domingo, 10 de dezembro de 2023

Poema de Natal

Maria da Luz 
Estreou a vida
Em mês primaveril.
Floriu o mundo 
com seu sorriso
Juvenil.
Se fez amante
Das coisas belas
E a musa 
Dos poemas de amor.
Os seus vapores 
Soltavam odores 
de lascívia e paixão.
O seu amado,
Um belo infante,
escafedeu-se 
No breu da noite 
De Verão.
Não deu a luz
Com seu amante
Porque o útero
do seu destino
Era estéril.
Por ser etérea
Maria da Luz
Dissipou-se
Na solidão.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

CABOCO SETENTA

O meu avô materno chamava o meu irmão mais velho de "Cabôco Setenta". Um dia lhe perguntei:

- O que é isso, padrinho?

- Ele vale por setenta dos homens daqui! - disse orgulhoso, caneca de café à mão.

- E eu, padrinho?

Ele me olhou meio decepcionado e disse:

- Você vai ser o sessenta e nove.

- Vou valer por sessenta e nove?

- Não!

- E então?...

- Quando você crescer, saberá.

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

O ventinho amigo

Quando eu era adolescente pelas ruas de Alagoinhas, em vez de caçar Pókemon, eu caçava aquele ventinho amigo que arribava a saia das meninas em frente do convento das freiras. Um dia, uma garota que o vento pegou de mãos ocupadas com o material escolar, me disse irritada depois de se recompor:

- Besta! Viu a tela, mas não viu o filme!
- Ah! Mas o resto fica mais fácil de imaginar - respondi.
- Seu tarado!
- Tarado é o vento. Eu sou só testemunha.
- E por que não fechou os olhos como todo menino educado?
- Porque em vez de tarado, você ia me chamar de vi...
- Pare!
- Tou parado.
- Seja gentil, segure meus livros!
Segurei e em seguida sangrei pelo nariz.
- Você me bateu!
- Você apanhou porque mereceu.
- Mamãe!
- Desse tamanho e ainda chama por mamãe!
- Não. A minha mãe era que dizia isso, de apanhar por merecer.
E entre réplicas e tréplicas, namoramos um semestre inteiro. Eram tempos de se engarrafar sonhos sem precisar de Mc Donald feliz.

domingo, 15 de outubro de 2023

Associação criminosa para cometer crimes, segundo os visionários novelísticos

     O Ouro, a Prata, o Cobre e o Níquel se associaram ao crime organizado, sequestraram o Oxigênio e ameaçaram destruir a família Ferroso lançando bombas letais de O2. Desbaratada a quadrilha metaleira numa fantástica ação batizada de “Operação Ferrugem”pela PF, sob o comando da delegada federal Helô e investigação conduzida pelos repórteres do Fantástico, o único elemento a ser preso sem direito a sursis nem à Lei Fleury foi o famigerado Carbono, que não fazia parte do Grupo e tampouco se inseria na história. Motivo alegado para a prisão: foi o único preto que a diligente delegada encontrou na Tabela Periódica.

O cabaré da Tininha

 

Tom Torres e Cristiana Alves

 

Nunca pergunte ao seu pai aonde ele vai, principalmente se você não pode ir junto. Lá no Junco, para perguntas sem respostas, se diz que a curiosidade matou o gato.

- Que gato, pai? Nós nem temos gatos!

- Você está querendo saber demais!

- Mas só perguntei aonde o senhor vai desse jeito.

- Desse jeito, como?

- Mais enfatiotado do que prateleira de mulher suspeita!

- Acertou! Vou justamente para um lugar de mulher suspeita: o brega de Tininha.

Esse era um diálogo entre pai e filho: José e Matheus. Este, passava horas imaginando como seria o brega da Tininha. Menor de idade, não o deixavam entrar. E a sua imaginação corria solta, pensando em cada detalhe do ambiente: as mulheres, as luzes, os homens que frequentavam, as músicas, os quartos... Imaginava Tininha do jeito que veio ao mundo, peladona, uma linda mulher e fazendo sexo com ele.

Um dia Matheus sofreu um baque que o tirou bruscamente dos devaneios eróticos com Tininha:  ficou sabendo que ela não era ela, mas ele! Tininha era um homem! Fez cara de nojo e lavou a boca com sabão.

