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quinta-feira, 22 de abril de 2010

Entre os deuses, o mais nobre - Cláudio Canuto

“Eu odeio todos os deuses;
eles são meus subordinados e
deles sofro um tratamento iníquo”.

Ésquilo, em Prometeu Acorrentado.

Por Cláudio Canuto


De Prometeu Acorrentado



Cada cultura, cada povo e cada época abraçam o deus que lhes convêm. Dificilmente encontra uma resposta efetiva. O nosso Deus católico é considerado onipresente, isto é, assim, como está em todos os lugares, paradoxalmente não está em lugar nenhum. Conscientemente não se conhece nenhuma intervenção divina sobre a maneira como devemos nos comportar e seus mandamentos são sucessivamente violados sem que ele tome qualquer providência, e o livre arbítrio é apenas uma justificativa para o fato de que ele nos deixou entregues ao nosso próprio destino.

Falsos profetas abundavam em uma época em que o Messias era esperado com fervor. Quando os autoproclamados filhos de Deus não tinham uma retórica convincente ou de alguma forma não convenciam a população da sinceridade de seus propósitos e da legitimidade de seus poderes que os vinculava ao Deus-Pai, eram impiedosamente apedrejados. Jesus Cristo, não. Agrupou um monte de aliados e enfrentou com galhardia toda a opressão do Império Romano, até finalmente ser esmagado, tendo o mesmo destino dos falsos profetas de outrora: humilhado, arrastado pelas ruas a chicotadas e finalmente sofrendo o doloroso martírio da cruz, onde supostamente questionara se seu próprio pai o abandonara.

Cristo levantou problemas superiores à sua capacidade de resolução. Foi um revolucionário que com um exército de maltrapilhos e movido praticamente apenas por uma retórica exemplar, ousou enfrentar um Império impiedoso, politeísta e antropomórfico. Ironicamente, este Império fundou uma concepção religiosa baseada nos princípios daquele que humilhara. O Imperador Augusto, deus dos deuses, inicia enfim o período cristão, iniciando o monoteísmo apostólico.

Cristo é considerado pelos católicos como a única intervenção direta de Deus na Terra, se acreditamos que os argumentos em que se fundamentava eram realmente emanados de uma orientação celestial.

Depois disto, parece que o Celestial esqueceu-se – ou desapontou-se – com aquilo que havia criado e não mais atendeu a nenhuma solicitação a Ele direcionada, quer do ponto de vista coletivo, quer do ponto de vista individual. O mundo passou a ser organizado segundo os mais torpes defeitos humanos: ambição, inveja, luxúria, pedofilia, assassinatos, adultério, roubos, individualismo, desrespeito ao próximo etc., onde os 10 Mandamentos são sistematicamente violados, humilhados e desconsiderados.

Canalhas vão às missas freqüentemente, perdem perdão por seus pecados intencionais e voltam a pecar sem desfaçatez. O cristianismo é uma concepção religiosa alicerçada no martírio do seu principal porta-voz, é erigida na culpa da atitude pecaminosa original, onde todos devem pagar, expiando seus pecados.

Hoje, dividida internamente, dilacerada em grupelhos, alguns com atividades claramente criminosas, usando o nome divino em vão, abusando da irresistível vocação ao transcendental inerente aos homens para enriquecimento individual, o catolicismo experimenta um declínio ascendente que o atual Papa Bento XVI só faz acentuar, distanciando a fé da realidade cotidiana, exigindo dos católicos um comportamento religioso absolutamente incompatível com a realidade das ruas, pois ele exige praticamente um retorno ao período mais sombrio da igreja.

Deus, manifesto pelo comportamento dos seus representantes eclesiásticos, foi por eles transfigurado. Talvez por desencanto, afastou-se deixando-nos abandonados ao comportamento selvagem e hostil do mundo dos negócios, do modo capitalista de produção. É um fenômeno que merece explicação: um grupo restrito de pessoas diz-se seu representante e uma multidão sem fim acredita sem restrições. Assim, esta dissociação indisfarçável entre a prática religiosa e os preceitos papais. Por isso, talvez, o abandono: os carneiros entregues à sanha dos lobos.

