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domingo, 6 de setembro de 2020

Independência ou morte


Um dia o infante acreditou
Que todos os problemas da nação
Se resolveriam sem maiores delongas
Com baioneta e fuzil à mão.
Baioneta mais cega
Do que a fé do povo
Fuzil sem munição,
Embornal furado e oco.
- Quando o inimigo chegar
O que faremos, capitão?
- Ora! Atirem-lhe ovo!

sexta-feira, 27 de março de 2020

NA NOITE QUE NÃO MORRI

Na noite que não morri
Acendi uma vela para São Luiz,
Outra para São Pedro e São João
E também São Cosme e Damião.
Outra para São Carlos e São Benedito,
E mais uma para Santo Expedito;
E outras e outras e outras e tantas
Para todos os anjos, santos e santas.
Não sei quantas velas acesas,
Queimando em cima da mesa,
Tantos fósforos queimados
(Diria meu pai: dinheiro rasgado!).
Foram feitos pedidos tantos,
Que preferiram todos os santos
Me chamar a confabular no Céu
Antes que se criasse um escarcéu.
Então descobri peremptoriamente
Que morri numa noite, e justamente,
quando jurava que não morri.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Flores Mitológicas

No início do novo milênio achei eu de andar por esses grupos de literatura, que, à época, eram os canais sociais dos pseudo-escritores. Havia muita gente boa, gente mais ou menos, e muitos que se achavam o bam-bam-bam do pedaço, mas com o incrível defeito do "eu só me basto". Foi num desses grupos que Mário Prata escreveu o livro "Os anjos de Badaró". Ou melhor, escreveram para ele.
Um desses "metidos" resolveu atravessar o meu caminho, numa "metidez" sem limites, então lhe respondi em forma de poesia:




FLORES MITOLÓGICAS

Para os caçadores de métrica e bajuladores de riqueza vocabular
Em detrimento da dialética platônica e da singeleza melódica da poesia.
.

Que queres tu, ególatra e mitológica criatura,
Que por mim indagas sem o querer saber?
Refutas servil antes da pergunta acontecer
Avocando o inepto direito da brilhantura.

Como os hematófagos habitantes das cavernas
Tramando o golpe às suas vítimas inocentes,
No anonimato da noite limam os seus dentes
Em generosos pescoços e suas veias externas.

Assim é teu proceder na traição aos teus pares
Na arrogância nefasta aos morcegos outorgada
Anomalia soturna na cintilante noite aviltada,
Por salivas e presas de palavreados vulgares.

Ó, Narciso, ao teu umbigo não ousas olhar!
O espelho é a tua fascinação mais íntima;
Aos amigos, a mudez das palavras ínfimas
E o lúgubre refrão “só vivo para me amar”.

De Baudelaire, envio-te as flores do mal,
De Ginsberg, presenteio-te um sonoro uivo.
Tu, que recusas olhar para o próprio umbigo,
Deixo-te Dante com sua viagem infernal.

Oferto-te um buquê de rosas rubras dialéticas
Cingidas em chumbo das balas dos canhoneiros
No último combate dos corsários aventureiros,
Dissimulados no silêncio da amplidão internética.

Dou-te o cravo vermelho usado na lapela
Do teu fétido e infecto paletó mortal,
Compondo as flores do teu vil funeral
De carpideiras mordazes de tez amarela.

Ofertarei uma moeda de bronze por esmola
Quando o esquife em cortejo por mim passar
Assim poderás ao barqueiro do Hades pagar
A lúgubre travessia levando-te, de vez, embora.

As veredas que deixaste não importam mais,
Nem as flores dos Guimarães por ora maltratadas,
Rosas silvestres, melancolicamente despetaladas,
Orquidácias negras remanescentes das Gerais.

Este é o meu réquiem embalando tua catatonia,
Confortando tua negra alma no barco de Caronte
Antes do encontro final com diabos monocerontes
A quem prestarás contas das arrogantes vilanias.




segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Utopia

Uma senhora dormiu numa poltrona de um shopping center, alguém viu, fotografou e fez umas montagens ridículas. Depois postou no Facebook. Dezenas de milhares de compartilhamentos. Centenas de comentários jocosos que mais pareciam hienas arreganhando os dentes. No meio de tantos urubus ávidos por carniça, surgiu uma voz dissonante, condenando o que se fazia com a pobre senhora. Foi massacrada, vilipendiada, escorraçada pelos que se achavam no direito de rir da gente humilde, embora ela tivesse um poder de resistência descomunal.