Um dia, uma prima minha, muito amiga da falecida esposa de José, resolveu fazer uma visita a ele. Conversa vai, conversa vem, deu a hora de José ir para sua partida de futebol e ela permaneceu na casa dele, a pedido do mesmo. Matheus estava na casa da namorada. Aproveitou para tomar banho, fez café e sentou-se à mesa para tomar um cafezinho fresco. Ouviu o barulho de alguém abrindo o portão, pensou que era Matheus retornando da casa da namorada e continuou tomando seu café na mais cândida moral. 

- Matheus?!

Não era Matheus. Era uma garota, aparentando ter dezenove anos, morena, cabelos pretos e longos, olhos castanhos e faiscando fúria.

- Quem é você? – gritou a visitante, se dirigindo ameaçadoramente para a minha prima – O que você é de José? O que você faz aqui?

- Pergunta para José!

- Já perguntei! Já perguntei! – disse à beira do histerismo.

- E o que ele disse?

- Nada! Aquele safado não disse nada! Nada! Nada! Sua quenga, o que você faz aqui? Sua puta rampeira, o que você quer aqui? Sua cachorra, você some e depois de quinze dias aparece, sua... sua... sua... despinguelada!

- Se desafaste de mim!

Ela partiu para agressão física. A minha prima se esquivou e ligou para José.

- Me acuda, José, que tem uma doida aqui tentando me agredir!

            - Saia de casa e chame Matheus.

            Matheus não atendeu. A garota vomitava palavrões e a minha prima, desesperada, correu porta afora e procurou refúgio na casa vizinha, de um primo de Matheus. A garota foi atrás e parou na frente da casa, continuando os insultos:

            - Essa quenga despinguelada é a nova puta do José! Essa tabaca ensebada é a cueira daquele safado, que de dia é José e de noite é Tininha! E todo mundo aqui pensando que ele é um santo! Só se for santo do cu oco!

 

 

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Enquanto a chaleira não chia

Eu queria desvendar o segredo

De gravar os versos que não te fiz,

De sentir o gosto do teu batom

Nas palavras que não se diz.


Consumir o oxigênio ardente

Da tua boca que não beijei

Provocar o rubor pálido

Na ponta aguda do teu nariz.


Procurei os alquimistas. Otimista

Com suas fórmulas universais...

Vieram os druidas e seus caldeirões

De  porções mágicas e segredos vegetais.

Vieram até as bruxas do amor

(no meu poema há bruxas, não deusas)

E suas verdades quânticas...


Nada me revelaram e ainda surrupiaram cem!


E os versos que não te fiz,

As palavras que não te falei,

O beijo que não te dei,

O rubor pálido de teu nariz

Foram arrastados pela enxurrada

Das lágrimas que não chorei.

De pai pra filho

 

Um momento de ternura entre pai e filho que não se repetirá mais. Certa vez perguntei ao meu pai o que ele falava nesse instante. Ele me disse:
- Indaguei ao seu irmão: "Meu filho, que bom que você se tornou alguém na vida!"
- E o que ele respondeu? - perguntei.
- Ele me respondeu: "Devo tudo isso ao meu irmão Toninho. Se não fosse ele, eu não seria ninguém". Como assim? E ele me disse: "Papai, toda vez que olhava para aquele moleque correndo atrás das cabras eu dizia a mim mesmo: quero ser qualquer coisa na vida, menos igual a esse coisa ruim!"

De pai pra filho

Ele dizia:
"Um homem sem seu chapéu
É um homem sem cabeça.
Um homem com seu chapéu,
É simplesmente um homem."

Não necessariamente assim.
Mas era como se fosse.

Nem ia mais à missa
Apesar de toda a devoção,
Porque na igreja era obrigado
A entrar sem seu chapéu.

Como cantava Nelson Gonçalves:
"Naquela mesa está faltando ele
E a saudade dele está doendo em mim."


Mainha sem mim

Hoje é dia de mainha.

Mas mainha, sem mim, 

seria apenas ela sem mim

e até agradeceria a Deus

ou ao santo de sua devoção,

nunca ter me tido

numa noite primaveril

e acabado com seus sonhos de Verão.


Mas a dúvida que a atormentaria

seria nunca saber o que ela fez

na Primavera passada e engomada

de séculos pretéritos.


