sábado, 30 de julho de 2011

Eu danço, tu danças, todos dançam!


No último mês de junho, mês típico de licor, canjica e forró, o Ministério Público baiano, juntamente com o Tribunal de Contas dos Municípios, focaram seus rojões no excesso festeiro de alguns prefeitos, cujos municípios administrados pelos mesmos se encontram na rabada dos indicadores sociais.

Há uma verdadeira farra com o dinheiro público, principalmente na semana do São João. Justificam os envolvidos que é o desejo do povo, mas o povo também deseja uma boa escola pública para o filho, um atendimento desejável na área de saúde e, principalmente, circular nas ruas com segurança, porém, para isso, não existe dinheiro. 

Como dizia a Zélia Cardoso, figura de triste lembrança, o povo é só um detalhe. Não se vai aos grotões saber a verdadeira opinião daqueles cujo derrame de dinheiro vai fazer falta. O povo de que se fala e opina, é tão-somente meia dúzia de notáveis que, dos seus gabinetes, acha o que o povo deve achar e assim já está achado. E o dinheiro que se aplicaria em benefício duradouro da comunidade, se gasta em uma hora de entretenimento com cachês milionários.

O prefeito Joaquim Neto, do pequeno munícipio de Sátiro Dias, a 205 Km de Salvador, já foi um dos festeiros megalomaníacos, mas hoje reconhece que se gasta muito e desnecessariamente nessas festas por pressão de alguns. Disse que há um verdadeiro baque nas finanças do município e por isso, este ano, reduziu à metade os gastos com contratações e que pretende reduzir mais ainda no próximo ano. 

– É um gasto volátil, passado o evento ninguém mais se lembra. E não dá nem para o prefeito colocar uma placa com seu nome, mas quando a gente vê o saldo bancário da Prefeitura, no dia seguinte, fica arrepiado, com vontade de chorar – completou o alcaide.

O escritor baiano Antonio Torres observou que enquanto as cidades interioranas da Região Nordeste desfigura o regionalismo prestigiando apenas a cultura de consumo, o Sul e Sudeste mergulham cada vez mais de ponta-cabeça em eventos culturais e literários. “Há um fervilhamento cultural acontecendo nas pequenas e médias cidades sulistas que está mobilizando os jovens, as crianças e os adultos”, disse o escritor.

É uma verdade contundente que dói na alma dos operadores culturais nordestinos. Cito, como exemplo, o último acontecimento cultural: Piraí é uma cidade no Vale do Paraíba, estado do Rio de Janeiro, com uma população de pouco mais de 26 mil habitantes. No início deste mês promoveu seu projeto de artes e leituras, com a participação de grandes escritores brasileiros, como Antonio Torres, Ferreira Gullar, Martinho da Vila (como escritor) e Bia Bedran. 

Joaquim Neto, que tem livre acesso nas prefeituras da microrregião de Alagoinhas, disse que os jovens não se interessam por projetos culturais, no entanto reconhece que nunca houve enquete a esse respeito. Nunca foi dada oportunidade a eles de decidir sobre o que seria melhor. Já o professor, poeta e operador da cultura piauiense, Cineas Santos, afirmou que há uma grande má vontade dos prefeitos quando se trata de projetos culturais. Há 34 anos que ele mantém o projeto cultural A Cara Alegre do Piauí, e quando pensa em levar atividade cultural gratuita para o interior do estado, os prefeitos colocam dificuldade até para custear o transporte da trupe.

O poeta Salgado Maranhão, recém-premiado pela Academia Brasileira de Letras, e o escritor Luís Pimentel, também premiado pelo MEC, afirmaram ter participação literária relativamente ativa no eixo Sul-Sudeste, enquanto é baixíssima no Nordeste. “Afora Feira de Santana, a minha terra natal, nunca participei de qualquer atividade literária ou afim no interior baiano”, concluiu Luís Pimentel.

