sábado, 1 de outubro de 2011

O matador do matador de aluguel


Não gosto de comentar livro e música porque gosto e mau gosto cada um tem o seu. Por exemplo: meus vizinhos me acham um chato porque não vejo mérito artístico nem qualidade musical na dupla Ximbinho-Joelma, os tais Colapsos, digo, Calypsos, mas que fazer se quando eles cantam os meus ouvidos doem?

Entretanto, não posso deixar passar em brancas nuvens o último livro de crônicas de Luís Pimentel, chamado “O matador de aluguel”, título bem alagoano, embora seja o autor um autêntico baiano, mas esbarro no seguinte dilema: se eu falar bem, algum dos meus seis leitores irá dizer que assim só procedo porque Luís Pimentel é meu amigo, fomos vizinhos de bairro quando adolescentes e até insinuará maldosamente que andamos trocando pelas ruas de Feira de Santana. Calúnia. Pura calúnia. 

Por outro lado, se eu descer a ripa no livro do cronista feirense, o povo de Feira de Santana dirá que falo mal por puro despeito ou para me vingar da pedrada que ele me deu na saída do Estádio Joia da Princesa, num jogo mal acabado entre o Atlético de Alagoinhas e o Fluminense de Feira de Santana, numa era que ninguém sonhava com torcida organizada. Para quem não sabe ou não se lembra, o time feirense reinou absoluto no futebol do interior da Bahia até a chegada do time alagoinhense, em 1971. No ano seguinte, não só o Atlético estava consolidado, como uma partida entre esses dois times se tornara clássico interiorano, com a mesma paixão de um Ba-Vi.

Em 1972 o Atlético foi jogar pelo campeonato baiano em Feira de Santana. Era o chamado “jogo de ida” e o time de Alagoinhas resolveu ganhar o jogo. Quando o juiz deu a partida por encerrada, a torcida do Atlético ficou encurralada no estádio, sob uma enxurrada de paus e pedras. Todos os carros com a placa de Alagoinhas foram depredados e muitos torcedores saíram do estádio direto para o pronto-socorro, depois que a polícia chegou e baixou o sarrafo na torcida agitada do Fluminense.

Eu estava lá, inocentemente vestido de torcedor do Atlético, e ainda me causa arrepios o impacto da pedra na testa e o gosto de sangue na boca. Fixei-me no agressor, um garoto vendedor de laranja, que eu o reconheci como o mesmo garoto morador de Queimadinha, chefe de uma gangue-mirim e que vivia procurando encrenca no bairro vizinho, Cidade Nova. Isso em 1971, quando morei lá, na Cidade Nova. Certa vez estávamos numa festa de aniversário de um amigo, no Queimadinha, e fomos sumariamente expulsos por essa gangue a golpes de pau e pedra, pra desespero do dono da festa. Só não sabia que o projeto de Al Capone vendia laranja na porta do estádio em dia de jogos.

No primeiro momento ele se mostrou surpreso. Só não sei se por ter me reconhecido como ex-vizinho de bairro ou pela precisão da pedrada. Passei várias semanas de cara inchada, olho torto, bebendo água por canudo, e até a minha namorada me deu o vale em caráter irrevogável. Não podia nem apelar pra temporariedade do trauma porque a boca não balbuciava palavras e ainda tive que engolir calado a insinuação maldosa de que Frankenstein havia ressuscitado. 

Esse era o meu quadro clínico depois de um domingo de lazer em Feira de Santana. Daria tudo na vida pra pegar aquele vendedor de laranja no jogo de volta. Vingança é um prato que se come frio, mas os torcedores do Fluminense, mais conhecido como “Touros do Sertão”, não apareceram. Amarelaram. No fundo, no fundo, eram umas vacas! 

Mas certas horas a gente se dá conta de que esse mundo é muito pequeno. Ou “dá muitas voltas”, como dizia o meu pai. Em reminiscências ao sabor da brisa marinha da praia do Mirante da Sereia, descobri que o vendedor de laranja que me levou a nocaute era o hoje pai do matador de aluguel, Luís Pimentel. Um abraço fraterno foi a minha mais cruel vingança, que degustamos com água de coco, misturando lágrimas com cachaça. Boas lembranças, cujos ressentimentos ficaram enterrados nos escombros da juventude. 

Não sou bom em resenhas literárias ou coisas que tais, mas há certos livros que a gente lê que fica atravessado na garganta querendo falar deles pra todo mundo. É o caso do Matador de Aluguel. O livro é muito divertido e com algumas histórias curiosas de certas personalidades musicais. Vale a pena investir alguns reais na aquisição do mesmo. Só não sei quanto custa, por que o que tenho aqui foi presente do autor para o meu filho Vinícius e fica chato se procurar o preço de um presente. Mas deve custar menos que um sanduba da Mac Donalds.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Cineas Santos - E o Pedro partiu...

