sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O sertão não virou mar




De todas as profecias do líder espiritual Antonio Conselheiro, uma se realizou e a outra por um triz não virou manchete histórica.

A primeira aconteceu quando ele resolveu falar ao povo de Inhambupe, uma cidade de sobrenomes importantes à época do Império e que depois aderiram à República como se fossem os pais de Deodoro da Fonseca.

Antonio Conselheiro, acostumado a fazer suas pregações para o povo simples do sertão, deu de cara com uma população bronzeada nos mares da capital e devidamente armada de paus e pedras sob o comando da igreja republicana. Em sua fuga, o fundador do arraial de Canudos olhou para trás e vaticinou: “Vocês vão crescer como rabo de besta!”. 

(Aqui faço uma pausa para explicar aos amigos da urbe que não sabem a diferença entre um jegue e um jumento e nem deram testemunho dessa praga conselheirista, que nem mesmo o povo de Inhambupe, à época, sabia da intensidade maléfica proferida pelo boca santa. Segundo o escritor Antonio Torres, no seu livro “Essa Terra”, o diálogo entre o fujão e os agressores prosseguiu:

(...)
“O povo indagou:
─ Como é que rabo de besta cresce?
─ Para baixo.  
─ Mas todos os rabos crescem para baixo.
─ Só que o da besta, quando cresce, o dono corta. Para dar valor ao animal.")


E faz sentido, porque Inhambupe continua perdido no espaço e no tempo, vivendo apenas do saudosismo dos sobrenomes importantes do Império e do início da República.

O outro vaticínio, o mais famoso de todos, cantado em versos e prosa de norte a sul do país, esteve prestes a acontecer no arraial do Junco, que também fez parte do território de Inhambupe, mas que escapou da praga do Conselheiro porque o barbudão olhou para o outro lado, para as bandas de outro arraial, Aporá, que, coincidência ou não, nunca passou do que é.


Em uma manhã de muito sol e pouca inspiração, como são as manhãs do sertão, o velho alcaide do Junco leu, por acaso, as profecias vindas de Canudos. Imediatamente reuniu sua equipe e disse eufórico, como se acabasse de descobrir a pólvora:

─ O sertão vai virar mar!
─ Estou sabendo. Li isso num livro de cordel. Parece que foi dito por Lampião – falou Sua Eminência, o Secretário da Cultura.
─ Deixa de ser burro, cara! – gritou outro notável, cuja patente não deu para identificar – Quem falou isso foi o Barão de Jeremoabo, Cícero Dantas!
─ Deus do céu, como vocês são ignorantes! – falou o alcaide – Quem tá dizendo isso sou eu. Vou transformar o velho açude numa praia e vai ficar mais famosa que Copacabana.

Ato contínuo, tirou da algibeira o rascunho do projeto, rabiscado momentos depois que a luz das ideias se acendeu na cachola. O açude, um lago de águas barrentas, construído pelo DNOCS para matar a sede do gado em período de seca, ia virar mar, com ondas de trinta metros de altura. Antevia o futuro: margens lotadas, sem nem mais um buraco para se enfiar um sombreiro, vendedores caminhando com dificuldade para vender seus produtos, acesso à praia totalmente congestionada de carros, ônibus e caminhões de gente vinda de todos os cantos, inclusive das cidades circunvizinhas. À beira d’água, nas marolas, crianças nadavam alegremente, algumas usando boias coloridas; no meio do lago, jet-ski deslizando de um lado para outro, velas de windsurf desfraldadas ao vento e centenas de surfistas bronzeados pegando onda. Uma faixa visível na entrada do açude avisava da presença de tubarões além do quebra-mar artificial. No meio da areia escaldante, tropeçando no povo, uma equipe da TV Subaé, de Feira de Santana, entrevistava os banhistas para mostrar no Jornal Nacional e... 

Para! Para! Para! Mas o que é isso? – perguntou o sisudo secretário mudo tirando o prefeito do seu devaneio.

