graça e a plateia teve que se contentar em ouvir Afonso Romano em monofonia. Marina fora falar para o povo estrangeiro, segundo disse seu marido.

A cidade de Marechal Deodoro fica a menos de quarenta quilômetros de Maceió e foi a primeira capital das Alagoas nos tempos em que se chamava de Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul. Com um pouco mais de 45 mil habitantes e de considerável fluxo turístico, é uma cidade sem nenhuma infraestrutura hoteleira, escasso serviço de transporte e ausência de um boteco onde se possa ao menos se matar a fome com um churrasquinho de gato. Por causa disso, a tão badalada festa literária fica a desejar nos serviços periféricos, e os autores e o público participante são obrigados a se deslocar até a praia do Francês para se alimentar e dormir. Mas, se passar das dez horas da noite, tem que escolher um banco da praça para pernoitar, pois não há transporte funcionando depois desse horário. A cidade ainda vive nos tempos da diligência.



Apesar de a festa ter sido ímpar nas atrações, o público local não prestigiou, talvez intimidado com a presença de tantas estrelas da literatura brasileira e até mesmo internacional, o que não justifica a total ausência das outras secretarias do município, principalmente a da Educação. O prefeito só apareceu para discursar e no show de Jessier Quirino. A Universidade Federal de Alagoas, que no próximo mês organiza a 5ª Bienal do Livro, e a classe autoral alagoana, afora os envolvidos no evento ou algumas raras exceções, lá não pisaram os pés ou se fizeram representar, sabe lá Deus os motivos. É certo que há momentos que a vaidade fala mais alto e o ego grita lá dentro:

– Eu só me basto! 

ABERTURA E PALESTRAS




OS BASTIDORES DA 2ª FLIMAR

NO "RESTAURANTE" DE D. EDNA:


CAUSOS DO ALMOÇO:

– Alô, é seu Afonso Romano?
– É sim.
– Aqui é o motorista. Vim pegar o senhor.
– Ledo Ivo vai conosco?
– Não conheço nenhum Ledo Ivo. Tenho ordens de levar apenas o senhor e dona Mariza.
– Marina, você quer dizer, né?
– Não sei. Sou só o motorista.
– Então me dê um tempo pra me arrumar.
– Como assim?! O senhor ainda não está pronto?! Vê se não demora!

Afonso Romano se aprontou às pressas pensando na falta de profissionalismo do motorista. Diria algumas verdades aos organizadores da festa. Ao chegar no saguão do hotel descobriu que tudo não passara de um trote do Ignácio de Loyola, que o aguardava no carro.


Domingo de manhã, Ignácio de Loyola, Antonio Torres, Luís Pimentel e Sérgio Sá foram conhecer o Mirante da Sereia. Tempo suficiente para tomarem uma cerveja enquanto refreavam a vontade de cair na água represada, quase uma piscina. Na saída, Ignácio deu uma gorjeta generosa ao menino guardador de automóvel. O guri, acostumado a só receber moedas ou muito obrigado, ou nem isso, ergueu as mãos para o céu e exclamou extasiado:
– Muito obrigado, Santo Ignácio de Loyola!
– Ô, garoto, você conhece o Ignácio? – perguntei.
– Claro que conheço! Minha mãe toda noite manda a gente rezar pra ele.

PIMENTEL EM MACEIÓ


O JANTAR NO FRANCÊS

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Cineas Santos - As descobertas do outro Colombo

De Colombo

Aos 12 anos de idade, na cidade de Sobral (CE), o garoto Francisco Diogo da Silva, por influência da mãe, decidiu tornar-se músico. O único instrumento disponível na casa era um banjo. Sem outra opção, fez-se banjoísta. Aos 14, trocou o banjo pela manola, “uma espécie de cavaquinho italiano”. Em curto espaço de tempo, passou a acompanhar os sanfoneiros de sua terra pelos sertões do Ceará. “Por medo de ser convocado para a guerra, casei-me aos 16 anos; aos 17, já era pai. Aí, tive de largar os estudos e cair na noite para sustentar a família”, afirma sorrindo o mestre Colombo, um dos músicos mais completos que já vi. Antes que me perguntem onde o velho instrumentista entra nessa história, concedo-lhe a palavra: “Quando fui servir o exército, eu já era guitarrista e usava uma cabeleira de roqueiro. Foi aí que o sargento me viu e gritou: ‘Tu aí, com cara de Cristóvão Colombo, como é o teu nome?’ A partir daquele momento, passei a me chamar Colombo. Hoje, já nem me lembro se um dia fui Francisco”. Coisas da vida.

