sábado, 31 de outubro de 2009

Convenção das Fadas



Por Leila Barros




Enquanto alguns paulistanos desvairados decoravam seus locais de trabalho e – pasmem – seus lares também, com toda aquela parafernália bruxolística, longe de tudo isso, em um sítio perto da represa de Guarapiranga algumas fadas se reuniam para iniciar a 1ª Convenção das Fadas Brasileiras, um movimento puramente anti-Halloween.


– Ângelus, cânticos celestiais, perfume de lavanda, cores de arco-íris, fadas, querubins e seres afins, unamo-nos contra essa festa sacana e tipicamente americana! Viva as fadas da floresta amazônica, os vaga-lumes, as selvas tropicais, as vitórias-régias encantadas, o folclore nacional!


E nesse ínterim, as fadinhas se preparavam para o evento:


– Esse negócio de Halloween já encheu os... ops! Desculpe-me essa linguagem imprópria, mas é que não aguento mais ver bruxas estilizadas, vampiros, fantasmas, esqueletos e morcegos pendurados aqui no escritório!

– Calma Vica! Estamos em pleno mês de Outubro! Isso é normal em todos os escritórios da cidade!

– Você acha normal furar uma abóbora que fica com uma cara de Dona Doida para enfeitar uma festa? E depois, Arlene, nós precisamos agir depressa, ou no ano que vem teremos novamente esse conglomerado de esquisitices que nada tem a ver com nossos costumes e tradições. Acho que vou roubar uma abóbora dessas e cozinhar com jabá!

– Não faça isso, Vica! Vamos logo para o local do encontro que no caminho eu faço uma recarga no celular e ligo para todas as outras fadas!

– Caramba Arlene! Vamos ter de ir de trem até bem próximo da represa, pois está um trânsito terrível!

– Em todos os outros países as fadas podem voar! Aqui no Brasil a gente tem de andar de trem! Que fiasco!

– Não dá para pegarmos uma vassoura emprestada, Arlene?


“Às vezes eu acho que essa fada pagodeira está se passando para o lado dos aficionados pelo Halloween!” Arlene pensou e quase deixou escapar!


– Vamos Vica! Hoje é trinta de outubro e temos que iniciar o projeto exatamente às 18:00 horas!


Sem vassouras, sem truques e sem morcegos, as fadas brasileiras iniciaram sua convenção.


Saudações iniciais foram feitas por todas as fadas: celtas, belgas, inglesas, suecas, etc.


Obviamente elas discursaram em inglês. Mas havia legenda.


Saudações das fadas brasileiras:


“Saúdo-vos Fauna e Flora do Brasil, golfinhos, vitórias-régias, ninfeáceas, araras e jabuticabeiras em flor. Acolham nossas saudações e aclamem como o Dia das Fadas todo dia 30 de outubro... Transformem-nos nesse dia em borboletas brancas para que possamos neutralizar os efeitos do Halloween em cada um dos desatinados brasileiros que não sabem nem pronunciar Réloin...”


E assim foi feito... A partir de então, todo dia 30 de outubro um panapaná de borboletas brancas segue voando por todo o Brasil, encantando pessoas e neutralizando nelas aquele olhar vidrado, meio abóbora, meio perdido.


Bailam corujas e pirilampos, entre os sacis e as fadas...





quinta-feira, 29 de outubro de 2009

‘PÉROLAS’ AOS TOLOS


Por Cineas Santos






Afirma-se, com incontido orgulho, que o senso de humor, a irreverência, o escracho, a alegria e o jeitinho são os atributos que distinguem o brasileiro dos demais terráqueos. Com estardalhaço, criou-se o mito do brasileiro feliz, e a coisa vingou. Não por acaso, o poeta Maiakovski escreveu: “Dizem que em algum lugar, /parece que no Brasil,/ existe um homem feliz”. É certo que, vez por outra, aparece um louco para “desafinar o coro dos contentes”, ou um coração machucado para implorar: “Tire o seu sorriso do caminho/ que eu quero passar com minha dor”. Mas a tônica é alegria, alegria!


