segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
domingo, 16 de dezembro de 2012
Cineas Santos - Repensar a cidade
Em boa hora, por iniciativa do ICC, CAU/PI e IAB/PI,
realizou-se em Teresina, na semana passada, a 2ª edição do Teresina Sustentável, tendo como objetivo “discutir os caminhos do
urbanismo e da arquitetura na cidade”. O momento não poderia ser mais oportuno:
no próximo mês, a capital do Piauí terá nova administração e a necessidade
premente de pensar e realizar ações capazes de, pelo menos, minimizar os
problemas que nos afligem.
A exemplo de outras capitais brasileiras, Teresina não está
crescendo; está inchando. Sem
planejamento sustentável, a cidade incorre nos mesmos erros que inviabilizam as
metrópoles do país. O problema mais visível é do trânsito: caótico, ruidoso,
violento. Por falta de soluções inteligentes, os gestores insistem na ideia
superada de alargar ruas, rasgar novas avenidas, construir viadutos, o que implica diminuir os espaços destinados aos pedestres. A cada
“requalificação” de uma praça ou avenida, subtrai-se uma nesga das áreas
destinadas aos sem-carro. Foi assim
na Praça Saraiva (que corre o risco de ser dividida), na Praça da Bandeira; na
Praça do Marquês, para citar apenas alguns exemplos. A cidade está sendo
deformada para “facilitar” o fluxo dos automóveis que disputam cada polegada de chão
com a fúria de mil demônios.
O Código de Postura
parece ter sido elaborado para ser desrespeitado. Assim, casarões de relevante
valor histórico ou arquitetônico desaparecem na calada da noite, dando lugar a
edifícios modernosos ou estacionamentos. As calçadas, estreitas, irregulares, esburacadas,
põem em risco a saúde dos transeuntes. Acessibilidade não passa de um vocábulo,
recém-descoberto, levianamente empregado em discursos oficiais.
Os problemas não param por aí: o tal “cinturão verde” de
Teresina converteu-se num rosário de favelas, rebatizadas com o nome de
“vilas”, como se o substantivo tivesse o condão de melhorar a vida dos que
sofrem ali. A cobertura vegetal da cidade desaparece rapidamente engolida pela
especulação imobiliária. O que resta do verde essencial, notadamente nos
espaços públicos, apresenta problemas muito sérios: as árvores de Teresina
estão doentes, infestadas de erva-de-passarinho, corroídas por cupins ou
mutiladas por podas irresponsáveis. Quanto aos dois rios que banham a cidade, há
bastante tempo, foram transformados em escoadouro de efluentes indesejáveis.
Como se pode ver, em matéria de problemas Teresina está “bem servida”.
Curiosamente, na conferência de abertura do Teresina Sustentável, no dia 6, não vi
nenhum representante da Prefeitura de Teresina ou do Governo do Estado. A bem
da verdade, não avistei ninguém com poder político para alterar coisa alguma.
Um tantinho desencantado, pensei comigo: ou esses iluminados já sabem tudo ou não estão interessados em aprender
nada.
sexta-feira, 7 de dezembro de 2012
Antonio Torres - Flimar: o gol de letra do velho Capita
Foi bonita,
simpática, leve, divertida e, sobretudo, inteligentíssima, a terceira edição da
Flimar, a Festa Literária de Marechal Deodoro, criada, organizada e animada
pelo secretário de Cultura dessa cidade, o admirável homem de letras Carlito
Lima, o velho Capita, assim chamado, carinhosamente, por ter sido capitão do
exército brasileiro.
Graças ao seu esforço
e competência, hoje Marechal Deodoro está inserida na agenda nacional de
eventos literários - feiras, bienais, festas e jornadas, realizadas
regularmente de Passo Fundo, no Rio Grande Sul, a Manaus; e de Macapá, no
extremo-norte, a Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira.
Acontecida do dia
28/11 a 1/12, a 3ª Flimar contou com uma variada programação de palestras,
oficinas, saraus de poesia, concertos musicais, numa alegre e significativa
festa da cultura.