Em 1958, Colombo veio a Teresina pela primeira vez e se fez amigo da fina flor da boemia teresinense: Totó Barbosa, Ângelo Campelo, Paulo Vieira e Clemílton Silva, entre outros. No início dos anos 60, já era um dos músicos mais requisitados de Fortaleza. Não por acaso, integrava o conjunto do saxofonista Ivanildo do Sax. Em 65, mudou-se de mala e cuia para Teresina, contratado pelo proprietário da Boite Coelho. Na companhia de Barbosa, Orion, Toinho e outras feras, integrou o conjunto Barbosa Show Bossa, a banda que tocava para os bem-nascidos nas “tertúlias” do Clube dos Diários. Depois, participou do conjunto Sambrasa, um dos grupos mais famosos de Teresina. Nesse ínterim, foi contratado para tocar surdo na Banda 16 de Agosto, da Prefeitura de Teresina. Um dia, o maestro reclamou a ausência de um trompista para dar harmonia à banda. Colombo não se fez de rogado: pegou uma trompa velha e, seis meses depois, o problema estava resolvido. Sua trajetória tem sido assim: toca o instrumento que lhe cai às mãos. No grupo Trombone & Cia, por exemplo, passou a tocar bandolim como se nunca tivesse feito outra coisa na vida. O que mais impressiona nesse multiinstrumentista é a simplicidade. Colombo não se exibe para a plateia; põe sua competência a serviço da música.

Em duas oportunidades, tive a satisfação de homenageá-lo. A última delas, no dia 19 do mês em curso, na Oficina da Palavra. Com a participação de um punhado de músicos da melhor qualidade (José Willians, Josué Costa, Janete, Rosinha Amorim, Enaldo, Aílton, entre outros), fizemos um show memorável. Colombo, cuja idade não revela, comportou-se como um menino arteiro na comemoração do próprio aniversário: tocou e divertiu-se como nunca. Se me pedissem uma síntese da trajetória de Colombo, eu diria: um cidadão que dedicou a vida inteira a produzir beleza. Convenhamos que não é pouco.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

QUE LÍNGUA NÓS FALAMOS?

No golpe de Estado aplicado aos portugueses pelo Primeiro-ministro Antonio Oliveira Salazar, em 1933, os paraquedistas da Força Aérea Portuguesa, quando se jogavam no vazio, em vez de contar até dez para abrir os paraquedas, eram obrigados a gritar: “Viva Salazar!” e depois puxar a cordinha. O treinamento seguia seu curso normal quando um deles desceu em queda livre e se estatelou no chão, voando pedaços do corpo para todos os lados. Houve uma correria geral para ver quem era o infeliz. Alguém o identificou:

– Coitado, era o soldado Gaguinho!

Nos negros anos em que a Ditadura brasileira promovia uma intensa caça aos intelectuais de esquerda, ou que assim presumisse, o escritor Antonio Torres se exilou voluntariamente em Portugal nos estertores do salazarismo. As colônias portuguesas viviam em ebulição de independência e a opinião pública internacional, traduzida pela ONU, condenava Salazar por manter políticas colonizadoras aos moldes da idade medieval. Em 1968 Salazar teve um derrame e foi substituído por Marcelo Caetano, destituído do poder em abril de 1974 por forte pressão popular conhecida como “A Revolução dos Cravos”.

Jornalista e publicitário, Antonio Torres aproveitou a onda histórica para escrever sobre o salazarismo e assim nasceu o seu livro “Os Homens dos Pés Redondos” que teve um grande sucesso editorial e boa repercussão entre os críticos, que viam nele um grande escritor pós-moderno, abalizado pelo best-seller “Um Cão Uivando Para a Lua”, lançado anteriormente. Por ocasião do lançamento do livro, em Salvador, eu quis saber o porquê dos “pés redondos”:

–  O salazarismo era um regime que andava em círculo, não indo a lugar nenhum, por isso “os pés redondos”.
– Só se for lá em Portugal – disse-lhe eu – porque, aqui, quem tem os pés redondos são os burros.  

Ele caiu em si. Em Portugal não era ofensa, mas aqui podia ser. Porém não havia mais jeito de refazer o título.

Que língua nós falamos, afinal? Quando chego à Bahia, minha terra natal, preciso de um intérprete para entender o meu povo. Certa vez estava na sacada do apartamento da minha irmã conversando com o meu sobrinho adolescente, passou um rapazola na rua e os dois entabularam conversa: “E aí, porra, como é que foi a porra?”, perguntou o meu sobrinho. O amigo respondeu: “A porra foi da porra, porra!” Não me contive e soltei uma sonora “porra” de estupefação.

O meu cunhado, dentro de casa, desistiu de satisfazer o desejo de minha irmã sob o claro e lógico argumento de que “a coisa não coisa, se ele não coisar, como ele não podia coisar naquele momento, a coisa não coisa”. 

E tudo que a minha irmã queria era colocar um quadro na parede.

