quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Luís Pimentel - Zeca Pagodinho é carioca da gema



 
          Em meio às previsíveis e arrasadoras chuvas de início deste ano, uma das regiões bola da vez, entre as mais afetadas, foi o distrito de Xerém, na Baixada Fluminense. Em meio à correria e o desespero causados pelos alagamentos, um personagem se deslocava de um lado para o outro, transportando alimentos, roupas e pessoas desalojadas: o cantor e compositor Zeca Pagodinho, que tem sítio na área há muitos anos, ali mantém uma escola de música para crianças carentes e cultiva muitos amigos.


     O carioca da gema Jessé Gomes da Silva Filho nasceu em 1959, no dia 4 de um fevereiro de sol generoso, em Irajá (bairro que deu inúmeros craques do samba, de Nei Lopes a Dorina, e lhe presenteou com o apelido durante os desfiles no bloco Boêmios do Irajá). Foi criado em Del Castilho, circulou pelas zonas heroicas dos subúrbios do Rio, abriu o coração à sombra da tamarindeira do Cacique, fincou âncoras em boa parte do subúrbio e do Rio e da Baixada, e hoje flana impávido pela Barra da Tijuca. Zeca emprestou à música brasileira seu timbre romântico-malandreado, sua embocadura própria, divisão inigualável do samba e um charme personalíssimo, inimitável, com carisma para dar e vender.


     Fez da convivência o seu ofício no samba e vem juntando amigos por onde passa, recebendo a todos com carinho de tio e admiração de sobrinho, gravando e reverenciando esteios verdadeiros da MPB, compositores que precisam do seu apoio para mostrar que são de fato verdadeiros. Enumerar os seus grandes sucessos é totalmente desnecessário, todo mundo conhece. São tantos, que não vale a pena eleger apenas um ou outro. Zeca Pagodinho é hoje uma legenda (no bom sentido) na música carioca e brasileira. Justifica cada gota do carinho enorme que o público manifesta em cada show ou diante de seus novos lançamentos. É um sujeito bom, totalmente do bem.


domingo, 20 de janeiro de 2013

Cineas Santos - Da arte de sobreviver




Contrariando as previsões de profetas, místicos, embusteiros, e assemelhados, o fim do mundo não aconteceu na data prevista: 21 de dezembro de 2012. É certo que milhares de mundinhos pessoais desceram pelo ralo, mas o Armagedom  foi adiado mais uma vez. Ainda teremos um tempinho para continuar cometendo pequenos e grandes crimes e fazendo bobagens. Quanto a mim, confesso que já estou no lucro.

A primeira vez que ouvi falar do fim do mundo, eu era praticamente virgem em matéria de pecados, a não ser do tal pecado original que, ao nascer, já trazemos embutido em nossas almas. Eu teria uns dez anos de idade, se tanto. Num início de noite, ouvi no rádio do padre Nestor Lima a trombeta do anjo vingador: “O mundo acabará em 1970”. Fiquei literalmente aterrorizado. A partir daquele instante, eu teria uns doze anos, no máximo, para realizar alguns sonhos acalentados desde sempre: comprar uma bicicleta Monark, uma sanfona Scandalli, um relógio Lanco, um rádio Philco, uma espingarda Rossi, uma lanterna de três elementos, uma chuteira feita pelo Raimundo do Pedro e um frasco de English Lavander. Na verdade, eu tinha um único fito: chegar ao coração de Cleonice, com quem iria me casar. A fim de levantar a dinheirama suficiente para comprar tudo isso, seria necessário ir a São Paulo onde, segundo atestava o baião de seu Luiz, corria ouro pelo chão. Fiz as contas e vi que não daria tempo. Sofri como um condenado...

Em 1970, eu já desistira da sanfona, do rádio, da espingarda, ou seja, da Cleonice... À época, meu coração bandoleiro errava por uma fulaninha, mais acesa que farol de milha... Conclusão: a despeito da ditadura que prendia, torturava e matava, nunca fomos tão felizes: “noventa milhões em ação” e a inesquecível conquista do Tri... Marcou-se uma nova data para o fim do mundo: o ano 2000. Voltei a fazer as contas e vi que já estava no lucro: em minha aldeia, a média de vida não excedia a 45 anos de idade.

Manquitolando, cheguei à virada do milênio. E, como naquela canção de Paulo César Pinheiro & Baden Powell, “Não fui feliz nem infeliz / só fui na vida um aprendiz / daquilo que eu não quis”.  Preparei-me, finalmente, para a data definitiva:  21 dezembro de 2012. Paguei a conta na quitanda, cancelei a viagem à Birmânia, alimentei as rolinhas que voejam pelo meu quintal, banhei os cães, queimei um punhado de poemas ruins, ouvi “Nervos de aços”, liguei para meia dúzia de sirigaitas  e comecei a rezar a oração que aprendi com São Bandeira: “Quando a indesejada das gentes chegar...”

Veio a data fatídica e nada aconteceu. Só então me dei conta de que, ocupado com ninharias, não percebi que  o meu estoque de English Lavander  está no final: restam apenas dois frascos. Corri a perfumarias, armarinhos, farmácias e descobri que o produto está em falta no mercado. Confesso, sem nenhum constrangimento, que suportaria estoicamente o fim do mundo; o fim do meu perfume, não. Sem ele, eu não me reconheço. Como no poeminha “Veritas”, seria eu / sem mim...