E, como o dito acima,

Mainha sem mim,

Seria apenas ela sem mim,

porque os outros dez irmãos,

teimosos como são, 

teriam nascido de qualquer jeito

e lamentariam eu não ter nascido

numa noite de Verão.


Mainha sem mim,

seria apenas uma mãe

sem ter histórias a contar.


A fada

Era uma vez uma bruxinha

Sem o caldeirão das maldades,

Sem vassoura a diesel,

Sem asas para voar.


Mas voava.


O céu era o limite, 

Mas seus sonhos eram etéreos.

domingo, 3 de setembro de 2023

A arte da sedução

Ele vê uma mulher perfeita desfilando pela calçada: corpo escultural, sensualidade de ninfa e, quando ela deixa cair o lenço dois passos adiante, ele diz:

- Ei... fofinha!

Ela se abaixa bruscamente, recolhe o lenço à bolsa, vira para trás e diz:

- Fofinha é a puta que lhe pariu!

E segue em frente com seu andar provocante em busca de uma alma que saiba a diferença entre um corpo de mulher e uma almofada.

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Festa no Sertão

Milagre não foi eu ter nascido. Milagre foi ter sobrevivido. Depois de uma fileira de filhos a consumir sua farinha de mandioca, teria passado despercebido se ele, o meu pai, não tivesse pregado o olho em mim no dia que nasci. Chapéu de palha na cabeça, cigarro de palha nos lábios, baforou um palavreado de admiração e contentamento:

- Mulher, se esse moleque tivesse nascido mais feio a gente podia matar que era monstro!
longe, na cajazeira, o riso estridente das cigarras abafou meu choro.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

O HOMEM MAIS BRABO DE ALAGOAS

 - Eu pensei que o alagoano mais brabo fosse Pedro Matador, de Quebrangulo, mas me enganei.

- E quem é o mais brabo?

- O meu médico.

- Por que você diz isso?

- Imagina, ele teve a coragem de proibir um baiano de comer farinha. Eu apelei, usei todos os recursos da linguagem, implorei, me humilhei até: Doutor, faça isso comigo não. Dê-me uma história de amor trágico, onde os dois se suicidam no final! Dê-me um copo e meio da cicuta mais mortal que as usadas por Agatha Christie em suas histórias policiais! Dê-me uma corda de enforcado e o seu respectivo cadafalso com selo do INMETRO! Dê-me uma vida sem sentido e de total ignorância política, tal qual o QI dos bolsominions! Dê-me a beira do abismo e a palavra "siga em frente" ecoando nos meus tímpanos! Dê-me um tsunami e apenas uma boia de pneu de caminhão para flutuar! Dê-me qualquer coisa de ruim, meia hora de BBB, dez minutos de Mais Você, cinco minutos do Domingão do Faustão, mas, por favor, não me tire a farinha. Tirar a farinha de um baiano é pior do que lhe tirar a vida.

- E ele não se condoeu depois dessa choradeira? Até eu fiquei emocionado.

- Que nada! A reação dele foi chamar a atendente e dizer friamente “Conduza o paciente até a saída e se ele pedir recibo da consulta, aumente em mais cinquenta por cento”. É corajoso ou não é?

 

segunda-feira, 20 de março de 2023

Eu vi Jesus na goiabeira

Hoje eu vi Jesus. É difícil de acreditar, mas vi Jesus de Nazaré. Por coincidência, ele estava encostado em um pé de goiabeira, comendo umas goiabas amarelinhas e que pareciam saborosas, pois Jesus não parava de comê-las. Satisfação total. Até babava e lambia os beiços. Fiquei compenetrado, em êxtase, ao vê-lo na minha frente em carne e osso. Parei o carro, desci e me ajoelhei aos seus pés em súplica de milagre:

- Jesus, pelo amor do pai e do espírito santo, atende a um pedido meu!
Ele me olhou com estranheza e me falou com uma voz de pai ralhando com o filho:
- Nem meio pedido! A borracharia já fechou e agora eu não conserto furo de pneu de senhor ninguém! Logo ali na frente tem outra, vá lá e me deixe comer minhas goiabas sossegado.
Quer saber? Nunca confie na solidariedade de borracheiro de Nazaré das Farinhas.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Conversa ao pé do fogão

