sábado, 26 de novembro de 2011

Amélia, a pedra no sapato no relacionamento de Mário Lago e Ataulfo Alves

Nos cem anos de Mário Lago, o pai biológico da Amélia, tão festejado pela mídia, não poderia deixar passar em brancas nuvens esse dia. Trago aos leitores do blog mais uma história de bastidores da nossa MPB, desta vez um depoimento de Ataulfo Alves, o pai adotivo da Amélia (conforme vocês verão, Mário Lago fez e Ataulfo criou), onde ele esclarece certas coisas a respeito do nascimento da mulher de verdade. Esse depoimento faz parte de um registro em LP, em 1969, de uma entrevista de Ataulfo Alves, concedida a Ilmar Carvalho, Ary Vasconcelos, Sylvio Túlio Cardoso e Ricardo Cravo Albim, no Museu da Imagem e do Som, no dia 17 de novembro de 1966. Acompanhado do seu violão, ele conta a história de sua trajetória musical e interpreta várias músicas, porém, hoje, é o centenário do seu parceiro, e não do grande compositor e sambista de Miraí, portanto, só tem o áudio da parte que ele fala de Amélia, que, apesar de ser a mulher de verdade, foi a pedra no sapato entre os dois ícones da nossa Música Popular Brasileira.

Para ouvir, basta clicar abaixo:

Cineas Santos - A arte de maltratar poetas

Houve uma época em que os poetas eram conhecidos como vates, ou seja, pessoas capazes de fazer vaticínios, previsões, adivinhações. Tempos idos. Certa feita, Mário Quintana, poeta em tempo integral, escreveu no Caderno H: “Maltratar poetas é indício de mau caráter”. A breve sentença tinha um quê de premonição: o poeta parecia adivinhar que, na Internet, ainda “no ventre das expectativas”, seria ele o mais maltratado dos poetas brasileiros. Internautas inescrupulosos atribuem a Quintana toda sorte de literatice. Agora, por exemplo, faz enorme sucesso, entre os incautos, esta pérola atribuída ao poeta: 

"Deficiente é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino”. Alguém que já tenha lido pelo menos um poema do Quintana poderia imaginá-lo escrevendo algo desse tipo? Os falsários não se limitam a atribuir textos ordinários a Poeta; adulteram, criminosamente, poemas conhecidos como o “Seiscentos e sessenta e seis”, que se inicia assim: “A vida é um deveres que trouxemos para fazer em casa”. No texto que circula na internet foi acrescido um punhado de versos que destoa complemente do restante do texto. Ao vinho de boa safra misturou-se água poluída. 

Poderia servir de consolo o fato de Mário Quintana não estar sozinho no calvário das falsificações. A lista é imensa e nela figuram de J. L. Borges a Frederico Garcia Lorca, passando por Drummond, Mário de Andrade e muitos outros. Entre os prosadores, os campeões absolutos são Luís Fernando Veríssimo, G. García Marquez e, no momento, Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu. Qualquer sentença ambígua ou “inteligente” é atribuída a um dos dois ou, simultaneamente, aos dois. Dia desses, uma jornalista postou no facebook uma “frase espirituosa” assinada por Clarice & Caio. Acabava de inventar mais uma dupla fantasma.

Na semana passada, conversei com um amigo letrado sobre o assunto. Ele me garantiu que, na UnB, há psicólogos sérios estudando esse estranho fenômeno que desafia o bom senso. Ainda não se chegou a um consenso.

Bem, como não sou psicólogo nem sério, arrisco aqui alguns palpites: 1 -Trata-se de um infeliz com tamanho complexo de vira-lata cotó que nem se assume como autor das próprias baboseiras. 2 - Pode ser um cretino tão pretensioso que, por se julgar no mesmo patamar dos grandes autores, toma-os como “bondes” para veicular suas preciosidades. 3 - Não descarto a possibilidade de ser um safado gozador que, sabendo serem os internautas, em sua maioria, gente leituras rasas, resolve tirar sarro com a cara de meio mundo. Se alguém aí tiver explicação melhor, que se habilite.



quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Luís Pimentel - Bip Bip, meio bar, meio útero


Gosto de homenagear, neste espaço, músicos brasileiros. Desta vez eu festejo um bar. Um bar onde se respira música. Música brasileira; sobretudo, a música carioca. Inaugurado no dia 13 de dezembro de 1968, em Copacabana, no Bip Bip acontece, todo domingo, há mais de 30 anos, a melhor roda de samba da cidade.

