sábado, 22 de maio de 2010

Agenda do escritor Antonio Torres

Junho
Dia 16, às 10 horas:
10ª. Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, SP
Seminário de Leitura e Literatura Infantil e Juvenil
Local: Biblioteca Padre Euclides

Julho
Dias 6, 13, 20 e 27, das 19 às 21 horas:
Casa do Saber do Rio de Janeiro (Lagoa), conforme a programação abaixo.


Ritmos do Jazz em Prosa & Imagens
Oficina Literária em torno do conto O perseguidor, de Júlio Cortázar, ao som de Charlie Parker e imagens dos filmes Bird, de Clint Eastwood, e Round Midnight, de Bertrand Tavernier.

Antônio Torres
.4 aulas *

Na sua juventude, em Buenos Aires, Júlio Cortázar adorava ouvir no rádio Duke Ellington, Louis Armstrong e os velhos cantores de blues, para desespero de seus pais, que estranhavam aquela música de negros. Na idade adulta, já consagrado como um dos mais brilhantes escritores do século XX, quando ficava horas a fio falando do pianista Thelonious Monk, ele viria a escrever um conto dedicado à memória de Charlie Parker, tendo como personagem um saxofonista genial, mas perseguidor do impossível.

A partir da leitura, em 4 partes, desse longo conto, considerado universalmente a obra-prima de Cortázar, esta nova oficina do escritor Antônio Torres na Casa do Saber será mais do que um mergulho num texto que vai fundo na esquizofrenia de um artista de gênio, a apostar corrida contra a loucura e a morte. Oferecerá uma viagem em torno dos ritmos em prosa & verso, ilustrada por fascinantes imagens cinematográficas de uma nova era do jazz em Nova York e Paris, e das origens e desenvolvimento do conto como gênero literário, que teve em Cortázar um dos seus mais instigantes cultores. E, como sempre, com espaço para leitura e análise dos textos criados pelos participantes. Tudo para o seu prazer de ler, ouvir, e escrever. Com liberdade para improvisações, como numa jam session.

Terças-feiras, das 19 às 21 h.

1. 06 JUL – O conto, Cortázar, e a influência do jazz
Introdução à história do conto e seu desenvolvimento, para o qual Júlio Cortázar contribuiu com algumas das mais surpreendentes criações do gênero, de que O perseguidor é um caso exemplar. A relação do jazz com a literatura, segundo Cortázar. E a do ritmo com a escrita, segundo o poeta Octavio Paz. Leitura em sala de 14 páginas de O perseguidor. Na sequência, exibição de um trecho do filme Bird, para uma mais completa caracterização do personagem da história que se começou a ler. Impressões do grupo sobre a prosa de Cortázar, o jazz e as imagens de Clint Eastwood. Espaço para leitura dos textos dos participantes.

2. 13 JUL – A relação da frase musical com a escrita
Continuação da leitura de O perseguidor (mais 14 páginas). Na sequência, exibição de um trecho do filme Round about Midnight, que, como no conto de Cortázar, conta a história de um saxofonista norte-americano em Paris. O título do filme é o mesmo de uma música de Thelonious Monk, uma das mais gravadas no mundo por todo tipo de instrumentista, inclusive o nosso Baden Powell. Outro tema de TM, Blue Monk, servirá de mote para a relação da frase musical com a escrita. Espaço para leitura dos textos dos participantes. Avaliação dos trabalhos apresentados.

3. 20 JUL – O jazz como equivalente ao surrealismo nas letras
Leitura da terceira parte de O perseguidor, seguida da exibição de outro trecho do filme Bird. Na sequência, o que no jazz encantava Cortázar: o fenômeno maravilhoso que constitui a sua essência – a improvisação. O jazz como equivalente ao surrealismo nas letras. O swing que é capaz de dar ritmo a uma frase e pode entrar no leitor por via subliminar. Espaço para leitura dos textos dos participantes. Análise dos trabalhos apresentados.

4. 27 JUL – Letras & jazz: outras inspirações
Para Cortázar, um conto tem de terminar como termina uma sinfonia de Mozart ou um improviso de jazz. A leitura do final de O perseguidor, e a exibição de outro trecho do filme Round midnight servirão de mote para uma explanação sobre o processo criativo literário a partir de temas musicais, com espaço para a narração de experiências dos participantes, sejam quais tenham sido suas fontes de inspiração, assim como para a leitura de seus textos.

Setembro
Dia 4, às 14 horas:
Festa Literária de Marechal Deodoro, Alagoas.
Palestra/recital: “Para gostar de ler e ouvir em sala de aula”.

Novembro
Dia 8, às 11 horas:
III Encontro de Leitura e Literatura da Uneb – Universidade Estadual da Bahia, campus de Salvador.
Diálogo com Escritores/ com a participação de Luis Alberto Mendes e a mediação da profa. Márcia Rios da Silva.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

O "Vampiro" de Curitiba - Luiz Andrioli



Do amigo Luiz Andrioli, hoje publicarei sua vídeo-crônica para a Rede Record de Televisão sobre Dalton Trevisan, tema da sua dissertação de mestrado.
Vale a pena ver e ouvir.