Confesso que a “obrigação” de andar com os dentes à fresca me deixa um tantinho incomodado. A bem da verdade, esse humor fácil e apelativo, que se exibe na TV e na internet, mais me aborrece que diverte. Para o meu gosto, não há nada mais deplorável que as “pegadinhas” e as “videocassetadas”, sucesso retumbante entre nós. Aprendi com dona Purcina que não se deve rir de quem cai, de quem sofre, de quem erra. Vamos tomar o seguinte exemplo: o garoto assiste na TV à cena de uma criança escorregando do balanço e enfiando a cara no chão. Não se mostra o choro da criança nem a gravidade da contusão; mostra-se a claque sorrindo e o apresentador berrando: “Ô meu, vai gostar de terra assim no inferno”. Um dia, esse garoto leva o irmãozinho menor ao parque e, lá pelas tantas, ele escorrega e cai. Qual será a reação daquele moleque? Vai sorrir por não entender que aquilo é um acidente e não uma brincadeira. Muito pedagógico, não?


Estamos popularizando, por todos os meios, o escracho, a grossura, a vulgaridade e o mau gosto como manifestações de humor. Agora mesmo, acabo de ver na internet um e-mail com “as pérolas do ENEM”. Trata-se de um amontoado de disparates escritos ou atribuídos aos que se inscrevem no exame. Em primeiro lugar, uma pergunta pertinente: quem “vaza” tais disparates para a mídia? Outra perguntinha inofensiva: é lícito fazê-lo? Poderíamos fazer mais uma dúzia de indagações, mas isso não nos ajudaria a entender os objetivos perseguidos com a divulgação desse material que, até onde sei, deveria permanecer sob a responsabilidade do MEC.


Não é a primeira vez que tenho acesso a essa lista infame. Num programa de TV muito popular, o apresentador diverte a plateia lendo as “pérolas” e acrescentando comentários jocosos. Sucesso garantido. Sou obrigado a confessar que me sinto profundamente incomodado com essa maldita lista. Como sou professor, cada vez que leio um disparate escrito por um aluno (que nem conheço), sinto-me um tantinho responsável por ele. Sou uma espécie de coautor. O raciocínio é bastante simples: se nós professores tivéssemos nos empenhado um pouquinho mais, talvez poupássemos esses pobres alunos de terem seus disparates expostos na mídia como objeto de chacota. Vou um pouco além: se a educação fosse levada a sério em nosso país, os governantes, a sociedade, a mídia, todo mundo começaria a perceber que alguma coisa precisa ser feita com a maior urgência. Essa molecada que escreve bateladas de bobagens é vítima de uma escola que os trata como retardados. A mídia, notadamente o rádio e a TV, encarregam-se de fazer o resto.


Para demonstrar minha indignação de forma clara e veemente, peço permissão aos meus três leitores para encerrar essa arenga com uma piada infame, que também circula na internet: “Quem acha tudo gozado é camareira de motel”.





quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Leituras inesquecíveis IV:



As fotonovelas, os livros de bolso, as revistas em quadrinhos.

Por Edna Lopes



“Se a gente não tivesse feito tanta coisa, se não tivesse dito tanta coisa, se não tivesse inventado tanto, podia ter vivido um amor grand’hotel.”
[Grand' Hotel Kid Abelha]


Uma das lembranças mais deliciosas da minha história de leitora é a da primeira fotonovela, porque com ela veio junto a novidade de morar na cidade, o encanto pela imagem de TV, a magia do cinema. Ao mesmo tempo passei a frequentar a biblioteca pública e nela havia mais que uma estante tosca. Havia centenas de livros esperando para serem lidos por quem gostasse da aventura de viajar pelas letras.