─ Isso vai ser a nossa principal atração. Como a água vai ficar salgada, pois água do mar é salgada, os bois e as vacas vão ter que beber água de coco... de canudinho. Não é chique?!  

Infelizmente a chiqueza do delírio se transformou em pesadelo, porque o dinheiro, tão necessário em obras estruturais, foi engolido por esse mar de lama movediça, e o povo, contagiado pelo entusiasmo do garoto alegre do Portal que apregoava diariamente que o sertão ia virar mar e a tal praia ia ser mais famosa que Copacabana, caiu na real quando a seca bateu e faltou água para o gado beber. O gado e outros animais, inclusive os homens e as mulheres.

Apesar de pavimentar o acesso à tal "praia" e fazer uma inauguração nas coxas, o povo não se banhou na lama do desperdício do dinheiro público e impôs ao prefeito sua primeira derrota depois que ele fez da política sua principal galinha dos ovos de ouro. Hoje, em vez de antever a efervescência de banhistas, ele, sentado na calçada quente que ele mesmo construiu, parafraseia Alberto Luiz em “Balada n. 7”: “Minha ilusão entra em campo num açude vazio / meus puxa-sacos correram pros braços do outro...” 

Entristecido e inconformado, olha para a outra margem do açude onde tem um bar e vê o novo prefeito bebendo alegremente com seus ex-puxa-sacos. Tardiamente compreende que bajulador que se preza não tem amor à mãe nem aos amigos, não tem compromisso com o escrúpulo e nem tem noção de ética. 





quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Edna Lopes - Ora mostra a bunda, ora mostra os dentes...



Ela nem vem mais prá casa
Doutor!
Ela odeia meus vestidos
Minha filha é um caso sério
Doutor!
Ela agora está vivendo
Com esse tal de:
Roque Enrow! Roque Enrow!
Roque En!...

 
Rita  Lee
 

     Semana passada, ao zapear por sites de notícias e por uma famosa rede social, me deparei com a abundante irreverência da cantora Rita Lee, durante um show em Brasília, na Esplanada dos Ministérios.

     Não pude deixar de rir, pois o gosto da imprensa pelo bizarro é inegável. ”Rita Lee mostra a bunda para a república” e outras manchetes na mesma linha correram mundo, mesmo não sendo novidade a irreverência, o “ato obsceno”, como disse alguém, já que  noutro show, em Saquerema, ela fizera o mesmo.

     Não aplaudiria seu gesto porque não é de minha natureza aplaudir atos de grosseria ou gosto duvidoso de quem quer que seja, mas convenhamos, Brasília já presenciou outros atos obscenos de verdade: violação de painel eletrônico, dinheiro na cueca, mala preta indo, mala preta vindo, cachoeiras de corrupção, privataria tucana, mensalinho, mensalão e outros atentados violentos a honra de cidadãos e cidadãs que pagam seus impostos. Quem se escandalizou?

     É certo que mesmo aparecendo pouco na mídia a rainha do rock poderia passar sem o escárnio ou os ataques de falso moralismo de alguns para quem bunda exposta é insulto. Aliás, desde o fatídico episódio da visita da cantora numa delegacia de Aracaju, quando mostrou os dentes para os policiais de plantão, pouco ou nada se ouviu sobre ela na imprensa ou nas redes sociais. Seria esse o motivo que justificaria mostrar a bunda ao mundo?

     Dia desses estive lado a lado com ela numa sala de aeroporto e não pude deixar de observar aquela senhora num corpo de mocinha anoréxica, com seus cabelos vermelhos e seu chapéu esquisito. Sorumbáticos, ela, seu companheiro Roberto de Carvalho, e mais dois de sua trupe, não trocaram  palavra nem uns com os outros, enquanto aguardávamos o voo.