Não fosse lugar-comum, eu diria: a vida perdeu Pedro José de Sousa, mais conhecido como Pedro Macaquinho. Direi apenas: os sertanejos do sul do Piauí perdemos muito da nossa alegria com a partida do Pedro. Macaquinho e eu nascemos na mesma aldeia: Lagoa dos Tubis, mais tarde rebatizada com o pomposo nome de Campo Formoso. Ali faltava quase tudo, até o essencial: água. Menino ainda, Pedro descobriu que tinha a alma encharcada de música. Por falta de um instrumento à mão, fez-se “tocador de sovaco”. Onde houvesse plateia, lá estava o garoto entanguido, meio zarolho, mão esquerda sob o braço direito, marcando o ritmo do xote “O Cheiro da Carolina”, de Luiz Gonzaga. Tantas fez que acabou agraciado com o apelido de Macaquinho. Mais tarde, para fugir da fome, da sede e do rabo da enxada, mudou-se para o Canto do Buriti onde se fez zabumbeiro do Mané Vicente. O mais é do conhecimento geral: Pedro Macaquinho tornou-se o showman do sertão. Tocava, cantava, dançava, contava piadas e, principalmente, pedia. Pedia até que lhe pingassem colírio nos olhos. Certa feita, para me comover, engendrou um expediente inimaginável: “Meu bichim, tô sem obrar há três dias”, afirmou. Rebati de bate-pronto: Tome um purgante de óleo de rícino, Macaquinho. É tiro e queda. Pedro voltou à carga: “Meu bichim, tu num tá entendendo nada. Tô sem obrar porque num tô comendo nadinha, nadinha...”. Impossível resistir a um apelo desse naipe.

Há uns três anos, Pedro vinha lutando bravamente contra um câncer de próstata. Já muito doente, encontrou alento para gravar um CD que, de tão popular, chegou a ser pirateado em Canto do Buriti. O título não poderia ser mais adequado: The Best of Pedro Macaquinho. Este ano, fiz questão de trazê-lo para o Salão do Livro do Piauí, no início de junho. Pedro chegou visivelmente abatido, com a respiração sincopada e dor no peito. Mal me avistou, disparou: “Meu bichim, me dá um caché pra dor nos peitos, que eu tô que não me aguento”. Graças à pronta intervenção do Dr. Gisleno Feitosa, Pedro Macaquinho pôde apresentar-se para alegria do público. Em agosto, realizamos o Primeiro Festival de Sanfona de São Raimundo Nonato. O Macaquinho não marcou presença. Desconfiei que alguma coisa estivesse errada: os festejos de agosto, em S. Raimundo Nonato, sem a presença do Macaquinho não têm o mesmo brilho, a mesma alegria.

Na semana passada, recebi a triste notícia: o Macaquinho se fora sem tempo de ver o documentário que estou produzindo com ele e outros sanfoneiros da região. Parafraseando Bandeira, imagino Macaquinho entrando no céu: “- Xarazinho, me arranja aí um tiquinho de comida, que a viagem foi puxada”. E São Pedro, bonachão, “- Entra, Pedro, que isso aqui tá uma leseira só. Trouxe a sanfona?”. E o céu nunca mais será o mesmo...


quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Era Sarney: Origem ou Continuidade do Caos?

Coisa que nunca saberemos: se o Maranhão era pior ou melhor antes da era Sarney. Pior seria impossível vez que o estado continua na rabeira de todos os indicadores sociais. O filme foi encomendado por Sarney a Glauber Rocha, para ser usado como propaganda de governo, mas o Imperador do Maranhão não imaginou que o Glauber focaria sua lente pra outros objetivos. Como disse o Nelson Motta: "Glauber dizia que o artista também tem de ser um profeta; mas a sua obrigação é de profetizar, não de que as suas profecias se realizem. O discurso de Sarney e as imagens de Maranhão 66 são os mesmos do Maranhão 2011, num filme trágico, cômico, e, 46 anos depois, profético".

Veja o vídeo antes que o vate maranhense faça valer sua autoridade.

Tempestade de Ideias Nº 1: Antonio Torres

"Com o prosaico nome de Tempestade de Ideias, que veio do manjado “Brainstorm”, estreia a mais nova minissérie da TV Cronópios. O programa número um traz o registro de um encontro com o grande escritor Antônio Torres, autor de Essa Terra, O cachorro e o lobo, Pelo fundo da agulha e muitos outros títulos premiadíssimos.

A convite de Marcos Ferraz, Diretor de Criação em publicidade e fundador da Escola de Redatores (www.escoladeredatores.com.br) em São Paulo, a TV Cronópios teve o privilégio de gravar o encontro dos dois para os cronopianos. Antônio Torres é um dos nossos monstros sagrados da Literatura. E você vai ver e ouvir porque, assistindo a este vídeo exclusivo.