Já escrevi que o Bip não é bar. É útero. Quentinho, macio e aconchegante, como imaginamos que seja o bucho da mamãe (psicanalistas mais afoitos garantem que a gente continua lá). E tem mais um ponto de identificação: de vez em quando nos deixa naquela água.

Já foi dito que o bar é o segundo lar. No caso do Bip-Bip, a serviço permanente do porre e da amizade sem fronteiras (é um tal de se esbarrar com estrangeiros perdidos entre batidas e cervejinhas), é o primeiro para muita gente boa. Tudo isto com as desconfortáveis faltas que o útero da mamãe nos faz. Existe a falta de espaço, temos a pentelhação de alguns irmãos e o desfilar maroto das “maninhas” rolando nas cantorias, o que deixa a gente com um desejo enorme de praticar o incesto. As mesas são fartas. Como na velhíssima piada, “farta tudo”. Mas sobra amor.

Músicos generosos como Chico Genu, Paulinho do Cavaco, Flávio Feitosa, Alex, Marcelinho, Manu, Ismael, Bené e muitos outros tornam as noites do Bip mais doces; são todos nossas mães. Dão colo para a alma e os ouvidos e não reclamam nem quando um rebento mais (des) mamado despenca sobre as mesas e os instrumentos.

Nas paredes do Bip Bip convivem em perfeita harmonia o passado, o presente e o inusitado.

Brilham nas paredes, repletas de fotos e caricaturas do Alfredinho, também amigos da casa e da música como Cristina Buarque (embrião primeiro e pioneiro), Walter Alfaiate, Aldir Blanc, Elton Medeiros, Mário Lago, Nelson Sargento, Moacyr Luz, Clementina de Jesus, João Nogueira, Cartola, Carlos Cachaça, Chico Buarque, Wilson Moreira, João Bosco, Naná Vasconcelos, tanta gente. Tempo e espaço se fundindo, se integrando, convivendo, convivendo, convivendo.

Se essas paredes falassem, ia ser muito bom de se ouvir. O Bip é um excelente lugar para se viver (até porque, é confuso e desorganizado, como a vida) e possivelmente seja um bom lugar para se morrer, com os gritos do dono da casa comandando o gurufim.


quarta-feira, 23 de novembro de 2011

29 anos sem Adoniran

O dia de hoje não poderia passar em brancas nuvens, pois é a data de aniversário de morte de um dos ícones da Música Popular Brasileira: Adoniran Barbosa. Abaixo, um encontro antológico de Adoniran e Elis Regina, num desses “botecos” da vida, o Bar da Carmela, no Bexiga , em São Paulo, no ano de 1978. 
O cidadão sentado à esquerda da Elis, com cara de tanquense, é o grande jornalista Audálio Dantas.
Também a biografia de Adoniran condensada do site “Wikipédia”.



João Rubinato, (Valinhos, 6 de julho de 1912 — São Paulo, 23 de novembro de 1982), mais conhecido como Adoniran Barbosa, foi um compositor, cantor, humorista e ator brasileiro. Ficou conhecido nacionalmente como o pai do samba paulista.

Rubinato era filho de Ferdinando e Emma Rubinato, imigrantes italianos da localidade de Cavárzere, província de Veneza. Aos dez anos de idade, sua certidão de nascimento foi adulterada para que o ano de nascimento constasse como 1910 possibilitando que ele trabalhasse de forma legalizada: à época a idade mínima para poder trabalhar era de doze anos.

Abandonou a escola cedo, pois não gostava de estudar. Necessitava trabalhar para ajudar a família numerosa - Adoniran tinha sete irmãos. Procurando resolver seus problemas financeiros, os Rubinato viviam mudando de cidade. Moravam primeiro em Valinhos, depois Jundiaí, Santo André e finalmente São Paulo.