Por outro lado, o jornalista, escritor e apresentador do programa “Leituras”, da Tevê Senado e atual curador da Festa Literária de Marechal Deodoro, em Alagoas, Maurício Melo Júnior, aliviou um pouco a responsabilidade dos prefeitos nordestinos ao reconhecer que o sul maravilha abocanha quase tudo da Lei Rouanet, ficando o resto do país com menos de vinte por cento de projetos culturais patrocinados pela iniciativa privada através da Lei de incentivos fiscais. 

Mas, com Rouanet ou sem Rouanet, a conta vem mesmo é para o bolso do contribuinte. Nenhuma empresa privada patrocina algo se não houver alguma forma de compensação governamental. É o famoso toma lá, dá cá. Mas, perto do que algumas prefeituras do interior baiano gastam com festas, a Lei Rouanet torna-se insignificante. Em algumas cidades o São João é só uma desculpa para se jogar dinheiro fora com artistas midiáticos, de cachês absurdos que em nada tem a ver com o evento junino. Há uma desculturação total patrocinada com dinheiro público sob a complacência dos órgãos fiscalizadores que agora parecem ter acordado. Nada se justifica no mês típico da sanfona, zabumba e triângulo, se gastar fortunas com artistas top de linha da axé music e do sertanejo, em detrimento do bom forró a preço razoável. Foi o que Chico César fez na Paraíba no mês de junho passado. Como secretário da Cultura paraibana, proibiu qualquer contratação com dinheiro público de qualquer artista que não fizesse parte do circuito forrozeiro. Já no estado vizinho, Pernambuco, apesar de ser a terra de bons forrozeiros, a axé music e os sertanejos fizeram a festa. Mas em Pernambuco, ressalve-se, há um grande investimento em projetos culturais ao longo do ano.

Quanto custa uma hora de show do Menudo brasileiro Luan Santana? Quinhentos mil reais, livre de qualquer despesa. Quanto custa uma semana de atividade cultural e literária, com escritores de primeira grandeza? Menos de vinte mil reais. Apesar da diferença brutal entre um evento supérfluo e volátil e um de manifesta e permanente formação cultural, principalmente dos jovens, não há como não se indignar diante da apatia e inércia dos habitantes dessas cidades que a tudo assistem impávidos feito boi de canga.

E quando a banda toca desafinada, dançam todos, sem exceção.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Olimpíada Militar - Hino Nacional Brasileiro

O que é bonito é pra ser divulgado. Assistam à execução do Hino Nacional Brasileiro a seis pianos e com arranjo de Wagner Tiso no encerramento das olimpíadas militares.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Luís Pimentel - Luiz Gonzaga, rei do baião, do Nordeste, do Brasil

Se vivo fosse, ele estaria fazendo 100 anos em 2012. E cantando muito, enaltecendo a vida do homem do sertanejo, significando muito para o seu povo. Nenhum artista brasileiro foi tão importante para a cultura das regiões Nordeste e Norte do Brasil, para a divulgação de como vivia, trabalhava e sofria o trabalhador das roças quanto Luiz Gonzaga do Nascimento, filho do mestre sanfoneiro Januário e da roceira Ana Batista de Jesus, que um dia saiu da pequena cidade de Exu, região do Araripe, no sertão pernambucano, para conquistar o Brasil e fazer sua sanfona conhecida nos quatro cantos do país e também no exterior. A música de Luiz Gonzaga, que foi coroado “Rei do Baião”, tem para o povo do Norte e do Nordeste do Brasil a importância da fé no Padre Cícero Romão. E já subiu ao posto mais alto do pódio onde também merecem medalhas o xaxado de Jackson do Pandeiro, a arte de barro do mestre Vitalino, a poesia de Patativa do Assaré e de Azulão e a sabedoria moleque de Ariano Suassuna.