Estamos namorando essa parceria com o Marcos Ferraz e a Escola de Redatores para registrar outros encontros especiais como este. Aguarde os novos Tempestade de Ideias."

Texto e vídeo copiados do portal http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=5176


Encontro com Antônio Torres from TV Cronopios on Vimeo.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Pausa para a poesia: Eduardo Galeano

Luís Pimentel - Quando o Chico Viola morreu

“Chora Estácio, Salgueiro e Mangueira/
Todo o Brasil emudeceu/
Chora o mundo inteiro/
O Chico Viola morreu/
Na voz do seu plangente violão/
Ele deixou seu coração/
Partiu, disse adeus, foi pro céu/
Foi fazer, foi fazer/
Companhia a Noel.”
(Chico Viola, de Wilson Batista e Nássara)


“Até a lua do Rio/
Num céu tranqüilo e vazio/
Não inspira mais amor/
O violão desafina/
Porque chora em cada esquina/
A falta do seu cantor...”
(Francisco Alves, de Herivelto Martins e David Nasser)

Ele morreu há 59 anos, no dia 27 de setembro. Foi considerado por muitos o maior cantor do Brasil de todos os tempos (para outros, este título pertencia a Orlando Silva). Foi considerado também um comprador de sambas, carregando a fama de exigir seu nome nos créditos da canção alheia para poder gravá-la. Consta que Cartola e Ismael Silva tiveram que ceder inúmeros sambas para ele, em troca da gravação e de alguns caraminguás para o conhaque. Mas Francisco Alves foi também um artista muito querido por seus pares e amigos. O que provam, por exemplo, as duas homenagens póstumas acima prestadas por compositores do prestígio de Wilson Batista, Nássara, Herivelto Martins e David Nasser. As opiniões se dividiam quando o assunto era o caráter do Chico Viola (pseudônimo com qual assinou algumas autorias), mas quanto a um tema não existia controvérsia: era o rei da voz, dono de um gogó admirável.
O maior cantor do Brasil (insisto: para alguns, João Gilberto entre eles, esse título sempre pertenceu a Orlando Silva) foi também o que mais gravou. Em 33 anos de carreira (1919-1952) colocou na praça 525 discos em 78 rotações. Foram 983 gravações que serviram para revelar os nomes de compositores como Ary Barroso, Cartola, Ismael Silva e Lamartine Babo, além de cantores como Mário Reis, Dalva de Oliveira e Carmem Miranda, que com ele dividiram o microfone.
Francisco de Moraes Alves nasceu no Rio de Janeiro, no século retrasado, dia 19 de agosto de 1898. Era filho de imigrantes portugueses e começou a trabalhar aos 18 anos de idade, em uma fábrica de chapéus. Ainda na juventude flertou com o teatro, fazendo parte da Companhia de Espetáculos João de Deus Martins Chaves. Descoberto pelo compositor Sinhô (José Barbosa da Silva, 1888-1930), em 1919 gravou três sambas dele que fizeram muito sucesso no carnaval do ano seguinte: O pé de anjo, Fala meu louro e Alivia estes olhos.
Uma coisa jamais se contestou na carreira de Chico Viola: a versatilidade. Colocou sua voz a serviço de quase todos os gêneros musicais. Gravou sambas, marchas, canções românticas, toadas, maxixes, paródias, hinos, o que caiu em suas mãos. Também deu seus pitacos como instrumentista, tendo feito alguns discos em dueto de violões com o craque do instrumento Rogério Guimarães.
Francisco Alves jamais esquentou banco nas gravadoras. Passou por praticamente todas elas, principalmente as grandes. Gravou na Odeon (242 discos, de 1927 a 1934), Parlophon (57 discos, de 1928 a 1931), R.C.A (48 discos, de 1934 a 1937), Odeon novamente (26 discos, de 1937 a 1939), Colúmbia (15 discos, de 1939 a 1941) e outras.
Reconhecido pelos brasileiros como o maior nome do rádio e dos estúdios de gravação durante toda a sua trajetória artística, Francisco Alves teve a carreira interrompida no auge do sucesso, em 24 de setembro de 1952, por um acidente de carro. O Buick de sua propriedade chocou-se com um caminhão, na Via Dutra, e o artista morreu na hora. O país parou para chorar, por vários dias, a perda do grande ídolo.
Por ter trabalhado tanto, Francisco Alves gravou quase tudo o que se ouviu em sua época. Canções de qualidade e outras que foram ao disco apenas para cumprir tabela com as gravadoras. Mas algumas gravações marcaram profundamente os seus admiradores. Chuá-Chuá, Não quero saber mais dela, A malandragem, Deixa essa mulher chorar, Nem é bom falar e O que será de mim? (“Se eu precisar algum dia/De ir pro batente/Não sei o que será/Pois vivo na malandragem/E vida melhor não há...”).