sexta-feira, 20 de maio de 2011

Edna Lopes - Senhora Dona Norma Culta



De Exposição Menas, o certo do errado, o errado do certo


Permita-me que me apresente: Sou Edna Lopes, professora. Tenho 47 anos, 20 e tantos dos quais como profissional da Educação. Nasci de pai agricultor, mas dono de seu pedaço de chão e de mãe professora. Aos quatro anos aprendi a ler, aos sete entrei numa escola pública, mesmo ano em que conheci a luz elétrica. Na escola pública terminei o 2º grau aos dezessete e aos dezoito entrei numa universidade pública, colando grau aos vinte dois. Fiz pós -graduação em Educação Popular e também em Coordenação Pedagógica para a Educação Básica, sendo aprovada nos dois únicos concursos públicos que já fiz na vida, que me garantem o sustento e a satisfação de atuar numa profissão, se não prestigiada, mas extremamente importante para o desenvolvimento de um povo, de uma nação.

Tudo isso para lhe dizer que antes, bem antes de me graduar, já era professora em classes de crianças e depois em classes de jovens, de adultos e idosos esperançosos pela melhoria de suas vidas, de suas profissões através da educação, portanto minha experiência não só veio dos meus diplomas, nem dos tantos livros que li, nem dos congressos que participei e participo.

Tudo isso para lhe dizer também que nunca, nunquinha, meu fazer profissional se arvorou em assinar laudo, passar receita, fazer planta de casa, apresentar noticiário, instruir processo, construir casa ou fabricar móveis, e me causa espécie ver que, EM SEU NOME, especialistas de ocasião, opinam sobre uma realidade que conhecem talvez de ouvir falar, afinal o universo de pessoas adultas analfabetas ou analfabetas funcionais certamente está há anos luz da classe dirigente e intelectualizada desse país. Dos “imortais” então, nem se fala!

Lamento que EM SEU NOME se use “um texto, sem um contexto, para um pretexto”. Lamento mas ao mesmo tempo fico feliz porque a real face de um país se revela! O quanto somos manipuláveis, superficiais! O quanto somos intolerantes, impacientes!

Senhora Dona Norma Culta, nenhum, mas NENHUM PROFISSIONAL SÉRIO, seja ele professor, escritor, jornalista ou algo que o valha jamais irá dizer que SEU LUGAR não é também a escola. A sala de aula, espaço da pluralidade e do conhecimento é o lugar do acolhimento de TODAS as variantes da língua que ali devem ser expostas, ressignificadas, avaliadas, compreendidas, aprendidas.
Que fique bem claro: não sou da turma de quem quer que seja e não formulo opinião baseada em noticiários tendenciosos, em notas ou pronunciamentos superficiais, açodados, mas não me espanto com quem o faz. Quem é capaz de condecorar com sua mais alta honraria pessoas que NADA fizeram pela “flor do Lácio” é capaz de muitos mais equívocos e quem viver verá.

A senhora continuará sendo a VARIANTE DE PRESTIGIO, fique tranquila! E jamais duvide o quanto sou sua defensora, o quanto me esforço para que quem comigo caminha compreenda-a e utilize-a quando tiver que se comunicar falando ou escrevendo.

Mas reitero meu posicionamento: quem lhe defende como única só precisa ter ouvidos de ouvir e olhos de ver, não é? Que pena que não aprenderam, pra valer mesmo, aprender de apreender, de assimilar que a língua é de quem a usa e não de bolorentas gramáticas, não de arrogantes portadores de diplomas, ou de imortalidade duvidosa.

Quero concluir minha prosa com a Senhora lembrando um lindo poema do imortal, ao meu coração, Solano Trindade: “Senhora Gramática / perdoai os meus pecados gramaticais. / Se não perdoardes senhora / eu errarei mais.”

Senhora Dona Norma Culta, despeço-me. Serei aprendiz sempre, pois continuarei errando no intuito de acertar.

A foto é da exposição Menas: o certo do errado, o errado do certo, no Museu da Língua Portuguesa em 2010...A língua mais viva que nunca, provocante, provocando...


quinta-feira, 19 de maio de 2011

Cineas Santos - A Beleza da Partilha



No domingo passado, um jovem sacerdote se esforçava para seduzir os fiéis com um sermão sobre o encontro de Cristo com os Discípulos de Emaús. Embora o tema seja fascinante, a palavra de Deus não parecia frutificar. Lembrei-me do Sermão da Sexagésima, de Pe. Vieira: “Fazer pouco fruto a palavra de Deus no mundo pode proceder de um dos três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus”. Digamos que a culpa fosse dos ouvintes... O certo é que na passagem em que Cristo reparte o pão e, finalmente, é reconhecido pelos dois discípulos, fiquei emocionado. Impossível ignorar a força da palavra partilha.

