sábado, 15 de outubro de 2011

Cineas Santos - Sinal fechado

Avenida Maranhão ao meio-dia: sol de cozinhar o quengo. O trânsito lerdo como uma lesma estropiada. Para evitar a tentação de repetir “Um dia de fúria”, liguei o som e fiquei ouvindo Joe Henderson redesenhando, no sax, as melodias sofisticadas de Tom Jobim. De repente, fecha-se o semáforo. Ao meu lado, para um automóvel com uma jovem senhora à direção. Com se já me conhecesse desde a eternidade, esboça um sorriso e dispara: “Vi o senhor e fiquei me perguntando: como pode um homem com tamanha inteligência continuar pobre?”. Antes de engendrar uma resposta qualquer, pensei: meu Deus, minha pobreza tornou-se acintosa, já é visível a distância. A cidadã continuou: “Em nosso país, inteligência não tem valor nenhum. Veja esses jogadores de futebol, esses cantores bregas, todos milionários, e um homem como o senhor, com a sua competência, pobre, pobre...” O sinal abriu e a cidadã se foi, queixando-se da minha incômoda pobreza. Lembrei-me de uma velha canção na voz nasalada do Miltinho: “Cara de palhaço/pinta de palhaço/roupa de palhaço/Foi o que arranjei pra mim”. É fato: tenho cara de pobre.

Acho que minha pobreza sempre foi visível, eu é que não me dava conta disso. Certa feita, atendendo a convite de uma empresária emergente, entrei numa loja chique onde se vendiam artigos de luxo. Eufórica, a proprietária me mostrava cada detalhe da decoração como um guia turístico mostra os afrescos da Capela Cistina a turistas de primeira viagem. Numa das seções, uma placa anunciava: “À vista: 20% de desconto.” “À prazo: em 4X sem juros”. Na saída, a cidadã me perguntou: “Gostou, professor?”. Respondi: Sim, minha senhora, e mais gostara não fosse o acento indicador da crase antes da palavra prazo... A empresária não se fez de rogada: “O senhor é pobre mesmo, professor! Entra numa loja de primeiro mundo e fica procurando erro de crase!”. Repeti a máxima do filósofo Edison do Ministério de Nossa Senhora: “Cada um para o que nasce”. E mais não disse.

Quando a cidadã do automóvel se foi, pensei comigo: não estaria aquela jovem senhora projetando em mim suas queixas e ressentimentos? Até onde me lembro, nunca deleguei a ninguém o direito de queixar-se ou indignar-se em meu nome. Sou pobre desde sempre e não faço disto pretexto para odiar os ricos do mundo. Está escrito: “Pobres, sempre os tereis convosco” (João 12, 1-11).

Em outra oportunidade, eu teria dito: minha senhora, para quem nasceu no sertão do Caracol onde não havia água nem livros, até que fiz boa colheita. Hoje, se o desejasse, poderia afogar-me com a água de que disponho. Quanto aos livros que tenho, precisaria de pelo menos três reencarnações para lê-los. Não persegui a fortuna, não atropelei ninguém, não vendi a alma ao diabo, não tenho sido pesado a ninguém. Ao longo da vida, conquistei a estima de alguns e o respeito de muitos. Para um homem do meu tope, basta.


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Antonio Cândido fala sobre os 75 anos de "Angústia"

Caros leitores:

Enquanto me refaço da viagem, vejam essa belíssima entrevista do grande crítico literário Antonio Cândido no programa Entrelinhas e seu depoimento no simpósio Graciliano Ramos.