     O tempo não para e quase sempre não é generoso. Lembrei-me dela e dele maravilhosos no palco de um show que vi há alguns anos atrás e tratei de tirar a vista daquela cena triste. Agora, pensando na confusão de Aracaju em que acabou na cadeia e pela qual está sendo processada, na foto de mau gosto que roda o mundo penso que, francamente, mostrar os dentes ou a bunda não acrescenta nem retira nada do talento da cantora, mas não é o tipo de manifestação que quero guardar na lembrança da maior estrela do rock nacional.


domingo, 11 de novembro de 2012

Cineas Santos - Da importância de aprender Matemática

                      

          Aos 18 anos de idade, a jovem retraída sonhava fazer medicina, curso difícil, caro e demorado. Como sabia fazer contas, não teve dificuldade para perceber que, mesmo passando no vestibular naquele ano (2010), precisaria de pelo menos dez anos para começar a ganhar algum dinheiro com a profissão. Fez mais contas e o resultado não lhe pareceu animador: mesmo que conseguisse emprego com excelente salário – dez mil reais por mês – precisaria de mais uns dez anos, economizando cada centavo, para amealhar um milhão de reais. Tempo demais para quem tinha  pressa e fome de vida. Vai que, uma noite qualquer, fossando, na internet descobriu um concurso fascinante, o Virgins Wanted, promovido por um produtor de cinema australiano. Sem pestanejar, inscreveu-se. Farejava ali a possibilidade de faturar um dinheiro graúdo sem a necessidade de alisar banco de escola por tanto tempo.

          Dois anos depois, por razões que nem ela mesma sabe explicar, acabou sendo escolhida. De pronto, aceitou participar do jogo que consistia em leiloar a virgindade pela internet. Como boa jogadora, entrou de cabeça no projeto pronta para o que desse e viesse. Pragmática, afirmou: “Pode acontecer de tudo, não tenho preferência por um tipo de pessoa. Para mim, isso é um negócio e num negócio não escolhemos o comprador. Não penso muito no ato em si. Como é uma coisa que nunca fiz, é difícil dizer. Gostaria que fosse alguém que me compreendesse e que fosse carinhoso. Seria legal, mas a pessoa não tem essa obrigação”. Simples, prática, certeira.

          Concordando ou não com a decisão da jovem, é impossível negar-lhe tino empreendedor. Como num passe de mágica, a virgem saiu  do anonimato para as telas de TV e páginas dos principais jornais do Brasil. Só a Folha de São Paulo, o jornal de maior prestígio no país, dedicou pelo menos meia dúzia de matérias  ao assunto, com artigos de colunistas do nível de Carlos Heitor Cony a Cantardo Calligaris, para citar apenas dois. A exemplo de tantas outras nulidades guindadas ao estrelato, a mocinha tornou-se uma “celebridade”. Não se espantem se o Sumo Pontífice se manifestar sobre o tema, mesmo que seja para condená-lo. Indiferente à opinião pública, a cidadã afirma:Essas pessoas não me conhecem. São opiniões preconcebidas da minha pessoa. Eu já estava preparada para as críticas, não esperava a bênção de ninguém”.

          Encerrado na semana passada, o leilão teria alcançado a cifra, nada desprezível, de 1,5 milhão de reais. O grande vencedor foi o Sr. Natsu, um japonês com muito dinheiro e pouca imaginação. O ato se consumará a 18 mil pés de altitude, num jato fretado para tal fim, entre os EUA e a Austrália, sem direito a preliminares ou cabritagens, como se diz no sertão.

          Pensam que a jovem empreendedora pretende parar por aí? Ledo engano: consta que, picada pela mosca azul, a moça já pensa na possibilidade de tornar-se apresentadora de um programa de TV; de preferência, destinado ao público jovem. Por favor, não façam essa cara de espanto: temos precedentes piores na TV brasileira.  De tudo isso, sobra uma lição: saber rudimentos de matemática pode fazer uma enorme diferença na trajetória de um vivente!