Foi aí que o pensamento me levou a Guaribas, no sofrido sertão do Piauí. Eu estava fazendo um trabalho por lá, quando apareceu a equipe de uma TV espanhola. Depois de uma prosa em portunhol, um dos jornalistas me perguntou: professor, o que distingue o piauiense dos demais brasileiros? Respondi de bate-pronto: a hospitalidade, a generosidade. O jornalista, homem de meia idade, insistiu: o senhor poderia ser mais explícito? Limitei-me a dizer: o senhor está no município mais pobre do país. Vá à casa do mais humilde dos moradores de Guaribas e ele não hesitará em matar a única galinha da família para oferecer-lhe um prato de comida decente. E, se nada tiver, há de agraciá-lo com o seu melhor sorriso. O cidadão assentiu com a cabeça e afirmou: então é por isso que aonde chego sempre me oferecem alguma coisa. E mais não disse, por desnecessário.

Essa lembrança remeteu-me a outra bem mais recente. No bairro Ininga, onde moro, presenciei uma cena inesquecível. Meio-dia, sol a pino, um casal agasalhou-se à sombra de uma amendoeira. O homem era carroceiro, idade inescrutável, gestos lentos e cara sofrida. A mulher, catadora de papel, era rechonchuda, ativa, faladeira. Não sei que vínculo afetivo os unia. De repente, o carroceiro encostou-se na parede do muro, esticou as pernas e acendeu um cigarro. A mulher, sempre rindo e falando, abriu um saco de plástico escuro de onde retirou uma quentinha, dessas que se vendem nas biroscas da vida. Tirou um lenço colorido que trazia amarrado à cintura e o colocou na calçada como se fosse uma toalha. Em seguida, abriu a quentinha e, com um gesto acolhedor, convidou o carroceiro a compartilhar o grude. Como só havia uma colher, os dois passaram também a dividi-la. Cada um, depois da colherada, passava a ferramenta ao outro. Só me lembro de ter visto algo assim no sertão do Caracol onde faltavam comida e colher.

Por um instante, parei para apreciar aquela cena comovente: um casal extremamente pobre dividindo o que mal daria para alimentar um deles. Não me lembro de ter visto nada mais belo em matéria de partilha. Enquanto me afastava, pensei: Cristo não morreu em vão: alguma coisa efetivamente ficou.



quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eis o quadro da educação no país


Professora do Rio Grande do Norte desabafa a respeito dos baixos salários dos professores e das salas de aula superlotadas em audiência pública na Assembleia Legisativa do Estado. É um discurso muito coerente com a realidade da Educação no país. Aqui em Alagoas o quadro é ainda pior. Vale a pena ver este vídeo.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Maurício Melo Júnior - A mentalidade da desconstrução



A televisão ensaiava algumas cores. Era um borrão onde o vermelho agredia nossa visão espantada, encantada, perplexa. E o programa de entretenimento, entre muitos escuros e poucos claros, mostrava um israelita que entortava garfos e facas, o paranormal Uri Geller. Era um fenômeno. Com o poder da mente era capaz de quase tudo, contava.

Servindo ao Exército de Israel precisou saltar de paraquedas carregando uma bazuca. Para fazer um pouso perfeito, tirou todo miolo da arma. Já no avião lembrou que precisava atirar, e como faria com o equipamento desmontado? Usou a mente. Pousou com elegância, atirou e – pasmem – o disparo mereceu elogios e, certamente, tapinhas nas costas. Ao chegar ao alojamento as peças da bazuca desmontada estavam quentes como se realmente tivessem sido usadas.

Diante disso ficava fácil acreditar no depoimento de vários telespectadores que garantiam, atendendo ao pedido do paranormal, terem visto o liquidificador posto sobre a televisão ser ativado mesmo estando desligado da tomada. Minha descrença é que nunca me permitiu acreditar nas proezas desse herói destruidor de faqueiros e muito menos botar qualquer aparelho elétrico sobre a TV.

Talvez tenha perdido uma grande oportunidade de renovar meus valores, não sei.