Em Jundiaí, Adoniran conhece seu primeiro ofício: entregador de marmitas. Aos quatorze anos, ainda criança, o encontramos rodando pelas ruas da cidade e, legitimamente, surrupiando alguns bolinhos pelo caminho. "A matemática da vida lhe dá o que a escola deixou de ensinar: uma lógica irrefutável. Se havia fome e, na marmita oito bolinhos, dois lhe saciariam a fome e seis a dos clientes; se quatro, um a três; se dois, um a um".

Tenta, antes do advento do rádio, o palco, mas é sempre rejeitado. Sem padrinhos e sem instrução adequada, o ingresso nos teatros como ator lhe é para sempre abortado. O samba, no início da carreira, tem para ele caráter acidental. Escolado pela vida, sabia que o estrelato e o bom sucesso econômico só seriam alcançados na veiculação de seu nome na caixa de ressonância popular que era o rádio.

Entrega-se ao mundo da música. Busca conquistar seu espaço como cantor – tem boa voz, poderia tentar os diversos programas de calouro. Já com o nome de Adoniran Barbosa – tomado emprestado a um companheiro de boêmia e de Luiz Barbosa, cantor de sambas, que admira – João Rubinato estreia cantando um samba brejeiro de Ismael Silva e Nilton Bastos, o Se você jurar. É gongado, mas insiste e volta novamente ao mesmo programa; agora cantando o belo samba de Noel Rosa, Filosofia, que lhe abre as portas das rádios e ao mesmo tempo serve como mote para suas composições futuras.

A vida profissional de Adoniran Barbosa se desenvolve a partir das interpretações de outros compositores. Embora a composição não o atraia muito, a primeira a ser gravada é Dona Boa, na voz de Raul Torres. Depois grava em disco Agora pode chorar, que não faz sucesso algum. Aos poucos se entrega ao papel de ator radiofônico; a criação de diversos tipos populares e a interpretação que deles faz, em programas escritos por Osvaldo Moles, fazem do sambista um homem de relativo sucesso. Embora impagáveis, esses programas não conseguem segurar por muito tempo ainda o compositor que teima em aparecer em Adoniran. Entretanto, é a partir desses programas que o grande sambista encontra a medida exata de seu talento, em que a soma das experiências vividas e da observação acurada dá ao país um dos seus maiores e mais sensíveis intérpretes.

Mas a escolha de Adoniran é outra, seu mergulho também outro. Aproveitando-se da linguagem popular paulistana – de resto do próprio país – as músicas dele são o retrato exato desta linguagem e, como a linguagem determina o próprio discurso, os tipos humanos que surgem deste discurso representam um dos painéis mais importantes da cidadania brasileira. Os despejados das favelas, os engraxates, a mulher submissa que se revolta e abandona a casa, o homem solitário, social e existencialmente solitário, estão intactos nas criações de Adoniran, no humor com que descreve as cenas do cotidiano. A tragédia da exclusão social dos sambistas se revela como a tragicômica cena de um país que subtrai de seus cidadãos a dignidade.

O seu primeiro sucesso como compositor vira canção obrigatória das rodas de samba, das casas de show: Trem das Onze. É bem possível que todo brasileiro conheça, senão a música inteira, ao menos o estribilho, que se torna intemporal. Adoniran alcança, então, o almejado sucesso que, entretanto, dura pouco e não lhe rende mais que uns minguados trocados de direitos autorais. A música, que já havia sido gravada pelo autor em 1951 e não fizera sucesso ainda, é regravada novamente pelos “Demônios da Garoa”, conjunto musical de São Paulo (esta cidade é conhecida como a terra da garoa, da neblina, daí o nome do grupo). Embora o conjunto seja paulista, a música acontece primeiramente no Rio de Janeiro. E aí sim, o sucesso é retumbante.

O primeiro casamento não dura um ano; o segundo, a vida toda: Matilde. De grande importância na vida do sambista, Matilde sabe com quem convive e não só prestigia sua carreira como o incentiva a ser quem é e como é, boêmio, incerto e em constante dificuldade. Trabalha também fora e ajuda o sambista nos momentos difíceis, que são constantes. Adoniran vive para o rádio, para a boêmia e para Matilde.

