sábado, 23 de fevereiro de 2013

Poetrixando numa tarde ensolarada de sábado



O ruim da história é que, quando surge a segunda versão, a primeira já é fato consumado. Como bem escreveu meu amigo Luís Pimentel, futuro Nobel de Literatura: “A mentira tem pernas curtas, mas é a que chega primeiro”. Exemplo disso é a carta-testamento de Getúlio Vargas. Foram essas suas últimas palavras: “Queria entrar para a História fazendo um Poetrix. Como não deu, faço bang!”


Ponto de Exclamação I

Tentando fazer soneto
Empacou no terceiro verso.
- Eureka! Inventei o poetrix!

Ponto de Exclamação II

Os imortais da Academia tentaram
Conceber um poetrix à posteridade.
- Arfe! É mais fácil escrever romance!

Ponto de Exclamação III

O guarda-vida, bonitão e malhado,
Resgata o boiolinha do mar traiçoeiro.
- Quero respiração boca-a-boca!

Ponto de Exclamação IV

Colombo, o Descobridor das Américas
Foi do Viagra um entusiasta:
- Vejam! Meu ovo ficou em pé!

Ponto de Exclamação V

Dedos e dedadas tão banais
Ela suplicando um ato heróico.
- Relaxa e goza que o cabra é forte!

Não tentem fazer isso em casa. É muito arriscoso. Florbela Espanca, a sonetista portuguesa, tentou fazer, não conseguiu, e se suicidou.




terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Por onde andará a minha Amélia?


Ai, que saudade de Claudinha! Digo, de Carminha. Aquela sim, é que era mulher de verdade. Passava fome e ainda achava bonito não ter o que comer. A Carminha? Não. A Amélia. Amélia Cristina dos Anjos. Mas não era como a da música não. Só os poetas conseguem arranjar mulher assim. As musas. Deusas, rainhas, afrodites, ninfas. Carinhosas, gostosas, compreensivas e polidas. Os mortais, como eu, têm que se contentar com marias e joanas, rainhas da impaciência, deusas da incompreensão, ásperas tal qual lixa grossa de raspar madeira, delicadas como elefante em loja de louça. A minha Amélia, não era como a da música, mas era diferente dessas barangas de quinta categoria. Doce, alegre, sorridente, embora eu gostasse mais quando ela ficava de boca fechada. É que lhe faltava três dentes na frente. Uma vez um candidato a vereador lhe prometeu uma dentadura postiça, ela ficou feliz, deu duro na campanha dele e depois que ele se elegeu, nunca mais deu as caras. E a nega ficou desdentada. Era por isso que ela achava bonito não ter o que comer. Não tinha como mastigar.

Um dia, achei que a sorte mudaria e apostei todos os meus vinténs na Amélia. Tudo. Um lance só. Vermelho, vinte e sete. Jogo no pano. Deu preto, dezessete, como no tango de Herivelto Martins e David Nasser. Amélia sorriu delicadamente e me perguntou inocentemente: “Meu filho, que se há de fazer?” Deu-me um beijo delicado na ponta do nariz, virou as costas e desapareceu no breu da noite levando o crupiê a tiracolo.  

(Amélia, a música mais vendida de Ataulfo Alves, só lhe rendeu dor de cabeça, conforme depoimento dele. Ouça o áudio no link abaixo)




.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Enquanto isso, na fila da loteria




Queria lhe dizer que a fila anda, amor, mas não posso. Faz meia hora que estou parado aqui, ouvindo a desculpa de que “o sistema está fora do ar”. Sistema fora do ar é a nova palavra do milênio, amor. E só acontece quando estou na fila. A sorte é que tem um expert em asteroide aqui e ele está explicando que essa pane no computador da Caixa Econômica talvez seja influência desse asteroide de quinhentas mil toneladas que está passando perto da Terra. Como?! Não, ele que disse que pesava quinhentas mil toneladas, amor. E eu vou lá querer saber quantas toneladas são! Um senhor, atrás de mim, interrompeu o professor e perguntou admirado: “Como é que um bicho pesado desse consegue avuar?!” O especialista em asteroide não soube explicar e eu respondi ao senhor que lá no espaço ele não pesa nada. Um garotão, com pinta de universitário, veio em socorro também: “Esse peso é se fosse aqui na Terra, tá ligado? Por causa da gravidez”. Não ria, amor, que eles podem ouvir. O senhor atrás de mim agradeceu a explicação. Outro, à minha frente, perguntou ao astrofísico se era verdade que o mundo ia se acabar. Vai, respondeu ele. E a NASA já sabe. A NASA tem um telescópio lá em cima, depois das nuvens, muito depois, que diz tintim por tintim o que acontece no mundo. O tal do Rambo. “Já ouvi falar nesse filme”, disse outro mais à frente. Ah! Não! - disse o astrólogo. Manja um binóculo, aquele troço que a gente coloca no olho e tudo fica perto, bem pertinho, que a gente pode até pegar com a mão? Esse Rambo é como se fosse um binóculo desse, gigante, bem gigante, e enxerga até o fim do mundo. Mas só em linha reta.