Fato é que vinha eu de um tempo de descrenças, “um tempo onde o tempo não se esquece e os trovões eram roucos de se ouvir”, como cantava Zé Ramalho. Tempo de destruições homéricas. No Recife o prefeito Augusto Lucena, para abrir a Avenida Dantas Barreto, como um Pereira Passos moderno, destruiu casarões antigos e até a igreja dos Martírios. Diante da grita dos preservacionistas, declarou: “Se eu fosse prefeito de Roma demolia o Coliseu, um trambolho sem qualquer utilidade.”

O senso da destruição cantava em todos os recantos. E sempre com o mote monocórdio. Destruir para construir. No Rio de Janeiro a vítima desta estranha batalha foi o Palácio Monroe, antiga sede do Senado Federal. Um prédio belíssimo em sua exuberância arquitetônica. Caiu por determinação do presidente Emilio Garrastazu Médici para se construir o metrô carioca que, indiferente, caminha sob o vazio da antiga praça, do velho abrigo do palácio cujos lustres e colunas góticas decoram churrasqueiras em Brasília.

O sentido de um tempo. O Ministro da Educação, Jarbas Passarinho, construiu uma reforma educacional que desconstruiu todo sistema de educação pública. Priorizou a formação universitária que, de inicio, abrigou estudantes das excelentes escolas públicas, mas bastaram poucos anos para que essas escolas, minguadas, não mais conseguissem fazer seus alunos vencerem o monstro do vestibular. E nos pátios paupérrimos cantava-se: “Este é um país que vai pra frente…”

Para seguir em frente se precisa de estradas, não de escolas. “Governar é construir estradas”, já dizia Washington Luís. Então nada mais útil que uma infindável via ligando Recife a Manaus, a Transamazônica. E começaram tudo derrubando a floresta e erguendo agrovilas. Homens sem terra para um lugar de muita terra e poucos homens. Só depois é que descobriram que a terra não servia para o cultivo e, abandonadas, a estrada sem asfalto e as agrovilas sem homens foram retomadas pela secular floresta.

Certamente foi a força da natureza que não deixou o país ir adiante. Os governantes, com a grandeza de suas ideias, otimistas espelhos de Uri Geller, reagiram destruindo Sete Quedas para erguer a Hidroelétrica de Itaipu, a maior do mundo, nos orgulhávamos então. A natureza deu o troco. Quase destruiu pela garra das águas São José da Laje, nas Alagoas, a cidade que um dia aninhou Noel Nutels, um sanitarista que nos ensinou a respeitar os índios.

Eram águas muito bravas que chegavam em Palmares invadindo praças e ruas.

Numa dessas cheganças o prefeito José Pretestato de Santana, o seu Dedé, estava limpando a casa invadida pelo barro imenso que entrava pela porta do quintal, quando chegou o governador Moura Cavalcante para vistoriar a tragédia. “Prefeito, fique tranquilo. Vou mandar uma verba gorda e o senhor pode deixar essa casa que lhe tem dado tanto desassossego.” Seu Dedé continuou morando na mesma casa e comercializando na mesma venda do Beco do Mijo. Desprezou o canto da sereia que desconstruía princípios morais e deve ter usado o dinheiro no que devia, pois morreu como o homem remediado que sempre foi.

Igrejas, monumentos, casas, cidades, princípios, homens e mulheres. Durante duas décadas assistimos, não impassíveis, prevalecer a cultura da desconstrução. Pelos riachos da vida desceram muito mais que o boi morto visto pelo poeta Manuel Bandeira. Foi a crença de toda uma geração que se carregou nessa enxurrada.

Ainda assim resistíamos falando mal do governo pelos botecos. Quando era possível votávamos na oposição e alimentávamos nossa porção demolidora. Dizíamos horrores dos mandatários empoleirados no mando, mas a força era tão miúda que somente podíamos secundar Pinto do Monteiro diante de um soldado que botou um couro de rato em sua bandeja: “Derrubar eu não derrubo / porque a força é pequena. / Matar eu não vou matar / porque a justiça condena. / Mas Lampião ter morrido / oh coisa de fazer pena.”

E afinal o que construímos com as forças mentais e musculares que sobraram destes destroços?

Só outra crônica para responder.


domingo, 15 de maio de 2011

A Biblioteca Pública Antonio Torres e a violência





A Biblioteca Pública Antonio Torres está se tornando um centro de referência de leitura da região. Diariamente centenas de estudantes, pesquisadores ou apenas leitores procuram a biblioteca em busca de um bom livro. Por ser o patrono, Antonio Torres, um escritor conhecido internacionalmente, a Biblioteca não para de receber doações, tendo como uma de suas mantenedoras a Fundação Casa de Jorge Amado.