Numa de suas noitadas, de fogo, perde a chave de casa e não há outro jeito senão acordar Matilde, que se aborrece. O dia seguinte foi repleto de discussão. Mas Adoniran é compositor e dando por encerrado o episódio, compõe o samba Joga a chave.

Dono de um repertório variado de histórias, o sambista não perdia a vez de uma boa blague. Certa vez, quando trabalhava na rádio Record, onde ficou por mais de trinta anos, resolveu, após muito tempo ali, pedir um aumento. O responsável pela gravadora disse-lhe que iria estudar o aumento e que Adoniran voltasse em uma semana para saber dos resultados do estudo... quando voltou, obteve a resposta de que seu caso estava sendo estudado. As interpelações e respostas, sempre as mesmas, duraram algumas semanas... Adoniran começava se irritar e, na última entrevista, saiu-se com esta: “Tá certo, o senhor continue estudando e quando chegar a época da sua formatura me avise..”

Nos últimos anos de vida, com o enfisema avançando, e a impossibilidade de sair de casa pela noite, o sambista dedica-se a recriar alguns dos espaços mágicos que percorreu na vida. Grava algumas músicas ainda, mas com dificuldade – a respiração e o cansaço não lhe permitem muita coisa mais – dá depoimentos importantes, reavaliando sua trajetória artística. Compõe pouco.

Mas inventa para si uma pequena arte, com pedaços velhos de lata, de madeira, movidos a eletricidade. São rodas-gigantes, trens de ferro, carrosséis. Vários e pequenos objetos da ourivesaria popular – enfeites, cigarreiras, bibelôs... Fiel até o fim à sua escolha, às observações que colhe do cotidiano, cria um mundo mágico. Quando recebe alguma visita em casa, que se admira com os objetos criados pelo sambista, ouve dele que “alguns chamavam aquilo de higiene mental, mas que não passava de higiene de débil mental...” Como se vê, cultiva o humor como marca registrada. Marca aliás, que aliada à observação da linguagem e dos fatos trágicos do cotidiano, faz dele um sambista tradicional e inovador.

Adoniran Barbosa morre em 1982, aos 70 anos de idade.
Discografia

1951 - "Os mimosos colibris/Saudade da maloca" (78 rpm)
1952 - "Samba do Arnesto/Conselho de mulher" (78 rpm)
1955 - "Saudosa maloca/Samba do Arnesto" (78 rpm)
1958 - "Pra que chorar" (78 rpm)
1958 - "Pafunça/Nois não os bleque tais" (78 rpm)
1972 - "A Música Brasileira Deste Século -Adoniran Barbosa"
1974 - "Adoniran Barbosa"
1975 - "Adoniran Barbosa"
1979 - "Seu Último Show" (Ao Vivo)
1980 - "Adoniran Barbosa e Convidados"
1984 - "Documento Inédito"
2003 - "2 LPs em 1" (Re-lançamento dos LPs de 1974 e 1975)

Coletâneas

1990 - "Claudinha Do céu" (Com interpretes de suas músicas)
1996 - "MPB Compositores: Adoniran Barbosa" (Com participações e interpretes de suas músicas)
1999 - "Meus Momentos: Adoniran Barbosa"
1999 - "Raízes do Samba: Adoniran Barbosa"
2001 - "Para Sempre - Adoniran Barbosa"
2002 - "Identidade: Adoniran Barbosa"
2004 - "O Talento de: Adoniran Barbosa" (Com participações especiais)

Video

1972 - "Programa Ensaio: Adoniran Barbosa"

Principais Musicas

Malvina, 1951
Saudosa maloca, 1951
Joga a chave, 1952
Samba do Arnesto, 1953
As mariposas, 1955
Iracema, 1956
Apaga o fogo Mané, 1956
Bom-dia tristeza, 1958
Abrigo de vagabundo, 1959
No morro da Casa Verde, 1959
Prova de carinho, 1960
Tiro ao Álvaro, 1960
Luz da light, 1964
Trem das Onze, 1964
Trem das Onze com Demônios da Garoa, 1964
Aguenta a mão, 1965
Samba italiano, 1965
Tocar na banda, 1965
Pafunça, 1965
O casamento do Moacir, 1967
Mulher, patrão e cachaça, 1968
Vila Esperança, 1968
Despejo na favela, 1969
Fica mais um pouco, amor, 1975
Acende o candeeiro, 1972

