quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Parem o mundo que eu quero descer!


No Bom Dia Alagoas de hoje a eminente secretária da Cultura da Capital da Província (assim ela se diz, apesar de ser uma fundação) falou uma barbaridade que fez corar o mais vil escroto que acaso estivesse vendo o noticiário matutino. Em reportagem sobre o miserê que vive o folclórico bumba-meu-boi alagoano, que tem apresentação oficial no carnaval de Maceió, ela simplesmente apertou a tecla do "dane-se" ao misturar cinismo e desdém para justificar a falta de apoio oficial aos grupos culturais da terrinha. Disse, com todos os efes e erres, que a Cultura é feita pelas comunidades, então elas, as comunidades, é que devem se virar. Eu poderia simplesmente usar a palavra “sic”, mas não revelaria a minha real indignação com esse absurdo dito por quem deveria ser guardiã da Cultura local.

Enquanto falta dinheiro para se financiar os grupos e pontos culturais, os amiguinhos do poder conseguem tirar leite da pedra chamada Fundação Cultural de Maceió, a que dá guarida a esta “secretária”. A Fundação, que deveria cuidar da Cultura com competência e zelo, cuida mesmo é de financiar projetos de interesse particular, como é o caso das belíssimas edições de livros e discos lançados na praça com o selo desta instituição pública. Livros de poesias em edição de luxo, impresso em papel fotográfico; cds com qualidade indiscutível, apesar do conteúdo duvidoso.

Mas desrespeitar valores culturais em Maceió tem sido a regra, naturalizando o “é assim em todo canto e lugar”. No São João, a Prefeitura gasta absurdos com bandas midiáticas para satisfazer o ego de alguns e, no entanto, destina migalhas aos artistas da terra num evento tradicional que mobiliza toda a população local. E ainda acham que se faz muito.

Em relação ao estado, também não é diferente. Quando deram a Fundação Teatro Deodoro para a musa do impeachment usar como casinha de boneca, ela promoveu uma noite do folclore no Teatro Deodoro e deixou de fora, literalmente, um dos maiores folcloristas brasileiro e de Alagoas: o Mestre Pedro Teixeira.

O que não falta é verba pública para se gastar com os apaniguados ou amigos dos amigos do poder. Os secretários de Cultura que vêm ou que vão parecem só entender mesmo de apadrinhamento ou política partidária. Já houve secretário de Cultura em Alagoas que disse só entender de cultura do fumo. E tome fumo no lombo do povo que luta para não deixar morrer nossos valores culturais, como é o caso, hoje, do bumba-meu-boi. Enquanto a Prefeitura de Maceió gastou os tubos na promoção de um baile municipal na semana passada, hoje foi decretado o fim do bumba-meu-boi “Paraná”, o mais tradicional de Alagoas, por falta de míseros dois mil reais.

Enquanto isso, a Prefeitura torra dinheiro do contribuinte com uma fundação com status de secretaria para manter gente que pensa que ópera-bufa é o mesmo que flatulência intestinal.



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Geraldo Borges - Cineas Santos, rascunho para uma biografia

De Cineas Santos


Todos os sábados eu fazia uma visita à livraria do Nobre. Ali conheci o Cineas Santos.  A fauna de seus freqüentadores era variada e compunha–se de intelectuais, alguns mais assíduos, outros mais temporãos. Entre os assíduos podemos destacar o Lucimar Ochoa, já falecido, Eulino Martins, poeta, ex-combatente da FEB, também falecido, o professor Didácio, professor especialmente de cursinhos, também não mais está entre nós, o Pedro Celestino, idem. Todos eles viraram personagens de ficção. Pois “ Todas as pessoas mortas que conseguem  mesmo continuar existindo na memória  dos outros, tendem a se tornar fictícias... “ E o O. G. Rego de Carvalho, esse, ainda está em nosso meio, Pompílio Santos,  jornalista,  poeta, nunca mais tive noticias dele.

 Quase todos fumavam. A começar pelo vigia, como se chamava Nobre, o dono da livraria. Os únicos que não fumavam eram o OG e o Cineas Santos. Ainda hoje me lembro do cinzeiro do Nobre cheio de tocos de cigarro. De hora em hora ele esvaziava–o.  Mesmo com a fumaça o ambiente era agradável, com muita conversa sobre livros e autores, acompanhada sempre de um bom café. Ainda hoje tenho em minha biblioteca livros comprados em sua livraria. Parece que estou esquecendo o Cineas Santos. Não. Não esqueci.