Depois do almoço, falei para a diarista:

- Cleide, será que não tem nenhum doce escondido por aí?
- Não.
- Nem leite condensado?
- Tem um na cesta de Natal que dona Edna ganhou.
- Então distraia a atenção dela que eu vou roubar o leite.
- E ela reclama?
- Claro! Diz que é pra fazer pudim, mas, se eu não usar, perde a validade.
- E o senhor gosta tanto assim?
- Mais que Bolsonaro. O povo reclama que ele gastou cinco milhões com leite condensado, mas se eu tivesse um cartão corporativo, gastava dez.
- Vixe!
- Carência de infância. Lá no Junco não tinha dessas coisas. Eu estava com sete anos quando nos mudamos para Alagoinhas. Fomos em janeiro e, em fevereiro, voltamos para a festa da padroeira. Não tínhamos mais casa e tivemos que nos arranchar na casa da minha avó paterna, e ela não tinha gado, portanto, não tinha leite, pois naquele tempo as vacas ainda não davam leite em caixa. Então, de noite, a minha mãe apareceu com a novidade. Que delícia! Depois do café fiquei de butuca pra ver onde ela ia guardar.
- Descobriu?
- Sim. De madrugada, os galos cantando, caminhei sorrateiro para a cozinha, igual à Pantera Cor de Rosa, e me deliciei. Entornei três latas.
- Três latas?! E não ficou com dor de barriga?
- Não. Fiquei com dor na bunda da surra que levei.
- E como ela descobriu?
- Quando eu acordei, ela olhou pra mim e disse: “Você tá com a cara muito da sonsa, sinal de que fez alguma coisa errada!” Correu para a cozinha e não precisa dizer o que ela viu, né?
- E a sua avó não fez nada para lhe defender?
- A minha avó? Ela foi a primeira da fila pra me bater, pois também tinha gostado do leite condensado. Depois a minha mãe, meus tios, meus primos e meus irmãos. Só sobrevivi de teimoso que sou.

De raios e trovões

Certa vez, voei do Galeão para Salvador debaixo de sete camadas de nuvens e raios. Quem conhece o Rio de Janeiro sabe que chuva lá não é garoa. As nuvens negras e seus raios mortais ficam a vinte metros do chão. Antes de ir para o aeroporto, meu irmão me disse:

- Nem vá que não vai dar teto!
- Preciso bater cartão à meia-noite.
Naquele tempo viajar de avião era moleza. Parava no bar do aeroporto e esvaziava um litro de rum nos trinta minutos de espera. Se o avião caísse ou não, não estava nem aí.
Era um avião da Viação Cruzeiro quando a companhia aérea estava no estertor da morte. Mal subiu quinze metros, começou a se desmanchar. As portas dos maleiros abriram de vez, as bagagens começaram a cair, o povo a gritar - uns a rezar - e eu, calmamente, observando os raios lá fora, imaginando se haveria vida após a morte.
Felizmente, não foi meu dia de saber.

O politicamente correto

 Fui censurado em Salvador porque pedi um doce chamado "nego bom". Disseram-me que era politicamente incorreto. Aí retruquei:

- Mas na embalagem está escrito nego bom! Vou pedir como?
- Doce moreno.
- Aí você vai me acusar de racismo!
- Então fale outra coisa. Veja: ô, moço! Moço! Me dê aquele doce afrodescendente de coração bondoso!
- Qual? O nego bom?
(risada sem jeito, de dente travado como se fosse fazer um selfie)
ras 5

Trocadalho do carilho

 

Toda pessoa soa
Toda pessoa sua
Toda pessoa soa sua
Toda pessoa sua soa
Toda sua pessoa soa
Soa pessoa toda sua
Sua pessoa toda soa
Soa toda pessoa sua
Sua toda pessoa soa.

domingo, 15 de janeiro de 2023

POR QUE LAMPIÃO NÃO PASSOU NO JUNCO?

- Lampião passou por aqui?

- Não, não passou. Mandou recado, dizendo que vinha, mas não veio.

- Por que Lampião não passou por aqui?

- Ora, ele ia lá ter tempo de passar nesse fim de mundo?

Antônio Torres in Essa Terra.