Filmografia

1953 - "O Cangaceiro"
1954 - " Candinho"
1955 - "A Carrocinha"

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Maurício Melo Júnior - Poemas para Alagoas


Impossível lembrar o dia, impossível lembrar as emoções, se é que as tive. Uma certeza? Vinha nos braços de minha mãe e trazia apenas a leveza despreocupada de meus poucos meses. Foi a primeira vez que vi Alagoas e por ali fiquei na deslembrança de minha primeira infância. Coisa de três anos depois voltei para Pernambuco, mas a terra de massapê coberto de cana e o rio Camaragibe formando barrancos miúdos já me eram íntimos, tinham-se feitos como partes da argamassa que me criou.

Como a vida precisa ser vivida nos espaços que oferece aos homens, fui caminhando, tocando os dias. Vez que outra, sobretudo nos finais de ano, voltava, percorria na procissão do Bom Jesus as ruas de Matriz de Camargibe e de maneira involuntária absorvia todos os ensinamentos daquela gente marcada pelo melaço da cana e os gritos da usina. Fiz tudo que me outorgava a idade. Andei a cavalo, brinquei de finca e quando a idade permitiu conheci matadores e cantei pelos bares: “Matriz é terra boa / é meu natural. / O amor que tenho a ela / É grande e sem igual.”

A cidade tinha seus poetas, como o parnasiano Fabrício Braga, meu tio, que escrevia sonetos contando seus amores pela terra. Outros vinham da vizinhança, do Passo, como seu Nelson, um poeta de verve popular. Sempre chegava proclamando seu bordão: “Se o Passo não fosse o Passo eu não passava pelo Passo, mas como o Passo é o Passo, eu passo pelo Passo”. E nas horas de desamores por sua terra recitava: “Eita Passo do Camaragibe / Cidade triste e atrasada / Tem meia dúzia de gente / O resto não vale nada.”

Os poetas nem sempre são muito justos, pois o Passo fomentou uma das maiores culturas deste país. Foi no balcão da loja que o pai mantinha na cidade que Aurélio Buarque de Holanda ouviu pela primeira vez o termo ôxente, e saiu à cata de saber do que se tratava. Descobriu ser uma corruptela da expressão “ô gente”, e nunca mais parou de estudar a língua portuguesa. E deu no que deu.

Posso dizer que conheço Alagoas e o quanto me dói ler o noticiário que gera. Isso já atingia o poeta Jorge de Lima. Sempre que vinham falar com ele sobre a violência de seu estado, ele, que também foi vítima de tal violência, retrucava: “As minhas Alagoas são outras”. Esta mesma frase usei muito quando há poucos anos alguns amigos falavam da corrupção que se espalhou pelo país no bojo de um governo que se dizia inovador e progressista, mas que nacionalizava práticas doentias. E pensei voltar à carga diante da recente notícia do IBGE apontando o estado como o campeão brasileiro em analfabetismo.

Verdadeiramente as minhas Alagoas são outras, como também são outras as Alagoas dos alagoanos reais. Como o Brasil definido por Machado de Assis, existe sim uma Alagoas real e uma outra oficial. E, tenham certeza, a primeira é mais vítima que responsável pela segunda. O açúcar que fundou a província, também a afundou, pois no bojo de suas ambições foram criadas todas as desigualdades que hoje maculam a terra de um dos maiores juristas brasileiros, Pontes de Miranda.