Frequentador de todas as suas edições até agora,
este velho escriba assistiu em todas elas a palestras memoráveis, como as de
Marina Colasanti, Ignácio de Loyola Brandão, Luiz Ruffato, Luís Pimentel,
Affonso Romano de Sant’ Anna, Salgado Maranhão, etc., etc. No ano passado,
porém, o maior destaque da Flimar foi ter o poeta e imortal Lêdo Ivo como o seu
autor homenageado. Neste 2012,
a honraria se estendeu a dois nomes: o do folclorista alagoano Théo Brandão - rememorado
pelo já citado Lêdo Ivo, assim como pelo jornalista Luiz Rosenberg e outros
palestrantes -, e o do baiano que vos escreve, saudado pela professora Vanúsia
Amorim, que, em nome de 1.700 alunos do IFAL de Palmeira dos Índios, e a três
vozes (com os atores Chico de Assis e Paulo Poeta), leu um poema (Juncomigo) do estudante Lucas Rosendo,
proporcionando um dos momentos mais emocionantes da festa.
Além de Théo Brandão, Monteiro Lobato, Jorge
Amado e Luiz Gonzaga, o rei do baião, também foram (bem) lembrados.
Entre os que contribuíram para o brilho da
Flimar 2012 figuram os nomes de Janaína Amado, Maurício Melo Júnior, Miriam
Salles, Marília Arnaud, Ovídio Polli Júnior, Valéria Martins, Carla Nobre,
Ricardo Cravo Albin, Ricardo Cabus... e o impagável Sebastião Nery – com o devido
pedido de desculpas aos não lembrados aqui.
Que a Flimar entre
definitivamente no calendário cultural de Alagoas, para o bem de todos e
felicidade geral da nação letrada.
E palmas para o seu o comandante-em-chefe
Carlito Lima, capitão das letras e das artes, semeador de cultura, cultor de
amizades.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
Luís Pimentel - O ano em que perdemos Altamiro Carrilho
Fluminense de Santo Antônio de Pádua e carioca de coração e de harmonia, o maior flautista de todos os tempos, gênio absoluto do seu instrumento, nasceu num mês de dezembro (dia 21), no ano de 1924. Com os sopros que encantaram pelo menos duas gerações de admiradores e de músicos brasileiros (boa parte deles solando canções de sua própria autoria), Altamiro reinou soberano nas melodias e nos arranjos até o dia 15 de agosto deste ano, quando complicações pulmonares encerraram a sua linda e duradoura carreira.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
Quem sabe faz a hora
“Um
mais um é sempre mais que dois”. Beto Guedes.
Quem
participou do Fórum Nacional de Cultura sabe o quão difícil é se fazer cultura sem
o apoio oficial e sem um bom mecenas a financiar a arte e as letras dos
desprovidos de dinheiro para bancar o jabá midiático, tão comum hoje em dia.
Em
Alagoas havia uma grita geral da classe artística local, principalmente dos
músicos e compositores, a maioria com bons trabalhos gravados, mas sem a
oportunidade de serem divulgados. Na seara das Letras, nem é bom se falar.
Poucos, bem poucos, raros amigos do poder (ou do “quem indicou”), conseguiam
publicação pelos órgãos competentes, verdadeiras máquinas de se misturar dinheiro
público com o compadrio.
Em
Palmeira dos Índios, cidade no sertão alagoano, na contramão dos contratempos
está surgindo um movimento de escritores juvenis no Ifal (antiga Escola
Técnica), capitaneado pela competente e dedicada professora de Literatura
Vanúsia Amorim. Graças a esse movimento os estudantes estão tendo voz e vez na
literatura local, apadrinhados pelo escritor baiano Antônio Torres, ídolo da
garotada palmeirense.
Pelas
bandas da minha terra, o arraial do Junco, existe outro “mecenas” da classe
estudantil, uma professora, voz isolada dentro das quatro paredes que delimitam
o espaço físico da escola. Mestra em Crítica Cultural pela UNEB, em Alagoinhas,
não deixa passar em brancas nuvens os eventos culturais promovidos pelo
aparelho estatal (e que são muitos, diga-se de passagem), principalmente os de
cunho competitivo. Recentemente ela esteve envolvida no Primeiro Encontro
Estudantil de Ciência, Arte e Cultura, cuja etapa final se deu na Praça das
Artes, no Pelourinho, Salvador, Bahia. Dez
alunos de sua escola foram selecionados, mas nem todos puderam comparecer por
motivos alheios à sua vontade.
Foram
vários dias de integração da comitiva junquesa a outras da imensa Bahia, sem se
falar no deslumbramento de se conhecer a velha capital pela primeira vez.
Dormiam e acordavam vendo a Baía de Todos os Santos através da janela do hotel
em que se hospedaram no Farol da Barra. A partir desse evento, seus olhares
nunca mais serão os mesmos.