Pois bem, vocês acham que Guimarães Rosas tem uma linguagem complicada, né? Então vejam se entendem o cotidiano do linguajar baiano:

“Vamos bater uma caixa que hoje vou arriar o balaio e bater coxa sem cerca-lourenço. Se assunte que estou azuretado e badogueira comigo é caixão e vela, meu rei, mesmo tendo o balaio grande, corpo cevado e fatiotada feito penteadeira de puta. Não vou ficar cozinhando o galo em banho-maria com minha moral de jegue, pois tenho que paletar para a casa da porra para pegar um buzú. Se cair um cacau, no caminho, paro num cacete armado para não molhar meu roscófi nem meu arromba-peito; aproveito para comer água bruta, ceva com folha podre, acompanhado de chupa-molho de currute, como se tivesse solto na buraqueira, mesmo sem uma banda de conto para sustar a dolorosa, e se aparecer algum tirado a porreta tirando filipeta, dou uma dura, mando o sacrista se campar e toco o meu bonde pra lapinha, malmente descambixado e descalqueado, para encher o talo em outra visgueira, onde ninguém possa jogar as cajás pra cima de muá e eu possa comer rama até chamar Jesus de Genésio e cachorro de cacho. É taca, meu branco!” (tradução do baianês no rodapé)

Saio da Bahia diretamente para Maceió, capital das Alagoas. Um locutor esportivo conversa com o repórter de pista sobre uma confusão em campo. O repórter esclarece os ouvintes, empolgado, dizendo que “está havendo o maior “cu-de-boi” na área do CRB”. O locutor chamou a atenção do repórter para o palavreado empregado:

–  Olha o Português, Genésio!
– O Português vai entrar no lugar de quem, Val Rodrigues? – perguntou o repórter.

Há certas regiões do Brasil em que a gente pensa estar em outro país, de tão difícil que é a compreensão da linguagem oral, cuja corruptela causa verdadeiro estrago na chamada Língua Culta, para desespero e cólera dos puristas gramaticais, que querem que 170 milhões de habitantes falem a Última Flor do Lácio como se vivessem em Coimbra, sem considerar suas raízes étnicas, culturais, sociais e econômicas. Há gente “inocente” que pensa que a língua que se fala no Oiapoque é a mesma falada no Chuí, embora as duas regiões estejam regidas pela mesma Gramática.

E a Figura de Linguagem, inventada para dizer as palavras diferente da sua construção sintática, que povoa e enriquece a  nossa Língua, sendo que, no interior do Brasil o povo usa e abusa de suas expressões, para gáudio dos defensores de um país livre do julgo linguístico de Portugal.

Dois matutos conversavam extasiados com a beleza de uma igreja. Um deles exclamou:

– Que igreja linda dos infernos!
– Quer ver o diabo? entre nela!      

 “O defeito está na vista” é uma antífrase para ressaltar a beleza de algo, nunca para indicar males ou defeitos ópticos. E foi baseado nessa figura de linguagem que José de Caturina comprou o alazão do seu compadre João das Mulas, negociante de cavalos, jegues e... mulas. Ao analisar o animal como qualquer comprador de cavalos faz, o seu compadre lhe disse que o defeito estava na vista. Realmente se tratava de um cavalo muito bonito e faceiro, com cara de trotador. Sem pestanejar, selou negócio e cavalo e no outro dia estava de volta, puxando o cavalo pelo cabresto, cara enfurecida, querendo desfazer a compra, alegando que fora enganado pelo compadre que lhe vendeu um cavalo cego de um olho.

– Não vou devolver seu dinheiro não! – esbravejou João das Mulas – Eu lhe avisei que o defeito estava na vista e você levou assim mesmo! Você não comprou enganado, portanto, não aceito devolução!
           
Quem gosta de ouvir as músicas de Elomar sabe que no encarte dos seus discos acompanha um glossário. Sem ele, algumas letras são incompreensíveis.

Nossos linguistas e gramáticos estão com razão quando brigam por desvincular nosso idioma do de Portugal. Não tem nada a ver. Persistir na teimosia de que ainda somos colônia d’além-mar, é como dar um paraquedas a um gago e mandar pular gritando vivas a El-rey.

Tradução do baianês: “Vamos conversar que hoje vou abrir o jogo e falar sem rodeios. Preste atenção que estou zangado e mulher feia comigo é assunto passado, meu amigo, mesmo tendo a bunda grande, corpo gordo, bem vestida e enfeitada. Não vou ficar enrolando com falsa moral, pois tenho que andar para longe para pegar um ônibus. Se chover, no caminho, paro num boteco para não molhar meu relógio nem meu cigarro; aproveito para beber uma cerveja com cachaça, acompanhado de guisado de costela de boi meio cru, como se não tivesse compromisso, mesmo sem dinheiro para pagar a conta, e se aparecer algum metido tirado a engraçadinho, corto conversa, mando o malandro pra porra e sigo em frente, desanimado e sem planos, para encher a cara de cachaça em outro bar, onde ninguém possa botar pra quebrar em cima de mim e eu possa beber até me embebedar. É fogo, meu amigo!”