Outro dia ouvi alguém confessar o estranhamento de não conhecer nenhum benefício feito por luminares, como a doutora Nise da Silveira, às Alagoas. Isso é argumento de quem não conhece os fatos. Graciliano Ramos no relatório que enviou como prefeito de Palmeira dos Índios ao governador Álvaro Paes, em 11 de janeiro de 1930, fala desolado da instrução pública da época. “Instituíram-se escolas em três aldeias: Serra da Mandioca, Anum e Canafístula. O Conselho mandou subvencionar uma sociedade aqui fundada por operários, sociedade que se dedica à educação de adultos. Presumo que esses estabelecimentos são de eficiência contestável. As aspirantes a professoras revelam, com admirável unanimidade, uma lastimosa ignorância. Escolhidas algumas delas, as escolas entraram a funcionar regularmente, como as outras. Não creio que os alunos aprendam ali grande coisa. Obterão, contudo, a habilidade precisa para ler jornais e almanaques, discutir política e decorar sonetos, passatempos acessíveis a quase todos os roceiros.”

Mestre Graça fez mais. Depois que se tornou Diretor da Instrução Pública, uma espécie de Secretário de Educação da época, mandava as professoras estudarem novos métodos de ensino no Recife, comprava fardamento para os alunos e, uma revolução, pioneiramente instituíu a merenda escolar. Mas os roceiros não podiam se dedicar às discussões políticas e à leitura de sonetos, como logo descobriu o escritor ao ser demitido do cargo, preso e deportado para o Rio de Janeiro.

Esta prática espalhou-se pelo país. No dia 2 de abril de 1963, diante de todos os governadores do Nordeste, do presidente João Goulart e do general Castelo Branco, na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, o aluno mais velho da primeira turma formada pelo método Paulo Freire escreveu no quadro: “Há trinta anos, o dr. Getúlio veio aqui matar a nossa fome de barriga. Agora o senhor veio matar a nossa fome de cabeça”. Acabada a festa, quando todos iam embora, o general falou para o Secretário Estadual de Educação, Calazans Fernandes: “Meu jovem, você está engordando cascavéis nesses sertões”.

O resta da história já se sabe. Um ano depois, liderando um golpe militar, Castelo Branco se fez presidente e começou a esmagar as cascavéis, experiência seguida por seus sucessores.

Assim caminha a educação deste país. Felizmente muitas experiências procuram quebrar esta desgraça, como os sarais poéticos que acontecem nas periferias de São Paulo e Brasília, onde se lê sonetos e se fala de política pública, mas a mediocridade que ainda domina Alagoas, segundo nos informa o IBGE, insiste em expulsar Graciliano Ramos de sua terra.

Tenho esperanças e mesmo não sendo poeta, acalento o sonho de escrever versos que possam ser lidos por todos os alagoanos, por todos os alagoanos de fato.


Quando ainda se jogava futebol

A seleção brasileira de futebol de 1982 não foi campeã, nem mesmo moral, um esdrúxulo título que arranjaram para amenizar a incompetência de alguns treinadores, mas, sem dúvida nenhuma, mereceu o título de melhor seleção do século, desbancando até a seleção de 1970. Para quem não viu, uma oportunidade de ver os  gols daquela Copa; para quem viu, vale a pena relembrar os momentos alegres do verdadeiro futebol-arte.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Marcelo Moutinho - A palavra ausente [convite lançamento]

Caro amigo,

Na próxima segunda, dia 28, vou lançar meu novo livro – “A palavra ausente” - na Travessa de Ipanema. É meu terceiro livro solo. O lançamento começa às 19h, mas rola até mais tarde. Ou seja, não é preciso chegar na hora marcada. O importante é que você esteja lá.

A Travessa de Ipanema fica na Rua Visconde de Pirajá, 572. O convite segue em anexo.

Abraço

Marcelo

P. S. Quem for chegar muito, mas muito tarde mesmo, pode entrar em contato com o autor, que estará bebendo algo pós-livraria em um bar próximo e, com sorte, ainda escrevendo dedicatórias.

Marcelo Moutinho
www.marcelomoutinho.com.br
Twitter: @mmoutinho

De Convite Marcelo Moutinho

domingo, 20 de novembro de 2011

Você tem fome de quê?