Não é de agora que o também escritor da terra, Luiz Eudes, luta para que a biblioteca tenha sua própria sede, inclusive, em meados da década passada, ele era secretário da Cultura e conseguiu verba da Petrobrás para tal fim, ficando apenas a Prefeitura de ceder o local, mas, por um desses reveses da vida, armaram contra o prefeito de então, a Oposição assumiu e a cidade mergulhou num histórico de corrupção jamais testemunhado pelos viventes do lugar.

Mas, depois de Luiz Eudes, nenhum outro secretário entrou com proposta ou propósito benéfico para a Cultura local. Ao contrário, o sucessor de Luiz Eudes deu fim ao acervo da biblioteca, emprestando livros aos amigos e correligionários e não cuidando em pegá-los de volta. Quando a atual administração municipal assumiu, Luiz Eudes tornou-se secretário de Finanças, mas, por sorte dos leitores da terra, ficou também responsável pela biblioteca e ele botou os funcionários para recuperar o acervo perdido.

Juntou-se a Luiz Eudes a professora e poetisa Cristiana Alves, uma entusiasta da biblioteca. Mestranda em Crítica Cultural na Uneb de Alagoinhas, ela tem uma visão avançada a respeito de livros, leitores e leitura. Alguns dos seus alunos já foram premiados em concursos literários e uma aluna participou da última bienal do livro de Salvador com uma antologia poética.

Ao colocar a biblioteca parede e meia com a agência do Banco do Brasil, o prefeito assumiu o risco de colocar os funcionários e os frequentadores da mesma à mercê da sanha criminosa. Imaginemos que esse assalto da madrugada de ontem tivesse acontecido à luz do dia, como nas quatro vezes anteriores em que esta mesma agência foi assaltada. Mesmo não sendo a intenção dos quadrilheiros machucar alguém, teriam dinamitado uma biblioteca cheia de gente inocente, principalmente, crianças e adolescentes que estudam no Grupo Escolar situado quase em frente e usam a biblioteca como fonte de pesquisa.

Agora, senhor prefeito, chegou a hora de refazer vossa santa visão equivocada de festas e festejos na Soterópolis e falar o que o bom senso exige e que o povo tanto espera: “Se os estudantes de Salvador têm biblioteca segura, por que os de Sátiro Dias não podem ter?” Garanto a vossa excelência que uma sede segura e decente para a biblioteca, com auditório e sala de vídeo, custa muito menos, mas muito menos mesmo, do que vossa excelência paga a uma banda dessas para atrair os ladrões para a terrinha.

No dia da festa ou no replay. Como na madrugada de ontem. Quem procurar a cidade de Sátiro Dias no Google, dá de cara com a seguinte informação do Wikipédia:

“A cidade de Sátiro Dias é famosa por suas festas, como: padroeira da cidade que é patronada por Nossa Senhora do Amparo e ocorre no dia 2 de fevereiro, festejos juninos, aniversário da cidade (14 de agosto) e a sua vaquejada. Ao longo de sua história foi palco para a apresentação de vários artistas nacionais como: Ivete Sangalo, Babado Novo, Bruno & Marrone, Amado Batista, Harmonia do Samba, Aviões do Forró, Edson Gomes, Raça Negra, Calcinha Preta, Mastruz com Leite, Alcymar Monteiro, Adelmário Coelho, Arreio de Ouro, Estakazero, Reginaldo Rossi, É o Tchan, Cavaleiros do Forró, Pagod'art, Pedro & Thiago, Cheiro de Amor, Patchanka, entre outros.”

Todos esses artistas de cachê de ouro foram pagos com os parcos recursos públicos nas três gestões do atual prefeito, na verdade, um bom festejador. E ainda está faltando uma porção de gente boa, como Psirico e companhia limitada. Agora eu pergunto aos cidadãos do Junco: quanto custou esses cachês milionários e quanto custa uma sede para a biblioteca? Qual benefício se adquiriu com esses artistas midiáticos e quais benefícios traz à população o funcionamento adequado da biblioteca?

Infelizmente a cidade de Sátiro Dias deixou de ser “famosa por suas festas” para se tornar famosa nas páginas policiais. Felizmente, até agora não houve vítimas fatais, mas até quando se lidará com ladrões bonzinhos?