Tinha 12 anos e peguei de minha irmã mais velha uma GRANDE HOTEL. Achei o máximo. Eu, habituada a ler tudo que me caía na mão, ia recusar aquela beleza? Como eram bonitas as mocinhas e os galãs das fotonovelas! Cabelos incríveis, roupas elegantes... Eu queria ser Michela Roc, Katiuscia, Claudia Riveli, tão lindas com seus cabelos enormes, jeitinho de moças boazinhas, merecedoras do amor daqueles príncipes todos. Não consigo lembrar muita coisa, mas havia umas revistas coloridas lindas e umas com fotografias em preto e branco, que eram as minhas favoritas.


Foi uma revolução na minha vida de leitora. Eu, que devorava os livros e dava voltas na imaginação fantasiando cada personagem, tinha-os ali, prontinhos, inteiros, lindos, “falando”, “pensando”, abraçando, beijando, vivendo! Aquilo era mais do que eu havia imaginado com A Moreninha, com Ceci ou Iracema ou mesmo com a Escrava Isaura.


Adulta, li por aí a opinião de que as fotonovelas prestaram um desserviço às adolescentes da época, pois viviam num mundo de fantasia, sonhando com um “amor Grand’Hotel”, idealizando um príncipe que nunca chegava. Permito-me discordar. Sinceramente, me diverti muito lendo-as e não quero psicologizar nem atribuir a responsabilidade da construção do ser afetivo de quem quer que seja a leituras, a televisão ou ao cinema. Como referência, apenas a minha experiência e considero-me normal, fantasias no tempo certo, expectativas apenas de mim mesma, do que sou, do que sinto.


O engraçado é que a fotonovela parecia mesmo ser de uma dimensão unicamente feminina, pois não via homem nenhum lendo tal revista. Meninos da minha idade liam TEX, revistas de super-heróis (Batman e Robin, Super-Homem, Homem Aranha...), que eu também não dispensava, se me caíam nas mãos. Hoje muitos homens admitem que liam as fotonovelas escondidos, temerosos em por em dúvida a masculinidade, se descobertos.


Mas, do “mundo deles”, absorvi o gosto pelos livros de bolso. Lia todas aquelas séries e me lembro de algumas: Chumbo Grosso, Oeste Perigoso, Colt 45, Oeste Beijo e Bala... Hilárias estórias que me divertiam muito e, como eram baratinhos, vivíamos comprando e trocando, comentado entre nós as besteiras ali escritas. Os filmes de “western”, na TV, eram o estímulo para continuar lendo, pois as tramas eram muito parecidas e eu aprendi a amar John Wayne, Clint Eastwood, Giuliano Gema e outros que nem lembro mais.


Nesse período vi, num telão do clube da cidade, o filme Vidas Secas. Fiquei muito impressionada, muito comovida com o drama, pois descobri em Fabiano e Sinhá Vitória rostos tão meus conhecidos, tão reais e tão próximos que chorei a maior parte do filme. Passei a ler o mestre Graciliano, meu conterrâneo, e sofri muito com todo aquele universo fortemente marcado pela necessidade de quase tudo. Era a realidade que me cercava e me doía na alma. Adulta, reli algumas obras, com um olhar mais maduro, menos emotivo.


Das revistas em quadrinho, sou fã incondicional até hoje. Morro de rir com as trapalhadas do Donald e do seu vizinho Silva, adoro o Peninha e seus alter egos, o impagável Professor Pardal e tantos, tantos outros personagens que a partir daí povoaram a minha vida de leitora. Um universo fantástico que não me cansei e não me canso nunca de explorar, pois Bolinha e Luluzinha, A Turma da Mônica e todos os personagens de Maurício de Souza, serão sempre eternos parceiros de aventura de quem respeita a criança que há em cada um de nós.


Indícios da síndrome de Peter Pan ou do Complexo de Cinderela? Os dois juntos? “Hei! deixe que digam, que pensem, que falem...”



segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Os dois ladrões



Por Antonio Torres





O primeiro era apenas um Zé, ou Zé Preto, O Zé do velho Loló, chamava de “Papai Lolô”, embora não fosse seu filho. Nunca se soube quem foram os seus pais, nem se chegou a conhecê-los. Corria a lenda de que aquele Zé havia sido encontrado numa porteira, dentro de um cesto. Outro mistério envolvia o seu achamento: largado nu e solitário, ele no entanto sorria. Como se fosse a criança mais feliz deste mundo.