Vale
dizer que, a ajuda do governo estadual com transporte, hospedagem e alimentação
foi tão-somente no trajeto Alagoinhas-Salvador-Alagoinhas. Os alunos envolvidos
no projeto só puderam completar o trajeto graças ao apoio das boas almas dos
viventes intramuros da escola. O município, que gasta milhões com obras sem
nenhum sentido ou com bandas de reboleichô-chô, não investe um centavo na
promoção cultural nem no potencial estudantil em ebulição. Aliás, a atual
gestão conseguiu uma grande mágica, daquelas de botar Mister-M no chinelo: fez
sumir tudo aquilo que foi construído na área cultural ao longo das décadas.
Para os operadores e observadores da área, esta foi uma gestão de terra
arrasada. Literalmente.
Vanúsia
em Palmeira dos Índios, Cristiana Alves no velho Junco, duas mulheres na
vanguarda dos acontecimentos além dos limites de suas possibilidades, contando
apenas com a cooperação dos colegas e o esforço dos seus alunos que, na maioria
das vezes, são movidos apenas pelo desejo em dar a volta por cima de suas carências.
Por
essas duas grandes mestras que fazem a diferença na terra dos desiguais,
parabenizo a todos aqueles e aquelas que acreditam poder fazer a hora sem a
agonia da espera.
domingo, 25 de novembro de 2012
POR ENQUANTO SÓ MATARAM O CÃO
Nos anos sessenta e setenta do século
passado, o poeta Eduardo Alves da Costa abalou as estruturas da Censura da
ditadura com o poema “Caminhando com Maiakovski”, cuja autoria se atribuiu
erroneamente ao poeta russo, o que poupou o pescoço do poeta fluminense de ir
para a guilhotina. Ou de “suicidar-se” com trinta tiros de fuzil depois de
enforcado.
O trecho que trago à baila era refrão
obrigatório em todo movimento de protesto contra o regime ditatorial da época e
também o poema preferido de dez a cada nove estudantes universitários. Hoje,
com o advento da Democracia, achava-se que não seria mais preciso clamar pelo
poeta bolchevique, um revolucionário que também se “suicidou” frente a um
pelotão de fuzilamento (apesar de a história oficial negar esse fato, mas quem
acredita em história oficial de ditadores, ainda mais um carniceiro como
Stalin?), mas, aqui nas Alagoas, tudo continua como Dante(s) (Alighieri) no
quartel de Abrantes desde quando os alagoanos escolheram um filhote da Ditadura
para ser governador.
“Na
primeira noite eles se aproximam
e
roubam uma flor do nosso jardim.
E
não dizemos nada.
Na
segunda noite, já não se escondem:
pisam
as flores,
matam
nosso cão,
e
não dizemos nada.
Até
que um dia,
o
mais frágil deles
entra
sozinho em nossa casa,
rouba-nos
a luz, e,
conhecendo
nosso medo,
arranca-nos
a voz da garganta.
E
já não podemos dizer mais nada.”
Edécio
Lopes, o radialista mais ouvido das Alagoas, tinha um programa na Rádio
Educativa FM onde mesclava entrevistas com a nossa MPB. Conhecia de cor e
salteado a história de cada música que tocava. Um dia, exatamente um ano depois
de ser homenageado pela direção da Rádio pelos 50 anos do programa, ele caiu na
besteira de entrevistar o prefeito, à época, adversário político do governador.
A retaliação veio a jato: o programa saiu do ar e o radialista foi demitido
sumariamente. Passou por um processo de fritura, isolamento e angústia, que
culminou com sua morte um ano depois. Como prêmio de consolação – ou o famoso
“cala-boca” – o Instituto Zumbi dos Palmares deixa os filhos do Edécio Lopes
alimentar a vaidade, fazendo um programa semana antes do carnaval.
Depois
da demissão do grande radialista - segundo alguns profissionais do Instituto
Zumbi dos Palmares, que abriga a rádio e a tevê Educativa - a linha dura foi
instalada e vários jornalistas foram perseguidos (só não foram demitidos porque
eram concursados, mas tentaram, abrindo os tais “inquéritos administrativos”).
Tempos
recentes, o governo, além de ignorar o sindicato dos trabalhadores em educação
como entidade de classe, conseguiu na Justiça uma proeza que nem a Ditadura foi
capaz de tamanha aberração: a proibição de o referido sindicato fazer greve.
