segunda-feira, 1 de julho de 2013

Jesus de Enoc se chamava Enoc Jesus

Jesus de Enoc, que só no seu último suspiro fiquei sabendo que era Enoc Jesus, só perdia para o meu primo Arizio Cabaú nas arrelias, porque, nas demais estripulias, era como a seleção brasileira de ontem: show de bola. Impecável em tudo que um menino dito “moleque de rua” tem que ser.

Para a minha sorte, não estudamos na mesma sala. Aliás, nem me lembro de qual sala ele era. O seu pai, o velho Enoc, vestido da importância de ser pai de uma professora e de possuir o único rádio de pilha do lugar, passava a mão na cabeça das traquinagens do filho. “Se ele era o capeta que diziam, como era que ajudava o padre nas missas, hein?”, perguntava ao reclamante.

Jesus se fez coroinha, não por vocação religiosa, mas para ganhar uns trocados e ter livre acesso ao vinho do padre, que a gente detonava escondido. Era o quinteto: ele, meus primos Paulo e Arizio, meu irmão Décio e eu. Uma vez, não tendo o que fazer, entrou no confessionário e nos botou em fila de confissão. As beatas, sem saber que era só molecagem, também entraram na fila e Jesus ficou sabendo dos mais recônditos segredos das mocinhas do lugar. E só nos contou por que o ameaçamos dizer tudo ao padre. Mas como eram segredos de confissão, não pudemos tirar proveito sem nos denunciarmos e levarmos uma surra exemplar.

Como coroinha, ele sabia o endereço das festas de batizado ou casamento, e depois da cerimônia a gente seguia o cortejo até a comilança, regada a refresco de mangaba ou refrigerante quente, que o povo chamava de “gasosa”. Uma vez ele fez uma intriga tão da gota serena entre mim e Paulo que fomos às vias de fato no meio da rua. Separados pelo meu tio Adauto, o pai de Paulo, depois de ouvirmos um sermão sem fim, ficamos sabendo que Jesus havia vendido a nossa briga para os outros moleques de rua.

Assim era o Jesus, não o nosso salvador, mas o nosso mentor em se quebrar regras e o maior responsável pelas inesquecíveis surras que levei de minha mãe. Isso durou enquanto fomos moleques de rua pelo velho Junco, correndo livre, leve e solto até que a distância nos separou. E agora, separa-nos a eternidade.

Boa viagem, companheiro! Espero que aí no Céu tenha acampamento da Petrobrás para a gente ir buscar rolimã para fazermos patinete e deitarmos e rolarmos pelas nuvens cósmicas.

domingo, 30 de junho de 2013

ONDE CANTA A ACAUÃ: O Acampamento da Petrobrás

ONDE CANTA A ACAUÃ: O Acampamento da Petrobrás: De caatinga No arraial do Junco arcaico a Sexta-Feira da Paixão era só penitência. Do raiar do dia, ao cair do sol, todos os prazeres ...

Luís Pimentel - Jesus de Nazaré

    Reencontrei Jesus dia desses, num barzinho. O conheci criança pequena e provinciana, no interior da Bahia.  Nascera de sete meses, em um dia 25 de dezembro, e foi um sufoco para escapar das mazelas de uma infância pobre – diarreias constantes e falta absoluta de leite nos peitos mirrados da mãe. O nome sagrado veio da promessa que os pais fizeram, nas preces pela salvação do filho. Como o homônimo famoso, o nosso Jesus também viera ao mundo em um lugar chamado Nazaré. No caso, Nazaré das Farinhas.

     Jesus era um menino atormentado. Pequenino, tinha o hábito de bater com a testa na parede, até sangrar. A quem perguntasse o porquê do autoflagelo, respondia: “Porque quando para é bom demais, é divino”. A mãe do menino também se chamava Maria, que nem a mãe do outro. E o pai era José. Mas não era nenhum carpinteiro pacato, capaz de puxar um burrico na travessia do deserto. O José de Nazaré das Farinhas era motorista de caminhão, gostava muito de uma cachaça e volta e meia dava uns sopapos na mulher. Jesus tomava o partido da mãe, e volta e meia também sobravam uns catiripapos para ele também.

     Jesus era um menino malcriado. Ao contrário do homônimo bíblico, jamais perdoou, só conseguia amar a comida e o dinheiro (que subtraía do pai) e afrontava os 10 Mandamentos também roubando bolas de gudes, desrespeitando pai e mãe e matando passarinho.

     Jesus era um menino surpreendente. A cena que ficou para sempre nas escrituras mundanas da cidade aconteceu numa véspera de Natal. Portanto, véspera do seu aniversário. Jogava bola com os amigos no campinho que tinha nos fundos de sua casa, quando a voz estridente de dona Maria, que não era nenhuma santa, ecoou nos dois travessões:

     – Jesus, capeta! Venha cá!

     Jesus odiava ser chamado de capeta. Também odiava que interrompessem a pelada:

     – Quiquié?! – berrou de volta.
     – Preciso que você vá até a padaria, comprar pão para as rabanadas do Natal e do seu aniversário!

     O capetinha pegou pesado:

     – Vou não! Não está vendo que estou ocupado com o jogo da bola? Por que a senhora mesmo não vai?

    Maria apelou, o que todo mãe faz nessa hora:

     – Ah, ingrato! Ah, mal-agradecido! Maldita hora que te carreguei nove meses no meu bucho.

     A resposta ficou no Alcorão de Nazaré, repetida por professores de história e guias turísticos:

     – Está alegando, minha mãe?! Está alegando?! Entre no meu bucho, que lhe carrego um ano!