sábado, 24 de dezembro de 2011

Edna Lopes - Dos Natais idos e vividos

De Edna Lopes

Natal é todo dia. Basta abrir-se ao outro e à estrela que, acima das mazelas deste mundo, acende a esperança de um futuro melhor. Frei Beto


Era a abertura oficial do Natal da cidade e o Sinteal Em Cantos juntamente com a Camerata Instrumental e as representações de mais sete coros regidos pelo Maestro Gustavo Campos Lima com quase cem coralistas, ocupavam o palco da praça multieventos. Meu olhar buscou a platéia e vi crianças correndo e seus pais atentos, preocupados em acompanhá-los. Lembrei dos natais de minha infância e da linda lapinha da igreja que tanto me encantava e que seria capaz de ficar horas olhando aquela cena que traduzia a simplicidade e a beleza do nascimento de Jesus. Pena que a modernidade tenha subsumido a tradição das lapinhas!

Enquanto entoávamos cânticos tradicionais do Natal, lembrei também do tempo que subia ao palco para dançar o pastoril, dança tradicional das festas natalinas em que se canta e dança em homenagem ao Deus Menino. Por anos fui a borboleta e, de roupinha verde, de asas e antenas prateadas, era uma alegria participar daqueles momentos.O Natal tinha a pureza e a singeleza daqueles cantos que pareciam hinos celestiais.

Morando desde adolescente numa cidade, minha alma de menina da roça sempre se incomodou com esse Natal puramente comercial, vendido a qualquer preço e em qualquer lugar. Lamento porém que, em especial as crianças, vivenciem apenas esse Natal superficial. A cobrança, quase exigência, do presente, a ida tumultuada ao comércio, aos shoppings, lição do consumo desenfreado incentivada pela mídia e absorvida em sua maioria por pais e avós.

Na contramão desse pensamento consumista, graças a Deus, mesmo quando nos nossos Natais só havia motivo para chorar minha família jamais deixou de se reunir para agradecer e celebrar a alegria de sermos uma família.Esse Natal sempre me bastou!

Também este ano, desde o início de dezembro o Sinteal Em Cantos tem cumprido uma agenda de apresentações para saudar o Natal e louvar o Deus Menino em diversos espaços e tenho feito um esforço enorme para cumprir parte dela, mas nem sempre os compromissos de trabalho permitem. Além da atividade que já citei, destaco duas em especial que foi a celebração para as crianças da comunidade do entorno da sede do sindicato e uma apresentação numa casa de saúde e hospital psiquiátrico. Ver aquelas pessoas tão carentes de respeito e dignidade, ver a emoção dos familiares lado a lado, cantando conosco me emocionou demais e agradeci pelo presente que foi participar de momentos assim.

Nesse período em que tantos aproveitam para refletir qual o seu papel na construção de um mundo mais justo quero afirmar meu compromisso com a vida, com o bom e com o belo que essa mesma vida produz e se algum dia tiver que traduzir o espírito desse natal direi que é o natal do agradecimento, da alegria pelas pequenas coisas, da doação.

Em retribuição por tanta alegria, por tantas bênçãos recebidas quero muito agradecer pelo dom da vida, pela saúde e felicidade de todos e de cada um dos meus afetos mais caros. Nestas singelas trovas repetidas por violeiros e trovadores em tantos lugares, meu abraço especial e meu desejo sincero de que sempre tenhamos muito mel para doar! Boas Festas, FELIZ NATAL!


"A defesa é natural;
Cada qual para o que nasce;
Cada qual com a sua classe;
Seus estilos de agradar.

Um nasce para trabalhar;
Outro nasce para brigar;
Outro vive de intrigar;
E outro de negociar.

Outro vive de enganar;
O mundo só presta assim;
É um bom, outro ruim;
E eu não tenho jeito para dar.

Para acabar de completar;
Quem tem o mel, dá o mel;
Quem tem o fel, dá o fel;
Quem nada tem, nada dá."