A bem da verdade, eu ainda não havia nascido quando isso aconteceu, se é que essa história não foi pura imaginação de um povo que vivia inventando histórias para espantar o medo da noite ou para não perder o juízo. O certo é que, quando me dei por gente, Zé Preto já era um meninão grande, forte e risão. Nós, os garotos menores meus primos e eu vivíamos brincando com ele. Aquelas coisas da roça: bater perna pelos pastos, caçar passarinhos, pegar canário, armar arapuca para codorna, pescar no riacho, subir em pé de umbuzeiro, espetar tanajura. E foi assim que o conheci: já o Zé de Papai Lolô e Mamãe Adelaide, que vinham a ser os meus avós, paternos. Logo, ele era como se fosse meu tio. Meu tio preto.


E assim ele cresceu: trabalhando a terra na enxada e no arado, cuidando do gado, fazendo os mandados. Até tornar-se o carreiro de bois, a transportar sacos de feijão e de milho, carradas de areia e de madeira (e gente também) pra todo lado. E como aquele carro de bois cantava nas estradas! A meninada adorava pegar uma carona nele. Não, Zé Preto não era apenas um agregado do meu avô. Era um amigo.


Um dia fez-se a desgraça. Alguém das vizinhas deu falta de uma galinha e cismou que o Zé a havia roubado. Alvoroço no povoado. Soldados no seu encalço. Zé foi apanhado na roça em que sempre esteve e levado aos empurrões e pontapés para a delegacia, onde um sargentão truculento o aguardava com uma palmatória que devia pesar um bom meio quilo.


“Confessa negro” o interrogatório do sargento era feito ao som das palmadas, que se alternavam de u’a mão à outra. E as mãos do Zé iam engordando, inchando, estourando. E ele, os olhos se esbugalhando, jurava por tudo quanto era santo que não havia roubado galinha nenhuma. E quanto mais negava, mais apanhava. Tome soco, chute, bordoada. Quando meu avô chegou para tentar libertá-lo, encontrou-o desmaiado. Zé morreu um ano depois. Jamais se soube se das pancadas ou de desgosto. Ou das duas.


O outro era ladrão mesmo. Roubava gado. Chamava-se Dominguinhos, filho do velho Domingos, um fazendeiro endinheirado. Nunca foi apanhado. Quando as denúncias começaram, ele caiu no mundo o maravilhoso mundo da impunidade. E esta é apenas mais uma história de ladrões cuja moral já se tornou clássica.







domingo, 25 de outubro de 2009

Entrevista de Aleilton Fonseca ao Leituras - Tevê Senado



Entrevista do escritor baiano Aleilton Fonseca ao programa "Leituras", da Tv Senado, sob a batuta do também escritor e jornalista Maurício Melo Júnior, o qual tive a honra de dividir uma coletânea de contos alagoanos na bienal de Maceió, em 2007,pela Editora Bagaço, e que pode ser encontrado em todos os aeroportos do país, com o nome O CONTO DE ALAGOAS e custa trinta reais o exemplar, uma pechincha. O curioso é que Maurício e eu não somos alagoanos. Maurício é de Pernambuco e eu tenho um pé no Pelô.

O livro do Aleilton Fonseca chama-se "O Pêndulo de Euclides" e, além de ser mais uma boa oportunidade de se mergulhar nas águas do Açude de Cocorobó e de se pescar às margens do Vaza-Barris, é uma boa opção de presente de fim de ano.

Se você é daqueles ou daquelas acostumados (das) a dar disco de Roberto Carlos de presente de Natal, já viu que o Rei não está com nada. Há mais de dez anos que vem se repetindo, sem criar nada de novo. Então prove que é inteligente virando o lado do disco e aproveite para provocar Mário Quintana na sua afirmação de que o pior analfabeto é o que sabe ler e não lê: dê livro de presente e faça um analfabeto sair dessa triste estatística quintaniana.