quarta-feira, 2 de julho de 2014

Independência da Bahia - Procura-se um herói branco





Há quem diga que o corneteiro Lopes nunca existiu. Há quem diga que os mortos e heróis dessa guerra foram índios escravos, negros escravos ou caboclos escravos das necessidades. Há quem diga que tudo não passou de uma guerra particular entre os senhores de engenho do Recôncavo baiano e a elite portuguesa que residia na Cidade da Bahia e que era dona do porto de Salvador e queria cobrar preços exorbitantes para embarcar o açúcar. Há quem diga até que o baiano alforriado ficou mesmo foi no Mercado Modelo jogando porrinha e tomando umas e outras com caldo de lambreta na barraca do Xacrinha enquanto o couro comia no bairro de Pirajá. "De noite a gente vê no Beatevê o placar da guerra", diziam. Mas eis que vos digo: a Bahia é mais que o Mercado Modelo e o Pirajá. Ocupa quase um quarto do mapa do Brasil, tem mais de quatrocentos municípios, e - pasme! - na cidade de Simões Filho, vizinha a Pirajá, ninguém sabia que existia guerra. Nem em Alagoinhas, nem no Junco, nem em Cruz das Almas, nem em Ilhéus, Feira de Santana, nada, afora Salvador, Cachoeira e Santo Amaro, cidades envolvidas, ninguém sabia que a Bahia estava em guerra contra os portugueses. Até a promulgação da Constituição baiana, em 1989, o 2 de julho só era feriado em Salvador e nas cidades do Recôncavo. Os outros quatrocentos municípios continuavam sem saber que houve uma guerra. Mas, como a história é escrita pelos vencedores, fiquemos com a versão oficial, que vai logo abaixo.

Em sete de setembro de 1822 D. Pedro deu o Grito do Ipiranga e foi para um bordel tomar cachaça e fornicar com as putas. À sua sombra, soldados e bajuladores, pois isso não é coisa d’agora. Enquanto ele mostrava a sua espada para a Marquesa de Santos, o pau comia entre baianos e portugueses na província da Bahia. Por quase um ano o baiano lutou bravamente contra os homens d’el-rey para defender o então solo pátrio. Luta campal renhida e desigual, que ficou conhecida como a Batalha de Pirajá, por um acaso afortunado do destino os portugueses não levaram a melhor: vendo-se acossado, o comando em terra das forças baianas deu ordem ao soldado Lopes, corneteiro da tropa, para dar o toque de retirada e evitar mais mortes. O corneteiro se atrapalhou e, em vez do toque de retirada, mandou para o ar o toque de “avançar”. Os soldados índios, os soldados caboclos, os soldados negros escravos dos senhores de engenho do Recôncavo, aliados aos rotos soldados do Imperador, cresceram em coragem e fé e partiram com vontade para cima dos portugueses, que fugiram até o mar do Porto da Barra e lá entraram em suas naus e escafederam-se na Baía de Todos os Santos, perseguidos pelo almirante Lord Cochrane, contratado de última hora pelo Imperador para reforçar os bravos combatentes baianos na sua luta desigual.

O Sete de Setembro na Bahia é apenas um feriado a mais, sem muitas comemorações. A festa cívica dos baianos acontece na data de aniversário em que o corneteiro Lopes pôs os lusos para correr. Apesar de ser Inverno, o Sol abre alas para as escolas desfilarem em trajes de gala. Alegorias revivem a trajetória vitoriosa, do Pirajá ao Campo Grande, local da última batalha, cujos monumentos lembram os heróis da independência da Bahia. Um dos bairros mais chiques de Salvador, a Vitória, ganhou esse nome em homenagem à data Magna baiana, inclusive a sua principal rua chama-se “Corredor da Vitória”, onde a tropa lusa levou as últimas bordoadas antes de fugir pelo Porto da Barra.

Então, nesse histórico e inesquecível dia, 2 de Julho de 1823, teve início a Primavera do baiano, que lutou bravamente, não pelo seu Imperador, mas por uma pátria chamada Senhores de Engenho do Recôncavo.


Os heróis dessa guerra são três: Joana Angélica, a freira que peitou os soldados portugueses e representa o místico; Maria Quitéria, que se disfarçou de homem para poder se alistar no Exército e representa a transgressão; e o corneteiro Lopes, o soldado trapalhão que virou piada.