 Cineas Santos chegava lá, conversava um pouco, e logo ia embora. Às vezes nem sentava. Isso no começo. Depois foi se acostumando e demorava mais. Lembro-me de quando já estávamos mais enturmados fizemos um torneio de versos, uma espécie de embolada.  Cada sábado um trazia a resposta do outro, e declamava para os visitantes da livraria fazer o julgamento.  Nessa brincadeira o Cineas Santos terminou levando a melhor. Ganhou. Sempre foi um grande leitor de romance de cordel.

Cineas Santos chegou em Teresina em 1965, desembarcou vindo de Caracol, sua aldeia natal, na praça Saraiva, a antiga praça Saraiva, que servia de estação rodoviária, e tinha o famoso bar Tetéu,   que não fechava as portas durante toda a noite. Da praça, Cineas Santos partiu para a Casa do Estudante.

 Já em 69 como ele próprio diz: “...já estava metido em um grupo de teatro amador, mambembando pelo interior do Piauí e do Maranhão. À época cheguei a escrever uma peça pretensiosa e ordinária, denominada Uma noite entre os miseráveis. Não podendo encená-la em Teresina (a censura não o permitiria), montamos a peça em Bacabal, com direito a um jantar decente depois da apresentação.”

Formou-se em Direito, e, como muitos outros, desviou-se dessa profissão como o diabo foge da cruz. Escolheu ser professor. E tem dado uma grande contribuição ao magistério piauiense. Mas a sua contribuição maior é no campo da cultura literária. Fundou jornais e revistas, montou livrarias, participou de suplementos literários, editou quase todos os escritores piauienses de expressão, fez palestras. É, sem sombra de dúvida, um marco na literatura piauiense, sempre animou os novos a prosseguir na luta com a palavra.

Teve a coragem de fundar a Oficina da Palavra, um espaço cultural aberto ao povo piauiense, uma franquia para quem quiser se expressar, o espaço contem uma biblioteca, um teatro, salas para estudo, fica na Rua Benjamim Constant,  descendo para o Liceu, depois da antiga residência do professor Pantaleão, celebrado professor de matemática do tempo da minha juventude. Não posso me esquecer também que a Oficina da Palavra é palco do já famoso Sarau literário.

 Cineas Santos é aquele cara que veio do interior - justamente quando Teresina estava começando uma nova perspectiva de urbanização e desenvolvimento, principalmente com o surgimento da Universidade -  e venceu. Criou seu ritmo e estilo. E por isso mesmo, tem os que gostam dele e os que não gostam. Inimigos oculto e declarados. Está sempre apressado como se estivesse esperando mais um desafio pela frente.

Para quem não sabe, ele ganhou um apelido quando freqüentava a Livraria do Nobre. O apelido se encaixou bem no personagem. Foi invenção do pintor Lucimar Ochoa. Chamou-o de Mandacaru, por causa de seus modos ríspidos, no trato com as pessoas, comportamento de que até hoje não abriu mão. Mesmo assim, por incrível que pareça, tem muitos amigos, nesse mundo de hoje. Pois a sua rispidez é só da boca para fora. Mas no tempo da Livraria do Nobre não foi somente o Cineas Santos que ganhou apelido. Ganharam apelidos também, o OG, que era chamado de Sapo, e o Pompílio Santos, que era chamado de dromedário, talvez pelo seu modo de caminhar meio corcunda. Essas brincadeiras não azedavam o ambiente, ao contrário, davam um ar descontraído de boa camaradagem. Quem suscita um apelido, é porque chama a atenção e tem alguma coisa marcante.

Hoje Cineas Santos administra as despesas da velhice após muitos coriscos e invernos pela vida afora. Tornou-se um cidadão respeitável, acumulou toda uma experiência de vida que literalmente podemos chamar de biografia. Em seu livro de crônicas As despesas do envelhecer, o leitor atento encontrará muitas pistas da sua história...

