domingo, 16 de fevereiro de 2014

5 As Lendas de Aruanda - Os orixás viajaram em tumbeiros



 
Lavagem do Bonfim 2014 - Tolerância religiosa ou respeito? Foto: Correio da Bahia
Saravá, meu pai, confio em Deus! Saravá é uma saudação nos terreiros de cultos afro-brasileiros, que tem o significado de “salve”. Corruptela da palavra portuguesa “salvar”, cujos escravos tinham dificuldade de pronunciar e diziam “salavar”. Sob a influência da fonologia banta, passou a se falar “saravá”, para desespero e raiva dos puristas gramaticais, que acham que a nossa Língua tem que ser a mesma que veio nas caravelas de Pedro Álvares Cabral e seus sucessores, não importando a dimensão continental do Brasil nem a origem dos seus povoadores. Saravá!

Apesar de ser Oxalá o criador da humanidade, não é ele o Ser Supremo. Isso compete a Olorum, o Criador do Plano Astral e dos orixás, que um dia foram gente e se tornaram divindades, servindo de ponte que liga os humanos a Deus (Olorum para os nagôs; Zambi para os bantus). A origem dos orixás remota a mais de cinco mil anos e, ao contrário do que se pensa, eles não são considerados deuses, mas sim, entidades divinizadas com todos os males e imperfeições humanas.

Aruanda é o plano astral superior, o Paraíso dos católicos, os Campos Elísios dos gregos. A Roma iorubaiana fica em Ifé, cidade a sudoeste da Nigéria, hoje com uma população estimada em 200 mil habitantes. O Latim de seus cultos se chama Iorubá, que teve sua origem na Nigéria Ocidental e se espalhou pelo mundo nos navios negreiros, sendo que os iorubaianos, trazidos em larga escala para o Brasil, aqui chegando, receberam o nome de nagô e exerceram forte influência social e religiosa sobre outros grupos igualmente escravizados, principalmente na Bahia, com exceção dos malês, negros da África  muçulmana, praticantes do Islã.

O sincretismo religioso que se propaga aos quatro ventos como fato consumado entre o catolicismo e a afro-religião, não é, de fato, a fusão filosófica das duas religiões, surgindo daí uma nova realidade histórica. Nem mesmo há uma fusão parcial entre essas duas religiões. Devido ao temor dos negros se organizarem e promoverem revoltas, quando eles chegavam aqui eram separados de sua família e do seu povo e assim perdiam o elo que ligava suas culturas tribais. Havendo no continente africano uma imensa diversidade étnica e religiosa, os escravos, sem se entenderem entre si por não falarem a mesma língua, sentiam-se totalmente isolados nas senzalas. Aos domingos e dias santificados os senhores permitiam que eles se reunissem em torno dos atabaques e fizessem festa. Então eles aproveitavam esse momento para executar danças religiosas e invocar seus mitos e seus deuses. Com o passar do tempo, as várias vertentes étnicas reunidas nessas festas uniram suas tradições e seitas e assim nasceu uma nova religião essencialmente sincrética com outras religiões africanas, não havendo nenhum princípio dogmático do Cristianismo em sua base nem no seu topo, não constituindo, assim, em sincretismo com a religião católica. A essa nova religião deu-se o nome de Candomblé. 

A Umbanda milenar africana, ou “Aumbandhã” cósmica, em 1908 cedeu lugar para a Umbanda espírita kardecista, nascida em um terreiro de macumba, em Niterói, incorporando os cultos ameríndios e se aproximando do catolicismo, mantendo, porém, sua teogonia original. Suas divindades e liturgias são baseadas em entidades espirituais superiores distintas e, portanto, apesar da aproximação e da invocação de santos católicos, não se enquadra na acepção da palavra “sincretismo”.

A palavra Umbanda vem do Quimbundo, cujo significado é “prática tradicional de cura”. O médico curador recebia o nome de Kimbanda, e esta palavra também podia designar uma linha ritual da Umbanda. Quando os católicos europeus invadiram a África em missão de conversão religiosa, aqueles que se convertiam ao cristianismo eram considerados “homens de Deus” e os que praticavam suas religiões tradicionais eram acusados de cultuarem o demônio. E foi nessa luta entre o Bem e o Mal que a Kimbanda chegou ao Brasil e se tornou uma ramificação da Umbanda desde a sua criação, com o nome aportuguesado de Quimbanda.

Com o passar dos anos o “embranquecimento” da afro-religião foi paulatinamente identificando os santos católicos com os orixás e a isso chamaram, erroneamente, de sincretismo afro-católico.

O que existe, hoje, é uma tolerância religiosa de parte a parte, e cada um festeja seu santo conforme seu dia e seu ritual, havendo católicos que frequentam terreiros, dão caruru para os Ibejis e presenteiam Iemanjá; há os afro-religiosos que se deixam batizar na pia católica e dão nome cristão aos filhos. Quando a mãe-de-santo mais famosa do Brasil morreu, seu corpo foi velado na capela do cemitério e teve missa de corpo presente celebrada por Dom Avelar Brandão Vilela, então arcebispo da Bahia e primaz do Brasil. Ao ser questionado pelos intolerantes da arquidiocese de Salvador, ele simplesmente respondeu: “Dona Escolástica foi batizada na Igreja, portanto, foi cristã”. E deu o assunto por encerrado. 

Dona Escolástica vinha a ser o nome de batismo de Mãe Menininha do Gantois.     




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