Seis anos sem dar aumento aos professores, agora se sente livre, leve e solto
para não dar mais nenhum, vez que o direito constitucional do trabalhador foi
relegado a segundo plano pela Justiça alagoana, essa mesma Justiça que, de vez
em quando, a gente vê nos noticiários nada elogiosos.
Não
satisfeito com a truculência autoritária do seu governo, esta semana o
governador publicou um decreto destituindo a presidente do Conselho Estadual de
Educação e nomeando o secretário da pasta como o presidente. Ora, se os
conselhos são considerados órgãos reguladores da sociedade aos órgãos públicos,
como um regulado vai regular a si mesmo sem que isso não crie uma situação
conflitante?
Além
de uma atitude inconstitucional, é antiético e, acima de tudo, IMORAL. Se a sociedade alagoana se calar, é sinal de
que já nos arrancaram a voz da garganta.
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Entrevista de Antonio Torres a Bia Corrêa
Uma excelente entrevista do escritor baiano Antonio Torres a Bia Corrêa, no programa UMAS PALAVRAS, do Canal Futura.
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
È proibido fumar
Erradicar a febre amarela foi moleza para Osvaldo Cruz. Queria ver mesmo era ele erradicar a arrogância dos mais iguais, principalmente quando abusam da autoridade e dizem lá das nuvens: "Você sabe com quem está falando?"
Cabe ao zé ninguém cá embaixo engolir em seco, recolher-se à sua insignificância e ir para casa remoer impotência com gosto de fel e acender uma vela para o agora santo Joaquim Barbosa, o herói de todas as vilanias.
Foi o que aconteceu comigo na noite de ontem. Fui com meu filho Vinícius e um vizinho comer uma pizza aqui perto de casa. Não é uma pizzaria qualquer, pois já se transformou em rede e se espalha pelos bairros da cidade e pelo interior. Chama-se "Parmegianno Restaurante e Pizzaria" e localiza-se na Rua Luiz Calazans, Jatiúca.
Bem na hora que nos foi servido a pizza, uma moça da mesa ao lado acendeu um cigarro. Sabendo que fumar em restaurante é proibido por lei federal, estadual e municipal, chamamos o garçom e reclamamos da falta de respeito da mocinha. O garçom olhou para a mesa e amarelou:
- Não posso fazer nada. Ela é a mulher do dono.
Alegamos que, mulher do dono ou não, a lei valia para todos e ela, ali, não era diferente de ninguém, mas o garçom manteve-se irredutível porque, segundo ele, se fosse reclamar perderia o emprego.
É assim que a banda toca pelo lado de cá. Quem pode, pode, quem não pode se sacode.
domingo, 18 de novembro de 2012
A Rosa de Hiroshima - vídeoclip
Aproveitando o espírito natalino para divulgar o que pode fazer a intolerância racial ou religiosa.
Algumas imagens (a maioria) do clip são reais.
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
O sertão não virou mar
De
todas as profecias do líder espiritual Antonio Conselheiro, uma se realizou e a
outra por um triz não virou manchete histórica.
A
primeira aconteceu quando ele resolveu falar ao povo de Inhambupe, uma cidade
de sobrenomes importantes à época do Império e que depois aderiram à República
como se fossem os pais de Deodoro da Fonseca.
Antonio
Conselheiro, acostumado a fazer suas pregações para o povo simples do sertão,
deu de cara com uma população bronzeada nos mares da capital e devidamente
armada de paus e pedras sob o comando da igreja republicana. Em sua fuga, o
fundador do arraial de Canudos olhou para trás e vaticinou: “Vocês vão crescer
como rabo de besta!”.
(Aqui faço uma pausa para explicar aos amigos da urbe que não sabem a diferença entre um jegue e um jumento e nem deram testemunho dessa praga conselheirista, que nem mesmo o povo de Inhambupe, à época, sabia da intensidade maléfica proferida pelo boca santa. Segundo o escritor Antonio Torres, no seu livro “Essa Terra”, o diálogo entre o fujão e os agressores prosseguiu:
(Aqui faço uma pausa para explicar aos amigos da urbe que não sabem a diferença entre um jegue e um jumento e nem deram testemunho dessa praga conselheirista, que nem mesmo o povo de Inhambupe, à época, sabia da intensidade maléfica proferida pelo boca santa. Segundo o escritor Antonio Torres, no seu livro “Essa Terra”, o diálogo entre o fujão e os agressores prosseguiu:
(...)
“O
povo indagou:
─
Como é que rabo de besta cresce?
─
Para baixo.