Bem este artigo seria para falar sobre Prometeu, a quem considero, dentre a mitologia (inclusive a cristã), o mais nobre dos deuses, o único que teve de fato uma preocupação com a frágil condição humana e por ela sofreu os mais horríveis martírios. Percebendo a obscuridade em que vivíamos e cônscio de seus poderes e de sua condição divina, voltou-se para os mortais. Éramos trevas, escuridão. Prometeu, em um inédito gesto de humildade, nos trouxe o fogo, a claridade, a luz. Por conta desta piedade para com os mortais, os outros deuses, impiedosos, amarraram-no a um precipício, condenando-o a ter seu fígado – que crescia incessantemente - comido por uma águia.

Porém isso é um outro assunto, mas só Deus sabe para quando.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Democracia em farrapos, almas arruinadas - Cláudio Canuto



De Compro voto


Com a celeridade característica dos novos tempos, as eleições se aproximam mais uma vez. Com elas, os dublês mal-ajambrados de cientistas políticos, então submersos em sua faina cotidiana, emergem, proferindo com a experiência de um Nostradamus, seus vaticínios profundos como um pires. Com seus dotes de prestidigitador e cartomante, vociferam os prováveis futuros eleitos de candidaturas ainda não anunciadas, arvoram-se detentores legítimos de segredos doravante revelados pela força de suas profecias e pelas revelações de pesquisas eleitorais não realizadas. São os áulicos do poder, os lambe-solas, os goelas de aluguel.

Enquanto pregam isenção ética com o furor de um Napoleão em guerra, certos jornalistas venais buscam um troco oferecendo suas páginas dentro das conveniências do mercado, chamando de vossas excelências, bandidos comuns que se assenhorearam da fragilidade política de nossas instituições para enriquecimento ilícito.

Quanto aos postulantes eleitorais, é duro vê-los outra vez - imunes, pela força vacilante da lei, do último golpe, da última fraude, do último assalto - legitimados por esta massa ignara e disforme que os idealistas chamam povo. Na verdade, alheia ao processo político que lhes guiará o próprio destino. Estes eleitores, corruptos, vendem-se por dez tostões e entregam prazerosamente a seu algoz o chicote de sua própria sordidez e desonra, transformando-se em uma multidão humilhada, desdenhada, subserviente e sem a menor noção da real importância da titularidade do seu voto.

Alguns teóricos ainda encontram certa nostalgia romântica quando falam do povo, sobretudo como forma de representação política autêntica: “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”, ou como a grande promessa de um devenir histórico grandioso:”O povo unido jamais será vencido!”. Ambas as concepções ruem como um castelo de cartas graças ao poder dos cifrões. Esta multidão vai ofertar sua titularidade de representação eleitoral à escória social, aos insensíveis políticos carreiristas, por alguns tostões momentâneos e novamente mergulhar na miséria do seu cotidiano apenas suportável graças ao peso de décadas de privação e miséria, suas únicas heranças.

É doloroso antecipar que os grandes gatunos locais serão mais uma vez alçados a condição de autoridades incontestes, exercendo uma atividade que se esvaziou completamente, desfilando com soberba sua autoridade arrogante e plena de ignorância orgulhosa, colocados por força das circunstâncias a um palmo acima da lei e dos habitantes desta província condenada a sonolência e a insensibilidade.

A assembléia legislativa de Alagoas, um poder fundamental para o exercício pleno da cidadania, virou um valhacouto de salafrários, completamente desvirtuada de suas verdadeiras funções constitucionais. O judiciário os acoberta – o que os estimula -, e o executivo busca encontrar o seu apoio para o mínimo de governabilidade, em uma troca ilícita. Larápios, comandantes de órgãos estatais ineficientes , burocratas que se comprazem em infernizar os cidadãos.

Nós vivemos em um regime sob a égide do capital, que é avassalador, pois tudo pode comprar: glória, honra, poder, a representação divina, o perdão eclesiástico e, claro, o voto – assim como a fiança, este reconhecimento explícito de que a justiça tem um preço . Falsa pudica e morta de vergonha, esta lady dona de lupanar, vendou os olhos horrorizada com a sua própria transformação, evitando mirar-se no espelho onde, refletida, duplicada, impõe-se, tardia e falha, à prova da sua própria ignomínia.


Nota do Blog: Cláudio Canuto é jornalista e professor de Sociologia da Faculdade Integrada Tiradentes, e é o mais novo colaborador do blog.