sábado, 5 de janeiro de 2019

Quer namorar comigo? (II)

Quer namorar comigo? era a pergunta mais difícil de se fazer e a mais fácil de se responder, mas as garotas faziam beicinhos, charminho, e em vez de um sim ou não, preferiam outra pergunta:
- Posso responder daqui a cinco dias? É que vou pensar.
E pensava, pensava, os cinco dias pareciam cinco séculos, e no sexto a resposta tão ansiosamente esperada:
- Posso pensar mais um pouco?
E quando vinha um sim, o mundo desabava em felicidade. Primeiro pegava timidamente na mão. Depois dava um abraço. E quando tudo caminhava para a normalidade de um romance, ela sentenciava:
- Beijo só depois que você pedir ao meu pai para namorar na porta!
Deus do Céu, que tortura! Mil vezes o pau-de-arara aplicado pela ditadura!
- É pegar ou largar! Não sou moça de namorar na rua pra ficar falada.
- Eu pego!
E lá vai o Romeu numa noite de sábado falar com o inquisidor. Pernas bambas, lábios ressabiados, coração acelerado.
- Então, o que o senhor pretende para a minha filha?
Não pretendo nada, só dar uns amassos. Ainda nem fiz dezoito anos. Será que esse coroa nunca foi adolescente?
- Eu pretendo me casar com ela quando me formar.
- Está bem. Mas não deixe de estudar pra ficar namorando.
Vencido uma etapa, beijos de boca, beijos de língua, nascia o desejo de ir avante. Pegar nos seios da namorada era o suprassumo da masculinidade. Eram os famosos amassos. Sem eles, namoro nenhum tinha credibilidade
- Nos seios não, benzinho! Só depois de casar.
Ele não iria esperar tanto tempo.  Insistia todo santo dia, até que numa noite de lua cheia ela aquiesceu:
- Está bem, eu deixo, mas só e somente só se você me prometer de que não vai contar pra ninguém.
- Ah! Então não quero!
- Por que não, meu amor?
- Porque contar pros amigos é o mais gostoso.

Quer namorar comigo?

Já que existe a probabilidade de retornamos aos tempos medievais, há coisas do século passado que adoraria que o Coiso trouxesse de volta para que os coxinhas solteiros sentissem na pele a ditadura das garotas sobre os garotos na hora da paquera. Nada de peguete ou ficante, piriguete ou santinha do pau oco, muito menos sirigaitice. Nada de se ir ao cinema sem levar à tiracolo o irmão pirralho da pretendente. Na roda gigante, cada um na lateral e o pirralho no meio (isso quando a mãe tinha medo de altura) chupando algodão doce. E nada ainda estava certo. Era só distrações para engabelar a garota enquanto a resposta de uma proposta feita dias antes não chegava.
- Quer namorar comigo?
- Não sei... Posso pensar um pouco?
- Quanto tempo?
- Cinco dias.
E o domingo no parque era o quinto dia aprazado para o sim ou o não, duas palavrinhas com o poder de transformar ou destruir o mundo. E a garota era a única com a chave das ilusões. No raro momento de "enfim sós", hora de tirar a prova dos nove:
- E aí, pensou na resposta?
- Que resposta?
- Se quer namorar comigo.
- Ah! Nem tive tempo de pensar! Posso lhe responder daqui a dez dias?
Que fazer!? Enquanto há vida, há esperança. Pior deve ser na guerra. Enquanto isso, a roda gigante sobe e desce em trajetória circular tal qual a Terra em rotação. Quando para no alto, o Diabo se apodera dos desejos, mas falta coragem para jogar o pirralho no vazio. O pretendente olha a mocinha com olhar de peixe morto, apelativo, e suspira resignado. Sente vontade de beijá-la, tirar o vermelho da maçã do amor manchando os lábios, mas o pirralho tá no meio comendo algodão doce, atrapalhando o romance. A roda gigante para, eles descem, os pais da garota aparecem e ele vai para casa dormir sem saber a resposta. É dia de Reis e no outro dia o parque estará desmontado e seguindo viagem na direção dos sonhos. E com muita sorte, no natal seguinte, a garota já terá a resposta.

Menino que fui menina

Quando eu estava para vir ao mundo, a minha mãe quis que eu nascesse igual a Jesus Cristo. Na hora do parto mandou chamar a parteira Tindole e correu para o curral. E assim, conforme as Sagradas Escrituras, o meu berço foi uma manjedoura, que lá no Junco era conhecida como "coxo". Como não havia roupa de príncipe para me vestir, ela me cobriu com uma toalha vermelha comprada na quermesse do Natal para ajudar nas obras da igreja. Quando comecei a caminhar com as próprias pernas (perdoem o pleonasmo, pois, afora os seguidores do Cramulhão, todo mundo caminha com as próprias pernas, por isso se faz necessário reforçar a ideia para não me confundirem com os sem pernas) a minha mãe me olhou carinhosamente, me abraçou chorando e disse:
- Vai, meu filho, ser guache na vida!
E eis-me aqui, séculos depois, refletindo sobre o poder alucinógeno do chá da goiabeira e da capacidade de destruição do cérebro dos seguidores desse que não se deve falar o nome. São tão ignorantes que não sabem que acabar com a ideologia de gênero é justamente destruir esse conceito arcaico de que menino veste azul e menina veste rosa. Acabar com ideologia de gênero é pôr a pique essa história de que menino brinca de bola e menina de boneca.
E viva Marta, a rainha do futebol!

Eu vi Jesus

Hoje eu vi Jesus. É difícil de acreditar, mas vi Jesus de Nazaré. Por coincidência, ele estava encostado em um pé de goiabeira, comendo umas goiabas amarelinhas e que pareciam saborosas, pois Jesus não parava de comê-las. Satisfação total. Até babava e lambia os beiços. Fiquei compenetrado, em êxtase, ao vê-lo na minha frente em carne e osso. Parei o carro, desci e me ajoelhei aos seus pés em súplica de milagre:

- Jesus, pelo amor do pai e do espírito santo, atende a um pedido meu! 

Ele me olhou com estranheza e me falou com uma voz de pai ralhando com o filho:

- Nem meio pedido! A borracharia já fechou e agora eu não conserto furo de pneu de senhor ninguém! Logo ali na frente tem outra, vá lá e me deixe comer minhas goiabas sossegado.

Quer saber? Nunca confie na solidariedade de borracheiro de Nazaré das Farinhas.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Como descobrir se é amor o que você sente


         Se ao sentar à mesa com o seu namorado o seu olhar de peixe morto lacrimejar de emoção, seu coração acelerar em ritmo de samba do crioulo doido na terça-feira de carnaval, seu estômago revirar como nau desgovernada em tempestade em alto-mar, suas pernas fraquejarem em firmeza do andar de bêbado... sorria! Isso que você sente não é amor. Isso é o Sazon apimentado que sua sogra colocou na comida. Mas se depois que a SAMU chegar e lhe levar para o pronto-socorro superlotado e lhe deixar por engano numa unidade de doenças infecciosas, você continuar achando que ela ainda é a melhor sogra do mundo, aí, sim, podemos dizer com toda a certeza de que isso que você sente NÃO é amor. É loucura. E você precisa urgentemente pedir transferência para o setor de psiquiatria.