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Ferreira Gullar - Um sonho que acabou

Nenhum defensor do regime cubano desejaria viver num país de onde não se pode sair sem permissão

É com enorme dificuldade que abordo este assunto: mais uma vez -a 19ª- o governo cubano nega permissão a que Yoani Sánchez saia do país. A dificuldade advém da relação afetiva e ideológica que me prende à Revolução Cubana, desde sua origem em 1959. Para todos nós, então jovens e idealistas, convencidos de que o marxismo era o caminho para a sociedade fraterna e justa, a Revolução Cubana dava início a uma grande transformação social da América Latina. Essa certeza incendiava nossa imaginação e nos impelia ao trabalho revolucionário.

Nos primeiros dias de novo regime, muitos foram fuzilados no célebre "paredón", em Havana. Não nos perguntamos se eram inocentes, se haviam sido submetidos a um processo justo, com direito de defesa. Para nós, a justiça revolucionária não podia ser questionada: se os condenara, eles eram culpados.

E nossas certezas ganharam ainda maior consistência, em face das medidas que favoreciam aos mais pobres, dando-lhes enfim o direito a estudar, a se alimentar e a ter atendimento médico de qualidade. É verdade que muitos haviam fugido para Miami, mas era certamente gente reacionária, em geral cheia da grana, que não gozaria mais dos mesmos privilégios na nova Cuba revolucionária.

Sabíamos todos que, além do açúcar e do tabaco, o país não dispunha de muitos outros recursos para construir uma sociedade em que todos tivessem suas necessidades plenamente atendidas. Mas ali estava a União Soviética para ajudá-lo e isso nos parecia mais que natural, mesmo quando pôs na ilha foguetes capazes de portar bombas atômicas e jogá-las sobre Washington e Nova York. A crise provocada por esses foguetes pôs o mundo à beira de uma catástrofe nuclear.

Mas nós culpávamos os norte-americanos, porque eles encarnavam o Mal, e os soviéticos, o Bem. Só me dei conta de que havia algo de errado em tudo isso quando visitei Cuba, muitos anos depois, e levei um susto: Havana me pareceu decadente, com gente malvestida, ônibus e automóveis obsoletos.

Comentei isso com um companheiro que me respondeu, quase irritado: "O importante é que aqui ninguém passa fome e o índice de analfabetismo é zero". Claro, concordei eu, muito embora aquela imagem de país decadente não me saísse da cabeça.

Impressão semelhante -ainda que em menor grau- causaram-me alguns aspectos da vida soviética, durante o tempo que morei em Moscou. O alto progresso tecnológico militar contrastava com a má qualidade dos objetos de uso. O que importava era derrotar o capitalismo e não o bem-estar e o conforto das pessoas. Mas os dirigentes do partido usavam objetos importados e viam os filmes ocidentais a que o povo não tinha acesso.

Se a situação econômica de Cuba era precária, mesmo quando contava com a ajuda da URSS, muito pior ficou depois que o socialismo real desmoronou. É isso que explica as mudanças determinadas agora por Raúl Castro.

Mas, antes delas, já o regime permitira a entrada de capital norte-americano para construir hotéis, que hoje hospedam turistas ianques, outrora acusados de transformar o país num bordel. Agora, o governo estimula o surgimento de empresas capitalistas, como o faz a China. Está certo desde que permita preservar o que foi conquistado, já que a alternativa é o colapso econômico.

Tudo isso está à mostra para todo mundo ver, exceto alguns poucos sectários que se negam a admitir ter sido o comunismo um sonho que acabou. Mas há também os que se negam a admiti-lo por impostura ou conveniência política.

Do contrário, como entender a atitude da presidente Dilma Rousseff que, em recente visita a Cuba, forçada a pronunciar-se sobre a violação dos direitos humanos, preferiu criticar a manutenção pelos americanos de prisioneiros na base aérea de Guantánamo, o que me fez lembrar o seguinte: um norte-americano, em visita ao metrô de Moscou, que, segundo os soviéticos, não atrasava nunca nem um segundo sequer, observou que o trem estava atrasado mais de três minutos. O guia retrucou: "E vocês, que perseguem os negros!".

A verdade é que nem eu nem a Dilma nem nenhum defensor do regime cubano desejaria viver num país de onde não se pode sair sem a permissão do governo.