sexta-feira, 1 de março de 2013

Cineas Santos - Roma locuta



                               
         O papa Paulo VI enfrentava sérios problemas para apascentar seu numeroso rebanho. Millôr Fernandes, sempre certeiro, disparou: “Se eu fosse o papa, vendia tudo e ia embora”. Pena que o filósofo do Méier não tenha vivido o bastante para ver Bento XVI, no dia 11 de fevereiro de 2013, anunciar que vai pegar o boné , o cajado e saltar fora da “Barca de Pedro”. Razões? Cansaço, velhice, problemas de saúde... Fez o comunicado em latim para que os anjos, antes dos humanos, tomassem ciência de sua decisão radical. Na noite daquele dia, um raio riscou o céu do Vaticano, “manifestação do Espírito Santo”, afirmam alguns.

         Não são poucos os que veem na renúncia de Bento XVI  um gesto de suprema humildade, de desapego ao poder, de responsabilidade. Muitos, porém, o acusam de fraqueza, debilidade e até covardia. A jornalista Bárbara Gancia, por exemplo, em artigo publicado na Folha, entre outras gentilezas, afirmou: “E o poder simbólico da resiliência? Que mensagem de perseverança Bento 16 nos deixa? Muito conveniente exigir todo tipo de sacrifício do fiel e depois exibir publicamente tamanha frouxidão”.

         Até que o Espírito Santo indique o novo pontífice, muita água vai rolar sob a ponte. As teses conspiratórias já estão em curso. As intrigas palacianas, as transações escabrosas, os interesses mais escusos, tudo isso renderá livros, documentários e filmes, o que é perfeitamente explicável: ninguém renuncia ao “Trono de São Pedro” impunemente. O último a fazê-lo, Celestino V (1294) teve de passar uma temporada na antessala do inferno de Dante Alighieri antes de ser canonizado por Clemente V em 1313.

         Conservador, erudito e sem nenhum carisma, Bento XVI será lembrado como um intelectual que se esforçou para corrigir os rumos de uma igreja marcada por escândalos de toda ordem: da pedofilia à lavagem de dinheiro. Sua renúncia, no entender de alguns vaticanistas, poderá acelerar o processo de oxigenação de uma instituição marcada por gritantes contradições: tem sido leniente com os crimes sexuais praticados por seus pastores, mas intolerante até com uso de preservativos e contraceptivos por parte dos fiéis. Há muitas questões abertas; a do celibato dos padres é a mais visível delas.

         Vaticanistas e simples especuladores acreditam que, para o bem da igreja, o próximo papa deve ser latino-americano ou africano. Resta combinar com o Espírito Santo que, parafraseando Murilo Mendes, baixa onde quer. Sem poder nenhum nem mesmo o de opinar, me limito a rogar  ao Paráclito para que escolha o ganense (ou ganês) Peter Turkson. Por amor à verdade, não o faço desinteressadamente: puxo a brasa para a minha sardinha, Com Obama na Casa Branca, Turkson no Vaticano e Joaquim Barbosa na Presidência do STF, poderei bater no peito e gritar: É nóis na fita, mano!
        

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Luís Pimentel - Questão de opiniães


     “A literatura me levou ao Colégio Militar. E foi esse colégio que me levou à literatura”, disse outro dia, numa entrevista, o peruano Mario Vargas Llosa. O grande escritor contava que o pai, assustado com os seus interesses lúdicos e pouco viris, temia que o filho, dados às artes e à poesia, se tornasse gay. Resolveu interná-lo em ambiente onde prevaleciam o excesso de disciplina e a ausência absoluta de liberdade. Para combatê-los, o hoje Prêmio Nobel escrevia sem parar. O tiro de canhão saiu pela culatra (ou “culetra”, com o pedido de perdão pelo trocadilho infame).

       Lembra-me um pouco a história (ou anedota) do Serginho, que quando menino vivia desenhando e costurando lindos vestidinhos de boneca. Os pais não permitiam, porque “desenhar e costurar vestidos era coisa de gay”. Na adolescência, Serginho queria ser bailarino. “Nem pensar! Isso é coisa de gay”. O mesmo disseram mais tarde, quando ele falou que queria fazer um curso para ser cabeleireiro. Resultado, hoje Serginho tem mais de trinta anos, é gay, e não tem uma profissão sequer para se sustentar. 

     A razão é simples: Nada é só isto ou só aquilo, porque como descobriu o inquieto Menino maluquinho, do inquieto e brilhante Ziraldo, “todo lado tem dois lados”. Livro infantil que publiquei há algum tempo, chamado História de dois lados, tem um verso que diz: “Esta história tem dois lados: um que aponta prum lado, outro que aponta pro outro / O lado direito é destro, o lado esquerdo é canhoto”. Falando para crianças numa escola que o adotou, ouvi essa pergunta:

     – Mas o lado esquerdo também pode ser destro e o direito o canhoto. Não?

     Fiquei olhando para o menininho, que olhava para mim com a maior cara de sacana, expressão de “agora te peguei”, e respondi o que me veio à cabeça na hora:

     – Acho que sim, cara. Depende do ângulo de quem está olhando.

     Daí, formulei mais uma tese na vida. A de que tudo no mundo depende do olhar, ou da intenção de quem está olhando (sejam os pais do Vargas Llosa, do Serginho ou do leitor do Maluquinho). E me lembrei do bom e velho Guimarães Rosa, em seu Grande sertão: “pão ou pães, é questão de opiniães...”

     Pois e não é?