─
Mas todos os rabos crescem para baixo.
─
Só que o da besta, quando cresce, o dono corta. Para dar valor ao animal.")
E
faz sentido, porque Inhambupe continua perdido no espaço e no tempo, vivendo
apenas do saudosismo dos sobrenomes importantes do Império e do início da
República.
O
outro vaticínio, o mais famoso de todos, cantado em versos e prosa de norte a
sul do país, esteve prestes a acontecer no arraial do Junco, que também fez
parte do território de Inhambupe, mas que escapou da praga do Conselheiro porque
o barbudão olhou para o outro lado, para as bandas de outro arraial, Aporá,
que, coincidência ou não, nunca passou do que é.
Em uma manhã de muito sol e pouca inspiração, como são as manhãs do sertão, o
velho alcaide do Junco leu, por acaso,
as profecias vindas de Canudos. Imediatamente reuniu sua equipe e disse eufórico, como se acabasse de descobrir a pólvora:
─
O sertão vai virar mar!
─
Estou sabendo. Li isso num livro de cordel. Parece que foi dito por Lampião – falou Sua Eminência, o Secretário da Cultura.
─
Deixa de ser burro, cara! – gritou outro notável, cuja patente não deu para identificar – Quem falou isso foi o Barão de Jeremoabo, Cícero Dantas!
─
Deus do céu, como vocês são ignorantes! – falou o alcaide – Quem tá dizendo
isso sou eu. Vou transformar o velho açude numa praia e vai ficar mais famosa que
Copacabana.
Ato
contínuo, tirou da algibeira o rascunho do projeto, rabiscado momentos depois
que a luz das ideias se acendeu na cachola. O açude, um lago de águas barrentas,
construído pelo DNOCS para matar a sede do gado em período de seca, ia virar
mar, com ondas de trinta metros de altura. Antevia o futuro: margens lotadas,
sem nem mais um buraco para se enfiar um sombreiro, vendedores caminhando com
dificuldade para vender seus produtos, acesso à praia totalmente congestionada
de carros, ônibus e caminhões de gente vinda de todos os cantos, inclusive das
cidades circunvizinhas. À beira d’água, nas marolas, crianças nadavam alegremente, algumas usando boias coloridas;
no meio do lago, jet-ski deslizando de um lado para outro, velas de windsurf desfraldadas
ao vento e centenas de surfistas bronzeados pegando onda. Uma faixa visível
na entrada do açude avisava da presença de tubarões além do quebra-mar artificial. No meio da areia escaldante, tropeçando
no povo, uma equipe da TV Subaé, de Feira de Santana, entrevistava os banhistas
para mostrar no Jornal Nacional e...
─ Para! Para! Para! Mas o que é isso? – perguntou o sisudo secretário mudo tirando o prefeito do seu devaneio.
─ Para! Para! Para! Mas o que é isso? – perguntou o sisudo secretário mudo tirando o prefeito do seu devaneio.
─
Isso vai ser a nossa principal atração. Como a água vai ficar salgada, pois água do
mar é salgada, os bois e as vacas vão ter que beber água de coco... de canudinho. Não
é chique?!
Infelizmente
a chiqueza do delírio se transformou em pesadelo, porque o dinheiro, tão
necessário em obras estruturais, foi engolido por esse mar de lama movediça, e
o povo, contagiado pelo entusiasmo do garoto alegre do Portal que apregoava diariamente que o
sertão ia virar mar e a tal praia ia ser mais famosa que Copacabana, caiu na
real quando a seca bateu e faltou água para o gado beber. O gado e outros
animais, inclusive os homens e as mulheres.
Apesar
de pavimentar o acesso à tal "praia" e fazer uma inauguração nas coxas, o povo não se banhou
na lama do desperdício do dinheiro público e impôs ao prefeito sua primeira derrota depois que ele fez da política
sua principal galinha dos ovos de ouro. Hoje, em vez de antever a efervescência
de banhistas, ele, sentado na calçada quente que ele mesmo construiu, parafraseia Alberto
Luiz em “Balada n. 7”: “Minha ilusão entra em campo num açude vazio / meus
puxa-sacos correram pros braços do outro...”
Entristecido e inconformado,
olha para a outra margem do açude onde tem um bar e vê o novo prefeito bebendo alegremente
com seus ex-puxa-sacos. Tardiamente compreende que bajulador que se preza não
tem amor à mãe nem aos amigos, não tem compromisso com o escrúpulo e nem tem noção
de ética.
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