sábado, 24 de janeiro de 2015

Cineas Santos - O golpe do primo

            Domingo, por volta das dez  horas, o telefone tocou. Atendi.
            - Oi, primo, ainda se lembra de mim?
            O golpe é antigo, mas como a ligação não era a cobrar, resolvi prosear um pouco com aquele “primo” distante.
            - Com quem falo?
            - Esqueceu de mim, primo? Teu primo de Brasília...
            -Não me diga que é o Anacleto!
            - Ele mesmo, primo. Olha, estou com um probleminha...
            - Anacleto, eu precisava muito falar contigo, mas o celular caiu no vaso sanitário da rodoviária e...
            - Primo, tô precisando...
            - Anacleto, deixa eu te contar: lembra da tia Emerenciana, aquela carola solteirona?
            - Claro, primo!
            - Pois é: desencarnou. Morta por um trombadinha na porta da igreja.
            - Que coisa, mas primo...
            - Anacleto, como você sabe, ela não tinha filhos. Os herdeiros são, portanto, eu, você, o Atanásio  e a Gildety. O Atanásio está preso, a Gildety  caiu na vida, coube a mim cuidar do inventário.
            - A velhota tinha alguma coisa?
            - Uma casinha no Monte Verde e dois terrenos invadidos na Favela do Arame. Grana mesmo, mal deu para o enterro.
            - Mas primo, como te disse, tô com um problema...
            - Anacleto, deixa eu terminar. Preciso de alguns documentos teus: identidade, CPF, atestado de residência e uma procuração, coisa simples.
            - Primo, no momento, estou...
            - Anacleto, como você sabe tem umas despesinhas para serem rateadas entre nós. O Atanásio tá nas grades; a Gildety, na zona, então sobramos nós dois. Cada um de nós vai entrar com  dois mil reais. Anota aí o número da minha conta. Deposita isso o mais rápido possível, que o processo está parado.
            Silêncio de noite dormindo...
     - Anacleto, tá me ouvindo?!
            O primo desligou. O Anacleto sempre foi assim:  meio desligado...