Audálio Dantas em "El Mundo"

De


Leiam no link abaixo a entrevista completa do jornalista e escritor Audálio Dantas para o jornal espanhol "El Mundo", sobre o seu livro "O Menino Lula", que estou lendo e recomendo.

http://www.elmundo.es/america/2010/05/20/brasil/1274359125.html

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O Exorcismo




De Sai, Capeta!


De tanto ser tentando pelo vizinho, ex-companheiro de copo, da sinuca e da porrinha, capitulou. Iria à sessão de trezentos-e-não-sei-quantos pastores na quarta-feira para ver como é que era. Se gostasse, freqüentaria; caso contrário, o vizinho que lhe perdoasse, mas continuaria a adorar o deus Baco.

No dia acertado, foi um dos primeiros a chegar para melhor sondar o ambiente. Apesar de ser, até então, um católico, apostólico, romano, nunca fora chegado à igreja, muito menos a templos evangélicos. Achava padres e pastores mercadores da alma e da fé dos incautos e por eles nutria uma tremenda ojeriza. Os pastores principalmente, pois, estes, faziam verdadeira lavagem cerebral no infeliz que chegava ao ponto de adorar o seu líder espiritual acima de qualquer coisa.

Nesse dia os trezentos-e-não-sei-quantos pastores iriam promover uma faxina em regra para tirar o Diabo do corpo dos possuídos, prova irrefutável de seus poderes e da fragilidade espiritual dos fiéis. Já havia muita gente no recinto e por isso demorou a achar um lugar onde tivesse ampla visão do púlpito e ao mesmo tempo pudesse ser visto pelo amigo.

Sessão iniciada, viu os pastores suar a camisa em exercício de invocação do Divino e ficou impressionado com as exigências que faziam de Jota Cristo, como se fossem seus superiores hierárquicos ou se Cristo lhes devesse obediência por qualquer outro motivo. E, de tanto exigirem providências, um demônio se manifestou no corpo de um sujeito magricela, que pulou agitado no meio do corredor, espumando, gritando palavras incompreensíveis e ameaçando agredir as pessoas próximas a ele. Uma legião de seguranças, saída do invisível, segurou o manifestado e o levou para o local onde se daria o exorcismo. Dez minutos depois o magricela se acalmou e voltou tranqüilo para o seu lugar, sorrindo e pedindo desculpas àqueles ameaçados por ele.

Os trezentos-e-não-sei-quantos pastores continuaram a sessão do bota-fora de capetas, dizendo que fora captadas ondas extra-sensoriais dando conta de mais demônios no recinto e que todos deveriam orar com mais fé e aumentar o dízimo. Era o amor ao vil metal que tornava o homem escravo de Satanás. “Desfaçam-se do canal de atração do Capeta! Esvaziem o bolso!” e o povo obedecia, enchendo as sacolas de dinheiro. Gente que, mais tarde, não teria como comprar pão para os filhos. Mas Deus daria um jeito de matar a fome, garantiam os trezentos-e-não-sei-quantos enviados do Divino.

No meio do alvoroço formado pelo esvaziamento de bolso, o candidato a evangélico notou um cidadão ao seu lado em estado de transe. Nada demais se o dito cujo não tivesse para mais de dois metros de altura por outro tanto de largura. A Bíblia, aberta, repousava sem a menor dificuldade na palma da mão do mastodonte, de tão grande que era. Lembrou-se do estrago que o magricela promoveu e temeu pela sua integridade física caso os tremores no corpo daquele cidadão fosse, de fato, o Capeta se manifestando. Dava sinais de alucinado. Haveria seguranças suficientes para dominá-lo? Não quereria o Capeta se aproveitar daquelas mãos gigantes para esgoelar uns quatro a cinco ali ao seu lado? Quem seria a primeira vítima senão ele, um descrente de tudo? Olhou ao redor em busca de outro lugar onde pudesse ficar e não viu nenhum. O templo estava lotado e ele mal podia se mexer. As pessoas oravam cada vez mais alto, respondendo ao comando dos pastores. Só havia uma saída: vigiar os movimentos do cidadão atentamente, à espera de algum gesto violento. O Inimigo é traiçoeiro e ele não iria abrir a guarda, apesar do aparente estado de pânico.

O cidadão pronunciava palavras desconexas, aumentando de volume todas as vezes que os trezentos-e-não-sei-quantos pastores exigiam de Jota Cristo que expulsasse os demônios presentes no corpo de alguns. Começou um autoflagelo, usando a Bíblia como chicote e não mais palavras se ouviam, mas grunhidos e estremecimento corporal, como se fosse ter um ataque de epilepsia a qualquer instante.