Foi um artista verdadeiramente popular e mambembe, que corria o Brasil inteiro, ano a ano, fazendo shows das grandes capitais aos municípios distantes e minúsculos. “Seu Luiz”, como era carinhosamente tratado pelos amigos, vivia repetindo que não poderia prescindir de parceiros (teve muitos, Humberto Teixeira e Zé Dantas foram os mais constantes), porque não sabia trabalhar sem um poeta do lado. Achava-se um homem rude e sem traquejo com as palavras, o que não era verdade. Gonzaga tinha, sim, um olhar extremamente poético sobre o mundo e o revelou diversas vezes em entrevistas, participações em programas de rádio e TV e no longo depoimento que deu à pesquisadora francesa Dominique Dreyfus, autora do livro Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga. Explicando a ela, por exemplo, a razão dos longos períodos de chuva que costumavam alegrar Exu, ele disse, em poucas palavras, o que um meteorologista gastaria muito verbo para dizer: “O pé de serra tem sempre essas matas, essas montanhas que atraem as chuvas. Tem um vento que desvia o rumo da chuva. Ela se forma, vem, e quando chega no alto da serra, se divide, parte pra tudo que é canto”.

Lindo. Como linda é toda a sua obra.


segunda-feira, 25 de julho de 2011

Cineas Santos - Aula de Cidadania


 Cineas e Niède

Pediram-me que traçasse um rápido perfil da arqueóloga Niède Guidon. Não precisei pensar muito para fazê-lo: é uma cidadã competente, obstinada e corajosa, cercada de problemas e incompreensões por todos os lados. Venho acompanhando, com o mais vivo interesse, a trajetória da Dra. Niède desde o início da década de 70. Nunca vi ninguém com maior capacidade de entregar-se, de corpo e alma, a uma causa que não é apenas dela; é da humanidade: a defesa incondicional do Parque Nacional da Serra da Capivara. Por ele, Niède morreria se necessário fosse. Aliás, em mais de uma oportunidade já foi ameaçada de morte. Com ardente paciência e com uma coragem que beira à insanidade, a pesquisadora não transige, não faz concessões nem conchavos. Exige que se cumpra a lei, que se respeitem a vida e os registros do que, um dia, foi vivo.

Os desafios e empecilhos, na vida da pesquisadora, apareceram antes mesmo de ela chegar à Serra da Capivara. No início da década de 60, ao ver algumas fotos das pinturas rupestres da serra, decidiu, por sua conta e risco, percorrer os 3.000 Km que separam São Paulo do Piauí encarapitada num bravo fusquinha. O transbordamento de um rio, na Bahia, impediu-lhe a passagem. Não desistiu do intento e já se preparava para fazer o mesmo percurso, quando ocorreu o golpe de 64. A arqueóloga teve de deixar o país às pressas para não ser presa. Na França, longe das garras dos generais de plantão, manteve aceso o sonho de voltar à Capivara. Em 1973, regressou ao Brasil e, finalmente, pôde defrontar-se com “a mais bela visão” de sua vida: os imensos paredões da serra, rendilhados de pinturas rupestres, únicas no mundo. Armou sua tenda no meio da caatinga e, ao longo desses 38 anos, só se afastou da Capivara para buscar recursos em Brasília e no exterior. Com o que conseguiu pôde viabilizar novas pesquisas e criar o Museu do Homem Americano.

É ocioso dizer que sempre conviveu com incompreensões de toda ordem. Se os são-raimundenses encaravam-na com desconfiança, acusando-a inclusive de “furtar peças para vender na França”, seus colegas de ofício não aceitavam sua tese de que, há mais 50 mil anos, humanos já povoavam aquela remota região do planeta. Impávida, lutou pela criação do Parque e vem lutando, obstinadamente, pela conclusão do aeroporto internacional de São Raimundo Nonato, “única forma de tornar o Parque Nacional da Serra da Capivara auto-sustentável”, acredita.

Na semana passada (30/06), na Academia de Medicina do Piauí, com voz cansada e gestos lentos, Niède Guidon ministrou uma magnífica aula de cidadania para uma plateia atenta e emocionada. Ao terminar, deixou em cada um de nós um sentimento contraditório, misto de alegria e tristeza. Alegria por sabermos que existem pessoas capazes de se doar a uma causa tão nobre; tristeza por não sabermos o que será do Parque quando ela se for.