quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Cineas Santos - Um tango para Desirée

A noite era um convite a ficar: clima ameno, música de excelente qualidade e um mar de gente querendo apenas divertir-se. Lá pelas tantas, Ivan Silva e Josué Costa atacaram de La Cumparsita, a matriz de todos os tangos. Pairou no ar a dramaticidade sensual que só o tango é capaz de produzir. Não resisti à tentação de provocar a plateia: Minhas irmãs e meus irmãos, o casal de bailarinos que fizer a melhor performance receberá um prêmio especial. As pessoas entreolharam-se, mas ninguém se arriscou. De repente, do meio da multidão, apareceu um rapaz muito magro, short apertadíssimo, mini-blusa, rosto maquiado e uma surrada estola carmim. Ensaiou alguns passos, mas nem chegou a dançar. Limitou-se a desfilar languidamente diante da plateia, um tanto contrafeita. Terminada a música, ninguém o aplaudiu ou vaiou. De pilhéria, chamei-o de “Estrela Solitária”, entreguei-lhe o “prêmio”, uma simples camiseta do festival, e não voltei a vê-lo naquela noite. Era a segunda noitada do I Festival de Sanfona de São Raimundo Nonato. Uma senhora distinta aproximou-se de mim e, como se falasse em nome do público, segredou-me: “Releve, professor, é apenas uma bicha maluca que não pode ver multidão sem querer aparecer”. Limitei-me a dizer: faz parte do show,minha senhora.

Dois dias depois, ao visitar o Parque Nacional da Serra da Capivara, voltei a encontrá-lo, ao meio-dia, num beco empoeirado de Coronel José Dias. Vestia a mesma roupa e a maquiagem borrada dava-lhe um ar de pierrô tresmalhado. Não respondeu ao cumprimento que lhe fiz. Limitou-se a esboçar um sorriso triste, quase um esgar. Decididamente, um estranho no ninho.

Duas semanas mais tarde, acesso o Portal SRN e me deparo com a manchete: “Homossexual é morto com requintes de crueldade em SRN”. Temi pela sorte da “Estrela Solitária”. A foto estampada no portal justificava o meu temor: era ela. Fiquei sabendo que se chamava Renato Tavares Piauilino, mas conhecido como Renata Desirée, natural de Coronel José Dias e incômoda presença nas ruas de São Raimundo Nonato. Foi brutalmente assassinado com dois tiros de escopeta, à queima-roupa, na noite do dia 7 de setembro, nos arredores da cidade. A polícia, para variar, ainda não tem pista do(s) assassino(s). Poucos dias antes de sair de cena, Renato encaminhou uma carta ao apresentador Gugu, queixando-se da discriminação que sofria e pedindo-lhe uma casa onde pudesse viver em paz. Pretendia também fazer uma cirurgia para mudar de sexo.

Até onde sei, Renato sofria de distúrbios mentais e, quando provocado, tornava-se agressivo. Agora, já não passa de um número a engordar as estatísticas negativas. Em curtíssimo espaço de tempo, o crime brutal deverá ser esquecido. Tem sido assim em casos semelhantes. Renato foi morto por ser diferente numa terra onde o preconceito, a intolerância e a violência tornam quase todos iguais.


segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Luís Pimentel - Conversa de homem pra homem


[Começando a semana no bom humor do velho Pimenta]

Conversa de homem para homem (1)

O pai chegou em casa com ar sisudo e começou aquele papo manjado:

– Filho, precisamos ter uma conversa de homem para homem.
– Neste caso, pai – disse o menino –, não acha melhor esperar eu crescer um pouquinho?
– Não. Tem que ser hoje, agora, já.
– Tá bem. Mas posso saber o que é que está pegando?
– Como assim, “pegando”?
– Onde foi que deu zebra?
– No seu boletim.
– “Demorou”.
– Como?
– Algo errado com o boletim?
– Tudo. Não viu as notas?
– O boletim veio endereçado a você, pai. É feio violar correspondência alheia.
– Mas as notas são suas. Baixíssimas!
– Olhando por que critérios?
– Do razoável, meu filho. Do bom senso, da coerência acadêmica, das exigências mercadológicas.
– Não tem nenhuma dessas cadeiras lá no meu colégio.
– Não seja debochado.
– Não esquenta, pai.
– Não “esquenta”, o quê?
– A cuca, a mufa, os neurônios.
– Vou tirar você do colégio.
– Sábias palavras.
– Vou arrumar um emprego para você. Oito horas por dia, de segunda a sábado.
– Sujou.
– Onde você quer trabalhar?
– Câmara dos Deputados, Senado Federal, um ministério qualquer. Um lugar onde eu possa estar sempre metido em falcatruas.
– Nem pense nisto, pelo menos enquanto eu for vivo!
– Tá vendo que existem coisas piores? Relaxa, velho. Assina o boletim.


Conversa de homem para homem (2)

O filho chamou o pai, queria ter uma conversa de homem para homem:

– Pai, já sei o que vou ser quando crescer.
– Ah, é? Que bom, meu filho. Quer dizer, então, que você já se decidiu?
– Já. Pensei bastante e tomei a minha decisão. E tenho certeza de que fiz a escolha acertada.
– Muito bem. Médico? Advogado? Arquiteto?
– Não, pai. Nada disto.
– Não? E vai fazer o quê, então?
– Vou ser ministro. Que nem você.
– Que é isso, menino? Enlouqueceu de vez? Perdeu o juízo?
– Puxa, pai. Ser ministro é tão importante. Eu tenho tanto orgulho de você.
– Desista! Você é meu único filho, não vou deixar que isto aconteça.
– Não estou entendendo.
– Nem precisa, mas desista dessa idéia. Você vai ter uma profissão, nem que para isto eu tenha que trabalhar.