“Por que fui me deixar convencer por aquele sacrista, filho duma figa!?” pensou apavorado o ex-futuro evangélico, sem conseguir tirar os olhos das mãos do Possuído, que, àquelas alturas, pareciam mãos gigantescas. Sentiu um líquido quente escorrer pelas suas trêmulas pernas e os dentes começaram a ranger. O povo todo parecia uma multidão de alucinados e se imaginou sendo trucidado pelo “guarda-roupa” ao lado. Não. Não se deixaria abater por um endemoniado qualquer. Reagiria, lutaria e talvez desse tempo dos seguranças chegar.

Quando os enxota-diabos tornaram fortes seus apelos exorcísticos, o rebanho entrou em histeria coletiva. O possesso parrudo teve um forte estremecimento, largou a Bíblia no chão, levou as mãos à cabeça e, com cara de poucos amigos, virou-se para o lado do aterrorizado estreante na irmandade evangélica, que, sem encontrar um corredor de fuga, deu um salto felino sobre o banco traseiro, depois para o outro, pisando nas pessoas, e assim sucessivamente, até alcançar a saída do templo e sair em desembalada carreira rua afora, perseguido por uma multidão incentivada por trezentos-e-não-sei-quantos pastores incitantes:

– Peguem ele! Não deixem ele fugir! Ele está possuído de Lúcifer, o rei dos demônios! Agarrem o possuído!




domingo, 16 de maio de 2010

Sobre Pessoas - 15 - Antonio Torres

Tirando o Pai de Letras


Do livro de crônicas "Sobre Pessoas", do escritor Antonio Torres

De Ricardo Ramos



“Nunca vi meu pai de camisa esporte.” Assim Ricardo Ramos começou um conto intitulado Herança. Está no seu livro Circuito fechado, publicado nos anos 70. Aplaudido pela crítica àquela época, nunca mais o vi nas livrarias. Digamos logo: esse deus (ou diabo) chamado mercado não permite que você hoje possa oferecê-lo (ou recebê-lo) como um presente, com toda certeza não tão vistoso quanto uma gravata, e menos palatável do que uma garrafa de uísque, porém de valor incomensurável.

Já na primeira frase da sua história, o filho de Graciliano Ramos nos leva a confirmar a fama de que o seu pai era um homem pouco chegado a informalidades.

A trama envolve um encontro com a sua mãe viúva, a fazer-lhe comparações com o marido, que sempre fora mais firme nas respostas às suas dúvidas. Já adulto e bem-sucedido no mundo dos negócios, e com algum reconhecimento também no meio literário, Ricardo Ramos fez neste conto o que se pode considerar uma superação de traumas da infância, graças a um processo de elaboração da poderosa memória paterna. Um caso exemplar. Sobretudo para quem teve (ou tem) um pai famoso.

Nos meus anos mais vulneráveis e juvenis, vi o Ricardo Ramos de longe. Ele havia acabado de adentrar a redação do jornal Última Hora, em São Paulo, no qual escrevia uma coluna literária semanal. Parou diante de uma mesa para pegar a correspondência que lhe era endereçada pelos leitores. E lá ficou, de pé, abrindo os envelopes. Aí alguém me disse (deve ter sido o até hoje meu amigo Ignácio de Loyola Brandão):

– Aquele ali é filho do Graciliano! – Não me lembro se o invejei pela paternidade ou pela elegância. De estatura acima da mediana, ele tinha um corpo esbelto e vestia-se como que saído de uma loja da Rua Augusta. O Loyola, então um escritor em processo, levou-me para perto dele, que me cumprimentou com amabilidade. Tempos depois, em outras circunstâncias, nos reencontramos. Saí do Rio para um evento naquela mesma São Paulo onde eu o havia visto de raspão um dia, e lá fui recebido por ele no saguão do Hotel Hilton, na Avenida Ipiranga, beirando a esquina da Consolação. Eram oito horas da noite.

Conversamos até as três da manhã. Mas não tive coragem de perguntar nada sobre as suas relações com o seu pai. Coisas assim: se o velho Graça era tão rígido quanto demonstrava em seus textos, a ponto de quando um filho o chateava, bater-lhe na cabeça com um facão, conforme se contava. E se sentia as mãos do mestre agarrando as suas, quando escrevia. Ou se o fato de ser filho de quem era atrapalhava-lhe a carreira literária, sempre sujeita a uma comparação incômoda. Nada disso. Falamos de outras coisas.

Ricardo Ramos encerrou aquela memorável noite dizendo-me que Graciliano, mesmo tendo tido em vida o seu valor reconhecido, enquanto viveu não viu nenhum dos livros que escreveu vender sequer 3 mil exemplares. Nem o Vidas secas, imagine, que hoje vende horrores. Se o seu tempo lhe foi padrasto, em compensação a posteridade lhe tem sido uma boa mãe.