 

"Lampião não foi, mas se tivesse ido não ia encontrar ninguém pra molestar", me disse o meu pai quando lhe perguntei sobre o malogro de Lampião. "O povo todo correu para as roças, se escondendo debaixo da cama. Quem tinha casa na roça. Os da rua fugiram para Serrinha, Biritinga e Nova Soure e só voltaram duas semanas depois. Êta povo corajoso!"

Depois dessa conversa fui pesquisar o porquê de Lampião não ter cumprido a sua promessa. O povo do Junco não merecia. Ademais, Lampião não era de faltar com a palavra. Então, baseado em fatos reais (lembrando de que a literatura é a realidade paralela) encontrei o verdadeiro motivo que levou o rei do cangaço a desfeitear o povo da minha terra.

No Junco de antigamente, então um lugar esquecido por Deus e pelos governantes, só havia um velho soldado conhecido como “Quarenta”. Ganhou esse apelido por causa da sua mania de chamar polenta de “quarenta”. No início ele não gostou, achou que era um desrespeito à sua autoridade, mas quando viu que teria que prender toda a população, resolveu se fazer de mouco. O tempo foi passando, ele se acostumando até o dia que incorporou de vez o apelido ao nome e passou a se apresentar como “Soldado Quarenta”.

Como o lugar ainda era distrito de Inhambupe, o Soldado Quarenta assumia a função de juiz, delegado e soldado. Só não assumiu a de escrivão porque era analfabeto. Gostava de desfilar garbosamente com sua farda rota, exibindo uma velha pistola de dois canos, chamada de “dois tiros e uma carreira”.

Nesse dia que Lampião disse que ia e o povo achou que ele não foi, antes de invadir o lugarejo ele reuniu a cabroeira na entrada para traçar um plano de invasão. O rei do cangaço era precavido e não queria ser surpreendido como fora em Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde teve que fugir feito ladrão de galinhas. Tinha que saber quantos soldados estavam à sua espera. Aprisionaram um fugitivo retardatário e o espremeram feito um de umbuzada:

– Tem quantos “macacos” no povoado? –  perguntou Lampião, apertando a goela do pobre coitado.

– Tem muitos não, meu capitão! – respondeu o morador, trêmulo e sem conter a expressão de terror – Só tem Quarenta!

Lampião resolveu contar seus homens: dezoito! Empurrou o “informante” para o lado, pegou seu embornal, colocou a espingarda em bandoleira e ordenou:

– Vamos embora que estamos em desvantagem numérica! Também, roubar pobre é pedir esmola pra dois!

O morador foi libertado e voltou bambo para casa, mas saboreando o orgulho de ter sido capturado e solto pelo legendário chefe do cangaço. Queria contar a todos e talvez virasse nome de rua ou de escola, mas não havia ninguém no povoado. Até o valente Soldado Quarenta fora abduzido por um disco voador, e, durante semanas, o fedor de mijo e de merda ficou impregnado nos lugares em que nosso herói passou.


A Praça Kennedy e o Estádio Carneirão

 

Quando vim morar em Alagoinhas, essa era a praça de se jogar bola e se chamava Praça da Rua de Inhambupe. Mas um dia o Marechal Castelo Branco sobrevoou de helicóptero a cidade, nos viu no meio de uma pelada, pousou, nos pediu, para jogar, deixamos,  então, devolvendo a nossa gentileza, nos prometeu um campo melhor. Anos depois, não se sabe se foi projeto dele ou não, foi construído em Alagoinhas um estádio muito bacana. A praça também fora reformada e  batizada de John F. Kennedy. 

Na inauguração, todos os moradores da cidade foram obrigados a assistir a um filme sobre a vida e morte de Kennedy,  exibido na parede dessa igreja da foto. E ai de quem não se revoltasse na hora do tiro que matou o artista principal! Dezenas de camburões estavam estacionados na Praça.

Semanas depois desse evento perguntei a uma vizinha, que se dizia membro do TFP,   porque ela havia chorado tanto quando assistia ao filme. Ela me respondeu fazendo cara de choro: 

- Ô, Tom, é que aquele filme me lembrou tanto da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo!

Assim, graças a uns moleques peladeiros que deixaram o Marechal jogar de beque, Alagoinhas ganhou uma praça e um estádio de fazer inveja a certas capitais. Só que nunca nos deixaram jogar pelada no seu gramado.