quarta-feira, 22 de novembro de 2017

BRAZILINO VIEGAS: a escola dos meus encantos




A Escola Brazilino Viegas talvez não fosse a escola dos sonhos futuristas de muitos nos anos sessenta, mas foi a única que me permitiu sonhar sem medo de ser feliz. Vindo do sertão, onde fome rimava com precisão, a humanização e o acolhimento faziam parte do currículo dessa escola.


Disse-me um dos meus irmãos, que também estudou lá, que a diretora à época se chamava Perolina, porém não me lembro, pois não tínhamos contato com a parte administrativa. Minto: eu era useiro e vezeiro dos puxões de orelha na pequena sala da diretora.  Todavia, me lembro das professoras Dayse e Marilda, a primeira, minha professora, a segunda, do meu irmão. Também me lembro das notas: o meu irmão tirava dez; eu, nove vírgula nove.


“Dayse” foi o primeiro nome estrangeiro que aprendi, depois dos filhos de Dona Deusinha e Seu Totó, lá no Junco: Aimêe, Washington, Aidêe, e o último, Telmo de Totó. Este, brasileiro “ajuncado”, mas eu já não morava mais lá. 


A professora Dayse era um anjo encarnado. Doce criatura. Nunca mandou um bilhete para a minha mãe nos quatro anos em que fui seu aluno. Mas com a professora Marilda a história era outra. A minha mãe se alfabetizou lendo os bilhetes da professora. Faziam-me rasgados elogios, inesquecíveis para uma mãe zelosa como a minha: “Dona Durvalice, boa tarde. Seu filho é um capeta em forma de gente...” e desfilava dezenas de elogios que deixavam minha mãe emocionada, alegre ao extremo, feliz por poder exercitar o seu poder. Em apenas um mês que ela, a professora Marilda, substituiu a professora Dayse, a minha mãe fez calos na mão de tanto me bater. Sem falar das vezes que eu me reunia com os moleques da Cavada e tomava a correspondência que o meu irmão portava.


Os bilhetes foram de menos. Na Semana da Pátria a professora Marilda me promoveu a Duque de Caxias e fez questão de me recomendar: “Se gaguejar naquela famosa frase ‘Quem for brasileiro, siga-me!’, vai outro bilhete pra sua mãe”. E no dia da apresentação o nosso herói no Paraguai foi rebaixado a guarda noturno: o quepe do vigia da rua foi a única vestimenta a caráter que consegui para parecer um marechal do Imperador. O comandante do 4º Batalhão de Polícia Militar, convidado de honra da diretora, olhava para mim e sorria zombeteiro, mas a minha interpretação foi tão convincente que ele, no final, aplaudiu de pé.


Lembro-me dos olhos verdes da minha colega Iara, o boto vermelho das minhas paixões. O meu coração acelerava quando ela me pedia um lápis emprestado ou para lhe ensinar alguma coisa. Foi amor à primeira vista e durou até o dia que o colega Belchior arranjou trabalho de cobrador da Kombi que fazia linha Santa Terezinha – Centro, e a deixava viajar de graça. Então ela nunca mais me pediu para lhe dar pesca ou outra coisa qualquer. Iara, santa desilusão amorosa! Foi a minha primeira experiência com o capitalismo selvagem e então procurei um livro de Karl Marx na biblioteca da escola. Sentia-me o proletário do amor sendo massacrado pelo poder econômico. É certo que virei materialista de carteirinha, mas sentia uma falta danada do sorriso de Iara.


Tornei-me frequentador assíduo da biblioteca, que ficava no segundo andar. Era uma sala encantada, cheia de histórias de príncipes e princesas, de monstros marinhos e pavões misteriosos. Como não encontrei o livro de Marx – e não podia encontrar, vivíamos sob a proteção da Ditadura Militar – fiquei fascinado por Andersen, os Irmãos Grimm, e as fábulas de Esopo. E toda semana eu levava um livro para casa e me imaginava um príncipe encantado salvando a princesa Iara das masmorras sebentas e fedorentas onde ela vivia prisioneira.  


E assim, de conto em conto devorado, andei regurgitando as minhas fantasias em um mundo cuja realidade não nos permite mais a simbiose dos sonhos e cismas ideológicas. 


Meus parabéns à Escola Brazilino Viegas que neste ano está completando seu octogésimo aniversário.