“A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte...”
(Comida - Arnaldo Antunes/Marcelo Fromer/Sérgio Britto)

O quiproquó cultural no penúltimo dia da Fliporto (Festa Literária de Porto de Galinhas), que por uma dessas razões que a razão desconhece acontece anualmente em Olinda, se deve ao embate ideológico entre os escritores Fernando Morais, Leandro Narloch e Samarone Lima, cada um no seu passionalismo agudo em defesa do seu ponto de vista na velha e batida discussão de “capital e trabalho”. Ou seja, a querela surgiu por algo que não estava previsto na programação da mesa: as benesses do socialismo cubano versus as mazelas do capitalismo brasileiro. Ou o contrário. 

Morais, um castrista de carteirinha, usou o argumento da negação da liberdade em troca da comida e do assistencialismo estatal; Narloch, direitista enrustido, e Samarone, um anticastrista juramentado, entraram em rota de colisão com o autor de “Olga” e a plateia, segundo os jornais, ora torcia por um, ora torcia por outro, como se estivesse numa peleja de embolada, tão comum nas ruas de Recife e Olinda.

Devido ao nome dos envolvidos, esse embate repercutiu na imprensa no dia seguinte, e a Fliporto, que até então acontecia discretamente, quase anônima, de repente ganhou divulgação extra, página inteira nos principais jornais do Nordeste. Essas divergências, desde que não sejam pessoais, engrandecem o debate nessas mesas de notáveis em que todos concordam com todos, e a plateia fica apática, na dúvida entre ouvir e dormir.

Ou acontece como na Flimar deste ano, em que colocaram Ignácio de Loyola dividindo a mesa com um ilustre desconhecido do mundo literário e os dois não conseguiram falar a mesma língua ou sintonizar o tema proposto. Ou com o academismo excessivo dos temas e a invencionice vocabular, em que os palestrantes não conseguem entender o significado e mandam ver qualquer coisa.

Se verdadeiro o que se noticiou, essa argumentação de que quem tem fome não precisa de liberdade está um tanto além da minha compreensão de leitor. Partindo desta premissa, devemos achar que os engaiolados nas cadeias e presídios da vida não são apenados, mas apenas sobreviventes do socialismo judiciário. Ou seja, quando a polícia tira um meliante de circulação, não está efetuando uma prisão, mas promovendo uma revolução socialista.

Ufana-se Fernando Morais com a segunda colocação da “Ilha” nos jogos pan-americanos. Mas nos jogos paraolímpicos que estão sendo disputados este mês, em Guadalajara, Cuba está uma decepção, um pífio quarto lugar. No ranking mundial de medalhas paraolímpicas, a situação é mais decepcionante: 43º lugar, abaixo de países como Zimbábue, Irã, Nova Zelândia e Jamaica. Seria isso um sinal de que ao socialismo castrista só interessa a teoria darwiniana da perseverança do mais capaz, que descamba para a famosa seleção natural?

Você tem fome de quê? Os socialistas tupiniquins socializam a miséria e capitalizam a riqueza. Moram em mansões, em bairros nobres, se hospedam em hotéis cinco estrelas e frequentam os restaurantes mais caros. A confraria do PC do B das Alagoas se reúne em um dos restaurantes mais caros do Nordeste para justificar a falta de liberdade de imprensa e do direito individual em Cuba e, apesar de se servir nababescamente de camarões, ostras, lagostas e whisky importado, ainda encontra boa vontade para falar da fome do povo de todo o mundo, menos de Cuba, porque lá a fome é de outra coisa. Como eles se acham acima do bem e do mal, pensam que podem tudo. Fumam até em ambiente público e fechado, sem se incomodarem com o mal que fazem aos outros. É o típico caso do faça o que digo, mas não faça o que eu faço. Ou, como dizia a minha avó, pimenta no fiofó dos outros é refresco.

A fome já matou a fome de muitos comunistas e socialistas, porém o povo continua na indigência. Como a fome não tem raça, cor, credo, muito menos ideologia, vem junto a sede de liberdade. Satisfazer-se só com comida feito boi no pasto não é muito digno do ser humano, por mais que discursem os intelectuais de esquerda. 

Ademais, se a comida é tudo, não vejo os famélicos indigentes capitalistas pedindo asilo político a Cuba. Mas o contrário...