Mostrando postagens com marcador Maria Olímpia Melo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Maria Olímpia Melo. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 5 de março de 2012

Maria Olípia de Melo - Lilith


Assim como Eva, Lilith é uma figura mitológica. Encontramos sinais de sua existência nas histórias contadas por vários povos: sumérios, hebreus, gregos, mesopotâmios, judeus. Na Bíblia se faz uma rápida menção a ela e os mais ousados costumam dizer que ela foi suprimida da Bíblia porque não interessava a ninguém divulgar a existência de uma mulher rebelde e independente, de forma nenhuma submissa ao homem.

Deus criou Adão, o primeiro Homem, do barro. Sabendo o quanto era solitário viver sem uma companhia que o completasse, teve pena de Adão e criou uma companheira para ele – a mulher. E chamou a primeira mulher de Lilith. Criou-a da mesma forma que criou Adão: do barro. Mas lhes deu liberdade para viver da melhor forma que conseguissem. Eles simplesmente não conseguiram. Mal se viram frente a frente, começaram a brincar e a brigar. É que a brincadeira preferida de Adão era, através de sua força física que era maior, jogar Lilith no chão e deitar-se sobre ela. Lilith logo estrilou e gritou: assim não vale. Fui criada da mesma forma que você e não estou gostando nada dessa brincadeira. Somos iguais, dizia, mas Adão retrucava: de modo nenhum, você é inferior, essa é sua aptidão, não a minha. Eu fui criado para dominar. Lilith até que tentou, mas não conseguiu convencer Adão e então achou melhor se mandar. Adão foi choroso procurar o seu Criador dizendo-lhe que a mulher que lhe dera como companheira fugira. Deus mandou três de seus anjos buscá-la e trazê-la de volta imediatamente. Ela não voltou nem recebendo terríveis ameaças. Alguns dizem que ela se casou com Samael, um dos anjos caídos e talvez seja por isso que é vista como um demônio.

Deus não teve outro jeito para fazer Adão parar de choramingar. Como o barro próprio para fazer bonecos tinha acabado, tirou uma costela do Adão e dela fez uma mulher, aparentemente inferior e submissa a Adão, que ficou todo feliz e empolgado.

Lilith, embora não quisesse nada com Adão, ficou irada. Então o seu marido, conforme a vontade de Deus, agora se conformava com um arremedo de mulher? Encontrou em Samael um bom parceiro e os dois juntos ficaram por ali, beirando o Paraíso e tentando Adão e Eva. Não foi difícil fazê-los cair em tentação. Foi aí que se inventou a história da serpente e da maçã porque não ficaria bom para a humanidade crescer e se multiplicar sabendo que adultério era uma coisa corriqueira desde os primórdios.

Lilith era um personagem pouco divulgado, desconhecido até. Tornou-se mais presente na mídia depois que as mulheres resolveram lutar por direitos iguais – desde então passou a ser considerada a verdadeira precursora do feminismo.

Sempre gostei dessa marota subversiva. É por isso que, nesse mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a minha homenagem vai todinha para ela.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Crônica de uma cidade - Maria Olímpia Melo

De Colagens



O Jornal O Globo não é vendido em Lavras. Uma inacreditável história de dívidas e birra. As dívidas ficam por conta do representante do jornal em Lavras, que não pagou o que devia e ainda deu no pé. A birra fica por conta do jornal que considerou a dívida como sendo da cidade e não do indivíduo. E bloqueou a venda do jornal enquanto a dívida não for paga. Como o negócio não é assim tão interessante ninguém também se interessa por pagar essa dívida. E como nem assinatura pode ser feita, praticamente ninguém em Lavras lê o jornal.

Eu havia lido a notícia pela net. Eu já sabia da história. Todas as pessoas que vivem ou viveram nas cercanias de Andrelândia sabem dessa história. Os detalhes podem ser diferentes, mas a essência é a mesma. E eu vivi em Arantina, nas cercanias de Andrelândia e estudei lá por dois anos e meio, no colégio das freiras.

Minha irmã trouxe para minha mãe ler. Minha mãe é desse tempo e conhece melhor a história do que eu. Foi publicada na revista O Globo de 15 de agosto passado.

Antes de entrar no assunto, uma curiosidade: Andrelândia é a única cidade do mundo onde a família se orgulha de ter um filho veado. Porque a família é toda constituída de veados. Homens e mulheres e crianças, todos são veados.

A primeira vez que ouvi falar disso eu havia acabado de chegar no colégio e me preparava para fazer os exames finais do quarto ano primário. Em Arantina não tínhamos o quarto ano, só até o terceiro em classe multisseriada. Era a primeira vez que eu saía para passear pelas ruas da cidade, muito bem cuidada por sinal. Mas, em uma das ruas por onde passamos, rua calçada, próxima a Matriz, vi que em frente de uma casa não havia calçamento, so um retângulo de terra. Perguntei: por que na frente dessa casa não existe calçamento? Não posso garantir qual foi a resposta exata que ouvi, mas foi uma ou outra. É que essa casa pertence a um veado. Ou a um caranguejo. Isso realmente eu não me lembro. Mas garanto que foi uma ou outra. E tive aí minha primeira lição sobre a política em Andrelândia. Porque ainda hoje, nessa simpática cidadezinha, vigora o bipartidarismo: ou você é veado ou é caranguejo. Os partidos oficiais não existem, ou melhor, existem, mas são subjugados pelos outros.

Entre tapas e beijos é a chamada para a reportagem de capa que mostra a fotografia de um casal – o primeiro a ter autorização para um casamento misto. Um caranguejo macho se unia a uma veadinha. O ano, 1932. Viveram juntos por 75 anos e multiplicaram os veados pela cidade. Porque sim, foi o lado dela que assumiu o poder. Mas isso foi um acontecimento raríssimo, uma aberração. A segregação continuou por décadas.E lá aquela história ainda bem comum em nossas cidades, a história do eu faço você desfaz, ou eu fiz e você desmanchou era levada aos extremos. Outro fato interessante: hoje em dia casamentos mistos são comuns. É possível a um veado amar um caranguejo. Mas se amar é possível, votar, nunca.

A reportagem é cheia de detalhes interessantes . Detalhes que eu desconhecia. Por exemplo, hoje os veados são adeptos do PMDB e os caranguejos, acostumados a pertencerem a fauna, são tucanos.

É claro, não vou copiar nem repetir aqui as histórias dentro dessa história que o jornal conta.São frutos de pesquisa, de um trabalho jornalístico muito bom feito pelo repórter Renato Grandelle. Mas ele deu uma informaçãozinha com a qual me deliciei – é sobre o Botafogo ser o time de futebol mais popular da região. Eu não sabia que isso atingia Andrelândia mas em Arantina eu sei que é. Eu venho de uma família de arantinenses botafoguenses e mesmo os que hoje se transferiram para outros times, principalmente o Cruzeiro, continuam a dizer que são botafoguenses de família.


Nota do blog: No arraial do Junco a briga santa é entre caranguejos e tranca-ruas. Os veados foram mortos durante a povoação.