sábado, 10 de novembro de 2012

A música do poeta Salgado Maranhão


O poeta Salgado Maranhão é conhecido Brasil adentro e Brasil afora (desde setembro que ele se encontra nos States fazendo poesia nas universidades americanas), mas o compositor Salgado Maranhão nem tanto assim, embora tenha um cd de primeira na praça, mas que não toca no rádio nem no Domingão do Faustão por não ser música consumível (do juízo), não conter a profundidade poética da axé music, nem o reboleichê-o-chó de uma Joelma da Banda Calypso.

É um cd altamente consumível pela alma dos escolhidos, com treze faixas das quais a primeira e a última são poesias declamadas pelo próprio autor, que sofreram uma pequena e necessária (ao clip) reedição. Em cada música ele conta a sua origem, no encarte que acompanha o disco, como a música do clip, Caminhos de Sol, um caso de amor e desespero do grande poeta, músico e compositor Herman Torres e que está transcrito no vídeo. Abaixo, as faixas e seus intérpretes:

01 FARRA (POEMA) SALGADO MARANHÃO
02 RAPSÓDIA – ELBA RAMALHO
03 CAMINHOS DE SOL – RITA RIBEIRO
04 REVELA – SELMA REIS
05 RECATO – PAULINHO DA VIOLA
06 TREM DA CONSCIÊNCIA – ZECA BALEIRO
07 AVE CIGANA – DOMINGUINHOS
08 VOO LIVRE – ZÉ RENATO
09 DIAMANTE BRUTO – ALCIONE
10 FEITO PASSARINHO – AMÉLIA RABELLO
11 DO PRINCÍPIO AO SEM FIM – SANDRA DUALIBE
12 AMORÁGIO – IVAN LINS
13 A PELAGEM DA TIGRA (POEMA) SALGADO MARANHÃO

Quanto ao último track, devo avisar aos mais afoitos que o feminino de tigre é tigra, e não tigresa, conforme a música do mano Caetano que agora, sem ter mais Lula na presidência, deu pra pegar no pé do filólogo Marco Bagno.

No mais, não me perguntem onde comprar porque o meu eu ganhei do próprio, numa tarde de porre sob o céu da Pajuçara, mas assim que ele chegar dos States (acho que só vem depois da posse de Obama) perguntarei a ele e direi aos interessados em conhecer o lado compositor do grande poeta (dizem que ele é o maior poeta vivo, mas não direi isso porque vocês poderão dizer que estou puxando o saco do amigo) Salgado Maranhão.





terça-feira, 6 de novembro de 2012

Asa Branca em coreano e a análise do filme "De pai pra filho" feita por José Nêumanne Pinto



Quem disse que coreano não é bom de gingado? Vejam a maravilha dessa banda coreana mostrando que Luiz Gonzaga é universal e que Asa Branca rompeu todas as fronteiras. Abaixo do vídeo, a crônica de José Nêumanne Pinto de hoje do Estadão falando do filme “De pai pra filho”.


“Belo e comovente, mas com falha de verossimilhança

José Nêumanne Pinto

A fila à porta do cinema em que é exibido o novo filme de Breno Silveira, Gonzaga, de Pai para Filho, é um excelente sinal. Ídolo da diáspora nordestina pelo Brasil e pelo mundo, o Rei do Baião, que conheceu a glória na carreira quando introduziu no mercado fonográfico e nos meios de difusão o cancioneiro do semiárido e inventou a música regional nordestina, mas caiu no ostracismo sob os reinados da bossa nova e do rock, volta no ano do centenário do nascimento a interessar e comover o grande público.


O aviso dado no começo da projeção - “baseado em fatos reais” - avisa honestamente ao espectador que aquele não é um documentário nem uma biografia, mas uma narrativa que tem como ponto de partida a vida de um astro - mais do que isso um dos pilares da Música Popular Brasileira. Trata-se da filmagem da história pungente de amor e rejeição entre pai e filho, este também um compositor e intérprete talentoso e popular. O rei fundou uma estética de raízes fincadas no solo seco do sertão e com público nostálgico da cultura original. O príncipe não pode ser considerado herdeiro porque sua obra tem fontes urbanas e público cativo e apaixonado, criado em apartamentos de classe média na metrópole.


A fita mostra a difícil reconciliação do filho sempre relegado a segundo plano pelo pai pródigo em proteção material, mas avaro em afeto. Há insinuações de que nas veias do filho pode não correr o sangue do pai. Este constata a dúvida à própria mãe, que não a contesta. Depois Helena, mulher de Gonzaga, faz uma pergunta sem resposta: como ele não repete em seu ventre o milagre da concepção com o qual fora abençoado o da mãe de Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, herdeiro até do nome do rei?


Aí se revela uma falha de verossimilhança: Gonzaguinha não podia ser filho biológico de Gonzaga, que era estéril. E sabia. A biografia factual é outra história: o sanfoneiro em começo de carreira se apaixonou pela dançarina das boates da Lapa carioca a ponto de perfilhar o rebento dela, dando-lhe o próprio nome, que se tornaria famoso. A moça, Odaléa, morreu e obteve do artista o compromisso de cuidar da sobrevivência do filho em sua ausência. Mesmo sabendo que não era o pai, o sertanejo cumpriu à risca a promessa e financiou o “anel de doutor”: Gonzaguinha se formou em economia, mas nunca exerceu a profissão. Gonzaga deu o filho para a comadre Dina criar e tentou forçar o convívio dele com a madrasta, Helena, mas Gonzaguinha optou por ficar no morro de São Carlos no lar em que foi criado.


O filme é belo, pungente, chega a comover. Mas a verossimilhança falha cria problemas para o roteiro. O Rei do Baião não foi um pai ausente e insensível, mas um provedor atento, embora frio. Essa falha gera uma certa dificuldade para compreender a reconciliação. A onda da bossa nova e a febre da Jovem Guarda tiraram Lua das paradas e o astro chegou a viver em dificuldade. Foi salvo pela amiga Tereza Souza, que fez dele protagonista de campanhas das sandálias Havaiana no Nordeste e pelas atenções que recebeu de Caetano Veloso e, principalmente, Gilberto Gil, negro e sertanejo como ele.


O talento de compositor e intérprete e o carisma popular de Gonzaguinha pegaram Gonzaga no contrapé. Ele não contava com isso: um herdeiro em cujas veias não corria seu sangue. Mas foi humilde para reconhecer o talento artístico do moço que ele tentou fazer doutor. Vida de viajante, o velho sucesso de Hervê Cordovil na voz do pai, tornou possível na voz dos dois a entrada do mais velho no palco do mais novo. É bom que as plateias lotadas do Brasil se reencontrem com o autor de Asa Branca sob os holofotes do criador de Explode Coração. No escurinho de cinema os egressos do semiárido bebem a seiva de sua raiz e os cidadãos urbanos se deparam com a beleza rústica da cultura sertaneja. É importante que o Brasil das cidades se reconcilie com os grotões rurais de suas origens. Mas talvez seja conveniente lembrar que a obra, embora bela, nada tem de biográfica.”


(Publicado na Pag. D3 do Caderno 2 do Estado de S. Paulo de terça-feira 6 de novembro de 2012)