domingo, 9 de fevereiro de 2014

4 As lendas de Aruanda - Nascem as Religiões Híbridas Brasileiras



A pajelança era o culto praticado pelos índios que os europeus encontraram quando aportaram nas terras de Pindorama. Vistos como “selvagens” pelos invasores, um batalhão de padres jesuítas invadiu suas tribos para levar a “luz” dos ensinamentos cristãos. Dessa catequese feita a ferro e a fogo, nasceu o primeiro culto dito sincrético brasileiro, chamado de Caboclos Encantados, Encantamento ou Encantaria. Era uma mistura de espíritos caboclos cristianizados com o transe mediúnico dos pajés.

Os negros escravos fugitivos encontraram acolhimento no culto dos Encantados, onde identificaram certa semelhança cerimonial com sua religiosidade africana, principalmente no trabalho de entidades incorporadas e do culto aos espíritos. Também encontraram guarida nos cultos indígenas os praticantes de outros cultos proibidos e perseguidos pela Inquisição, como a bruxaria e a magia. Esse contato inter-racial e multicultural resultou na primeira miscigenação brasileira e no surgimento do primeiro culto híbrido do Brasil: o Catimbó.

A palavra “catimbó” tem origem controvertida, que pode ter vindo do “catimbau”, prática de feitiçaria ou espiritismo grosseiro, do “catimbao”, palavra de origem Banto cáatin-imbai, que quer dizer folha, mato, catinga ruim e ainda do indígena KAA = folhagem, erva, mato e TIMBO (Ó) = vegetal com propriedades entorpecentes, utilizada para imobilizar os peixes tornando assim mais fácil a pesca. 

O Catimbó nasceu da mistura da pajelança, dos santos católicos populares, da magia e bruxaria europeia e do culto aos orixás. Cultuava-se a jurema, árvore sagrada dos índios, cuja bebida extraída da raiz tinha alto poder de transe mediúnico, e o fumo, cuja fumaça expelida pelos pajés possuía o poder de curar as doenças. Durante o transe, a alma viajava pelo mundo dos espíritos, onde o pajé interagia com eles no processo de cura.

Assim como a cultura indígena foi massacrada pelos colonizadores, sua teogonia também foi pulverizada na desintegração das tribos primitivas pela cultura dos brancos, tal qual o que se deu e ainda se dá com o embranquecimento das religiões africanas. Como o índio transmitia seus ensinamentos religiosos e tradições culturais através da oralidade, não há registro escrito e pouco se sabe de suas práticas culturais e religiosas durante o período de colonização. Sabe-se, porém, que o Catimbó de hoje perdeu o ideário religioso de matriz indígena e passou a ser um culto mágico, cujos rituais de magia se aproximam da prática Wicca, (religião neo-pagã europeia, influenciada por crenças pré-cristãs, existência de poder sobrenatural e dos princípios físico-espirituais do feminino e masculino que integram a natureza e celebram o ciclo da vida), e sua base religiosa passou a ser os preceitos e santos católicos, onde se usa óleos, água benta e objetos litúrgicos. Mantiveram a prática do culto aos espíritos, porém os pajés foram substituídos por Mestres que incorporam eguns (espíritos dos mortos). 

Dos rituais indígenas primitivos foram preservados o trabalho com folhas, a fumigação com fumaça de cachimbos e fumos preparados com elemento mágico de difusão e o culto à árvore Jurema, o que levou a ser rebatizado para Catimbó-Jurema. 

Essa árvore sagrada não se trata da Jurema Cabocla da Umbanda. Esta é uma entidade vibratória, filha do Caboclo Tupinambá e que trabalha em ambientes da Natureza. O Catimbó se difundiu dos sertões e agrestes nordestinos para o litoral, enquanto a Umbanda é uma religião genuinamente urbana.

Apesar de hoje não haver elementos ou ritos que incluam o Catimbó como um culto afro-brasileiro, foi do Catimbó primitivo que derivou a maioria das religiões de culto aos orixás, tais quais, o Tambor de Minas, o Babaçuê e o Batuque. 

N.A. - Aqui encerro as considerações sobre os precursores da afro-religiosidade brasileira. A partir dos próximos tópicos, trataremos das religiões propriamente ditas e depois, dos orixás. A intenção deste escriba não é a de discutir dogmas ou entrar na seara ideológica religiosa, mas apenas de trazer à tona a parte histórica existente a cada toque dos tambores nos terreiros ou tendas espíritas.

Besta... eu?!

Há aqueles que pensam que o besta já nasce besta. E que o sabido, já nasce sabido. E ainda há quem afirme que existem casos piores, como o tal da besta quadrada. Nem uma coisa, nem outra. Todo mundo nasce besta. Besta quadrada. O mundo é que nos arredonda. Ou não. Há sempre os “sem-jeito”, descrito em belas palavras por Nosso senhor Jesus Cristo em uma das suas parábolas.

Eu nasci besta. Depois de muito apanhar, virei um “sem-jeito”. Já o meu irmão mais velho...

- Cadê o carrinho de madeira que seu tio Ascendino fez pra você? – perguntou a mãe.
- Eu vendi pro Dilso.
- Você teve a coragem de vender um presente?! Cadê o dinheiro?
- Taqui!  – Tirou do bolso um monte de cédulas e entregou à mãe. Ela conferiu, aplicou um cascudo nele e esbravejou:
- Seu moleque besta! E isso é dinheiro?! Isso aqui é só papel de carteira de cigarro! Vá atrás do Dilson e pegue seu carrinho de volta. E vai ficar uma semana de castigo pra deixar de ser uma besta quadrada!

O castigo surtiu efeito. No dia nove de abril de 2014 ele vestiu o fardão da Academia Brasileira de Letras.