Boas festas a todos e a cada um que, tão generosamente,
dedicou minutos de suas preciosas vidas a ler o que escrevo.
Que o amor e a esperança transbordem em cada coração!
Obrigada! Edna Lopes

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Cineas Santos - Insólita visita

Parafraseando Fernando Pessoa, sem querer saber de mim, a manhã seguia seu curso. Eis que, sem aviso prévio, adentram meu escritório duas figuras, em quase tudo, distintas: Ogier da Silva e Kenard Kruel. Em comum, os dois têm apenas os nomes exóticos e os sonhos imensuráveis. Impossível não associá-los à dupla mais famosa da literatura ocidental: Dom Quixote e Sancho Pança. Pequeno, magro, encurvado, Ogier parece transportar nos ombros o peso de um sonho maior que suas forças. Imenso, rotundo, transbordante, Kenard grita ao mundo: Não se preocupe, cheguei!

De Ogier, eu sabia apenas tratar-se de “um visionário” que, há mais de 30 anos, tenta construir um castelo medieval no meio do nada. De Kenard, sei quase tudo. Sei, por exemplo, que ele e o ex-governador Alberto Silva não podiam dormir no mesmo horário: a noite não comportaria os sonhos dos dois. Como sofre de apneia do sono, Kenard Kruel não dorme nunca; sonha de olhos abertos, em tempo integral. Dublê de jornalista, advogado, editor e produtor cultural, ultimamente, vem editando livros imensos sobre os notáveis do Piauí.

O certo é que, na manhã de segunda-feira, dia 12, Kenard e Ogier resolveram passar na Oficina da Palavra para tomar um cafezinho. Os dois vinham de uma exaustiva peregrinação por gabinetes de políticos, redações de jornais, escritórios de empresários. O solitário construtor parecia cansado, meio abatido; o frenético editor estava aceso. Antes de qualquer conversa, sacou da algibeira a “boneca” de mais um livro no qual narra as aventuras de Ogier Silva. Umas 300 páginas, no mínimo.

Ogier vive como um ermitão em seu castelo inacabado no município de Altos. Aos 67 anos de idade (aparenta bem mais), sobrevive com o que recebe de sua magra aposentadoria. Segundo seus cálculos, já enterrou uns 700 mil reais no castelo que pretendia inaugurar em 2014. O problema é que, com a assessoria do Kenard, o castelo passou a ser apenas parte de um projeto muito mais ambicioso: a construção de uma cidade medieval na qual todos os moradores efetivamente vivam como aldeões, trajando roupas e usando ferramentas da Idade Média. Para o próximo ano, já está idealizando um torneio de arco, flecha e besta (bésta, irmãos). Antes disso, pretende inaugurar, o mais breve possível, uma taverna onde serão servidos pratos exóticos (javali, caititu, faisão) e bebidas fortes, destiladas.

Nesse ínterim, apareceu o escultor Carlos Martins que adora construir esculturas monumentais. Em poucos minutos, os três discutiam animadamente a construção de um dinossauro com mais de 30 metros de comprimento no meio de um lago artificial. Contagiado pela empolgação do trio, resolvi participar da viagem: dei palpites, apresentei sugestões. Por sorte ou azar, as contas vencidas me obrigaram a aterrissar. Não fosse por isso, eu já estaria integrando a trupe dos três mosqueteiros que, como se sabe, eram quatro. Fui salvo pelas contas!


domingo, 18 de dezembro de 2011

Edna Lopes - Cenas de Cinema - Conto em Gotas de Luís Pimentel

De Cenas de Cinema Luís Pimentel

Para quem gosta de contar boas histórias, qualquer motivo é pretexto para contá-las, desde as tiradas de um filósofo de botequim, imagens de meninos que vendem sonhos, impressões de homens comuns que encontram vida no sexo de quem o vende barato, juras ao luar de casais de namorados e até lembranças de infância que jamais nos abandonam.
Para quem sabe contar boas histórias, um olhar, um objeto, um personagem, uma vida, uma cena qualquer a qualquer hora e em qualquer lugar se transforma em arte. E quem há de negar que é pura arte a vida, o sonho, as nossas melhores lembranças de infâncias, nossa visão de mundo?