Fiquei animado com a feliz constatação de que o mundo ainda pode ser salvo por gente que em um repente levanta a voz contra as indecências dos presunçosos. Ainda há gente com capacidade de se indignar. Poucas pessoas, mas há. E por isso, uma ode à sua coragem de enfrentamento e recuo estratégico.

Utopia
Para Mariana Escopel, com a devida vênia por não ser mais enfático na sua defesa.

Meus sonhos são ilhas vulcânicas
Soterradas em águas profundas
De mares sujeitos a abalos sísmicos.
Não há correntes marinhas
Transportando garrafas de náufragos
Prenhes de quimeras e utopias
Para além do reino de Poseidon.
Nem golfinhos de Palêmon salvando afogados,
Nem cavalo-marinho da amplidão oceânica
Cavalgando vales e surfando tsunamis
Desfraldando minha bandeira utópica
Soterrada em sete toneladas de magma
Rota e violada em seu afeto moral.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Tempo da Velhice

Segundo Maricas Coxeba, no dia 21 próximo fico a um ponto para gozar do estatuto do idoso. Segundo a minha mãe, a escrivã da minha terra dormiu no ponto, se embebedou com água de pote, e me fez nascer um mês antes. Mas, pelo sim, pelo não, mereço uma poesia a mim mesmo, nenão? Sem falar que depois dos sessenta, além de não pagar transporte urbano, agora também tem cinema de graça. Obááá! Mas, antes de desdenhar da minha idade, lembre-se que o que vale é a idade mental. E nessa, a minha mãe ainda diz: "Meu filho, vê se cresce!"

TEMPO DA VELHICE

Já se falou bastante
Sobre coisas e sobre tudo.
Contudo não se disse tudo
A respeito do Tempo
E da Velhice
Que é o Tempo relativo
E reina absoluto sobre as coisas.

O novo d’agora
É o maduro de mais tarde,
E o senil de amanhã,
Não importando as quantas
Ande o Tempo
(se para frente ou para trás
para esquerda ou direita
para cima ou para baixo)
pois já nascemos velhos.

Um velho elefante africano
De porte físico invejável,
Acorrentado no gran-circo
Inveja a sorte juvenil
Do frágil mosquito
Pousado na tartaruga.

Por sua vez, o mosquito,
(que morrerá de velhice
na semana seguinte),
Ao picar a tartaruga
Em seu pescoço centenário
Sugará o sangue
De uma adolescente.

Que sabe do Tempo o colibri
Na sua conversa com as flores?
E a Rainha Assassina,
Envolta em geléia real,
Dirá ao inditoso Zangão,
Que ele não conhecerá a velhice?

O Tempo da Velhice
Ganha forma em sua plenitude
Quando levamos nossos filhos
Para dar pipoca aos macacos
E eles, inocentes, dizem:
“Painho, o meu sapato apertou!”

Por trás desta inofensiva sentença
Resolvida em uma sapataria,
Manifesta-se a retórica do Tempo
Apertando os invisíveis calos
Da nossa velhice latente.

domingo, 4 de janeiro de 2015

A musa proibida



Vieste pisando macia em pegadas sutis
O meu colo envolveste para meus beijos roubar
Cantaste suaves acalantos para a noite seduzir
E vestir o céu o seu mais áureo luar.

Musa dos meus dezoito anos, assim te fiz em seguida.
Da aurora utópica entre o sagrado e o mundano
Ao léu das dores que consomem a nossa vida
Fizeste do meu coração o teu poeta profano
Para depois tornar-te minha musa proibida.

E hoje, mais do que nunca proibida estás
Como a maçã que expulsou Eva do Paraíso
Nem mais teus anseios me permitem afagar
E devolver à tua boca o teu cálido sorriso.

É como pintar o teu rosto em contornos coloridos
Sem tua hierática face ao mundo revelar
Nem esculpir a profundeza do teu âmago ferido
Pela lanceta contundente do querer amar.

Ou escrever-te  a mais lírica poesia
Sem poder o coração chamar-te de amor meu.
Meu bem-querer que mal nenhum me querias
E quanto bem-querer te quero eu!

Impedido estou de revelar-me por inteiro
Logo eu, o teu mais real e sincero poeta!
E desnudar-te no afã dos delírios passageiros
Dos longos sussurros das nossas almas em festa!

Assim, ó musa proibida, inspiração reluzente
Do meu divagar lascivo e devaneios em chamas,
Abrevio este poema de versos ardentes
Porque não posso abreviar esta dor insana
Da dilacerante presença da tua saudade latente.