Estou pasmo, amor. Morrendo de rir e me contendo. A conversa agora descambou para a genética. O professor perguntou ao senhor que se admirou com o voo rasante do asteroide se ele já tinha lido sobre a Arca de Noé. “Sim”, respondeu. Pois então... só foi possível Noé salvar os animais porque havia poucos animais naquela época. Agora não. Agora são milhares e seria preciso mais de mil arcas. Mas a NASA descobriu o genoma dos animais e está guardando tudo em laboratório. Genoma é uma célula que reproduz os seres vivos. Se houver outro dilúvio, não será preciso construir outra arca. Vai tudo dentro dos frasquinhos e aí eles fazem o cruzamento no laboratório.

Pois é, amor. Fila de loteria também é cultura. Agora a fila anda, amor. Vou perder o fim da conversa, que é sobre o submarino nuclear que os cientistas construíram para guardar os genomas e se salvar no próximo dilúvio. Mas amanhã eu volto, amor. O professor tem cara de filamaníaco.  O quê?! E eu vou lá saber se essa palavra existe! Eu aqui ouvindo altos papos sobre o Dilúvio e você preocupada com uma palavrinha à toa! Amanhã quem vem pra fila é você! 


Cadê você, meu amor?!

E eu aqui nessa agonia, sem saber se você vinha, fumei um maço e meio de cigarro Hollywood Kink Size Filter para acalmar a aflição, e você chegou  finalmente, e sorridente, escancarou seu coração de adolescente me deixando em total estado de abandono:

- Eu só vim aqui pra dizer que hoje eu vou num vim!

Dito isso, singelamente, escafedeu-se no labirinto dos pensamentos se escondendo atrás das emoções, me deixando com o maldito vício do cigarro que eu havia deixado vinte anos atrás. 

Cineas Santos - Estação do Inferno



                          
         Em mais de uma oportunidade, afirmei que seu Liberato era um homem exato, um homem sem transbordamentos. Ao longo da vida, nunca o vi correr ou gritar; eufórico ou colérico. Um sertanejo de tristezas brandas e alegrias rasas. Parecia movido por uma noção exata de ritmo, o seu ritmo. Nos eitos dos roçados, às vezes, os trabalhadores competiam entre si para ver quem terminava mais rápido determinada tarefa. Alheio a tais disputas, seu Liberato apenas fazia o seu trabalho. Não fazia versos, não tocava viola, não contava vantagens. Quando lhe sobrava algum tempo, contava causos, alguns muito engraçados. Em matéria de música, conhecida apenas duas que, raramente, cantava com voz suave a afinada: “Cabelo de meu bem tem areia,/tem areia, tem areia, vou tirar;/cabelo de meu bem tem areia, /tem areia, só  tiro se ela mandar”. A outra: “Foi uma jura/ Que fiz de nunca mais amar/ Ai, ai, ai, meu Deus/ Para que jurei?/ Todo mundo sabe/ Quebrei minha jura, quebrei”.

         Seu Liberato prezava muito o silêncio, razão por que não suportava rádio. Quando perdeu a visão, por volta dos  70 anos de idade,passava os dias sentado numa redinha de fibra de caroá, conversando e recontando causos .Acontece que a casa de dona Purcina era o local  de encontro dos estudantes do Ginásio Dom Inocêncio. A velha ganhava a vida vendendo doce à molecada. Quando a algazarra se fazia insuportável, o velho limitava-se a afirmar baixinho: “Isto aqui é a estação da luz”.

         Vai que, um dia, apareceu em nossa casa uma jovem que não desgrudava do rádio nem para dormir. Certa feita, agastado com o barulho daquela “engenhoca rouca”, seu Liberato lhe fez uma recomendação: “Minha filha, deixe esse rádio descansar um bocadinho. De tanto falar, um dia, pode lhe faltar assunto”. A moça sorriu e continuou na dela,com o radinho  a tiracolo. Numa noite qualquer, o velho acordou ao som de uma música de letra maliciosa: “Ô tabaco bom, bom de  se cheirar!/Ô tabaco bom, vamos gente, vem comprar”, na voz de Messias Holanda. Ficou abismado com aquilo. Na manhã seguinte, não se conteve: “Minha filha, seu rádio ontem à noite, estava cantando prosa”. Dias depois, a jovem acordou apavorada no meio da noite, com o rádio “falando uma língua esquisita”. Era o noticiário da BBC de Londres. Meu pai foi taxativo: “Menina, aquilo era a estação do inferno. Convém tomar cuidado”. Assustada, a mocinha nunca mais dormiu com o rádio ligado.

         Lembrei-me dessa história boba, ao ouvir um dos sucessos da “música” fank  no automóvel de uma jovem bem-nascida. A letra é de fazer corar uma estátua de granito. Pensei comigo: feliz de seu Liberato que não viveu o bastante para  testemunhar que, hoje, a estação do inferno não entra acidentalmente no rádio. Agora, os programas de rádio, com honrosas exceções, são transmitidos, ao vivo, diretamente do inferno. O tempora! O mores!