Para quem gosta de ler e/ou ouvir boas histórias o livrinho (no tamanho) Cenas de Cinema – Conto em Gotas do baiano mais carioca do planeta Brasil, Luís Pimentel, é um livrão (na envergadura) recheado de vários tipos encantadores, em estado de desespero, no melhor da falta de sorte de quem precisa ler um horóscopo ou na pureza das várias histórias de meninos.

Para quem gosta de boas histórias vai gostar muito desse livrinho livrão. As cenas são de vida, mas são também da arte que imita a vida, que imita a arte. Cenas que caberiam num filme, mas são das pequenas grandes tragédias humanas que só um olhar sensível e amorosamente humano, pode captar e traduzir em gotas de bom humor, de esperança, de inconformismo com algumas cenas que somos obrigados a presenciar, viver.

Para quem gosta de escrever, contar, ler, ouvir histórias e ainda esteja no Rio de Janeiro, esse amigo querido lança o seu livrinho livrão cheio de encantadoras histórias no dia 20/12/2011, das 19 ÀS 22h na Livraria do Museu da República, Rua do Catete, 153, Rio de Janeiro.

Para quem gosta de contar, ler e ouvir boas histórias como eu e a turma aqui de casa, o livrinho livrão do querido amigo Luis Pimentel foi/é um lindo presente de Natal que recomendo. Deixo aqui uma das gotas do olhar sensível do autor.

ESQUECIMENTO


Debaixo do chuveiro, a água morna quase quente deslizando pelo corpo coberto de sabão, os olhos vermelhos quase brasa, ela esperava espantar naquele banho todas as manchas que os golpes, as baforadas e o suor dos músculos dele deixaram em suas veias.

Então começou pelos cabelos, disputados, o pescoço recheado de cinza e hematomas, o ventre murcho e exaustivamente palmeado, o sexo ávido, as mãos em concha sobre o sexo em sede, a esponja engordurada de xampu, as lâminas do creme rasgando o sexo, a saudade, a lembrança, a gosma e o sexo em fogo, a herança do sexo agora limpo e novamente sedado, condenado ao esquecimento.

Ao desligar o chuveiro, já tinha em mente o plano quase morte: ligar para ele novamente.

PIMENTEL, Luís. Cenas de Cinema – Conto em gotas, pág. 22 e 23


Sobre o autor

Baiano do sertão de Itiúba, onde nasceu em 1953, Pimentel chegou ao Rio para estudar teatro e acabou se tornando jornalista e escritor. Como jornalista, trabalhou no Pasquim (1976/77), Pasquim21 (2002), na edição brasileira da revista americana de humor MAD, na Rio-Gráfica e Editora e no jornal Última Hora. Foi articulista do jornal carioca O Dia e colunista do virtual Jornal de Copacabana, entre outras colaborações. Com várias dezenas de livros publicados, entre infantis, de humor (Entre Sem Bater: o Humor na Imprensa Brasileira), biografias (Wilson Batista, Luiz Gonzaga), contos (Contos para Ler Ouvindo Música), poesia e ficção, Pimentel coleciona prêmios literários. Entre eles, o Prêmio Cruz e Sousa, por Grande Homem Mais ou Menos, e o Prêmio Jorge de Lima, com as poesias de As Miudezas da Velha. Pimentel também escreveu roteiros para programas humorísticos de TV, como Escolinha do Professor Raymundo e Zorra Total. Seu mais recente trabalho na área editorial é a coordenação da edição de Paixão e Ficção – Contos e Causos de Futebol, do qual participa ainda com um dos textos, ao lado de Aldir Blanc, Armando Nogueira, Mário Filho, Renato Maurício Prado e Zico. No livro Zico, conta como foi o dia em que Ronaldo teve uma convulsão, na Copa da França. A produção tão profícua do escritor não supera em dedicação o amante da MPB. Razão pela qual ele mantém no ar, com dificuldades, mas com vontade, a revista Música Brasileira.



.