sexta-feira, 20 de abril de 2012

Luís Pimentel - No Bip Bip, onde se resolve tudo

Copacabana – como se sabe e reproduziram os cronistas desde os tempos de Rubem Braga – tem muitas histórias. As melhores, como é tradição em qualquer bairro, aconteceram nos bares. As melhores entre as melhores, no balcão, nas mesas ou na calçada do Bip Bip. 

Ouvi muitas, vi algumas, essa eu guardei.

A roda de samba domingueira corria no melhor dos mundos, com os violões do Chico Genu, do Gomide, do Fernando Falcão e do Flávio Feitosa; cavaquinhos do Paulinho, do Ari Miranda e do Alex; percussão sob a batuta e o batuque do Jenner, do Bené, do Jovem, do Marcelinho, do Ismael, do Tibau, da Aretha e da Manu. Luxo só.

Alfredinho acabara de dar um esporro num cliente e Paulinho do Cavaco repetia “no alto São Jorge matando um dragão”, do seu samba-hit Saudades dos meus botequins, quando a deusa invadiu o recinto. Blusinha decotada, saiotinha modelo abajur-de-periquita, um sorriso-implante de mudar qualquer repertório. Alguém se lembrou do Geraldo Pereira (ô, ô, ô, que samba bom!) e puxaram Chegou a bonitona. (“Olha só, ô pessoal, que bonitona/Olha o pedaço que acabou de chegar...”). A homenageada rodopiou o balaio entre as cadeiras e todos fizeram Ooooooohhh! Todos. Até Aretha e Manu.

A moça se informou sobre as regras da casa – o freguês se serve à vontade, Alfredinho anota o nome num pedaço de papel de pão e depois, se ainda não estiver de porre, cobra a conta – e soltou a voz na cantoria, rebolando mais que ministro na hora de explicar o inexplicável. Final dos trabalhos, após perguntar quanto devia, ela falou baixinho no ouvido do Alfredo, molhando os lábios com a língua e acomodando um peito em seu ombro:

– Desculpa, Ném, mas é que estou desprevenida.
– Sem problemas – disse ele, dando um golaço no vinho sagrado. – Aqui nós resolvemos tudo. 

E chamando duas auxiliares voluntárias:

– Kátia e Simone, minhas filhas, peguem a caixa de calcinhas lá em cima. Escolham uma tamanho GG aqui para a nossa amiga.


terça-feira, 17 de abril de 2012

Maria Helena Bandeira - Muito louco, bicho!

A carta que mais amo no Tarô é o Louco. Ele é também o andarilho, o que não tem regras fixas, e permaneceu, até hoje, como o coringa - o que não se enquadra a nada e se adapta a tudo, a que muda o jogo.

No livro "Jung e o Tarô - uma jornada arquetípica" , da Sallie Nichols, a epígrafe do capítulo sobre o Louco é um verso do William Blake - " Se o homem persistisse em sua loucura, tornar-se-ia sábio" Só que eu discordo da idéia de tornar-se sábio. A loucura em si é o caminho. O meio é a mensagem.

O louco tem a função do bobo da corte, mostra que o rei está nu. Mas como é muito desagradável este desnudamento, a sociedade estabelecida o veste com roupas de palhaço. Eis porque o humor pode ser tão corrosivo. É permitido a ele ser Louco. O Louco diz o que ninguém quer ouvir, faz o que ninguém se permite, vai onde outros tem medo de ir.

É o outro que nos rotula loucos. Somos o que somos, mais o que nos colocaram como sendo. Sem o outro talvez eu não fosse totalmente. Sei lá. Este negócio de acerto e erro acaba nos enredando. Se acerto, mas penso que erro, estou errada ou certa? Estou errada, porque penso que erro quando acerto. Mas estou certa porque acertei. Então errei em me achar errada.

Melhor deixar estes conceitos de lado. Não existe certo e errado em si, mas no contexto. Há um excelente conto russo - A conversão do diabo, de Andreiev - em que um diabo já velho e cansado tenta se converter ao catolicismo com a ajuda de um, inocente e também velho, pároco de aldeia. Os dois quase se matam porque é impossível explicar para a lógica racional do diabo as contradições da ética cristã. Tudo depende do contexto - matar, roubar, trair. Não há atiradores de pedra imunes ao erro.

Minha corda bamba é o paradoxo da loucura que se pensa desde sempre - manter controlado o delírio, enquadrá-la no racionalismo sem deixar que ele me manipule, entender meus demônios. Há uma lógica desagradável e implacável por trás da loucura. Talvez ela tenha me impedido de ser maior do que eu.

Ser racional é basicamente filtro. A loucura é a expansão da mente a um nível além do permitido para bem viver. O racional peneira o trigo e nos vende as lentilhas da realidade. Trocamos o paraíso pelo possível. Mas é o único jeito. A loucura é solitária.

O discurso do Louco é a não-linguagem. O discurso do Eu livre da realidade imposta.
O Eu experimenta Eu e os Outros. O Louco talvez se aproxime do bebê que ainda não separou sujeito de objeto. O sentimento oceânico da expansão de consciência pode ser uma memória desta fase.

Enfim, tudo não precisa ser como sempre foi. Existem outras formas de perceber.
Existe uma velha piada que diz - O normal sabe que dois mais dois são quatro. O psicótico pensa que dois mais dois são cinco. O neurótico sabe que dois mais dois
são quatro, mas é isto que ele não pode suportar.

A loucura pode ser nossa moeda para sobreviver num mundo sem sentido. Ou paga ou desce.