quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A música caipira não é música sertaneja


Certa vez, vagando por um desses grupos literários da vida cibernética, escrevi sobre um presente que ganhei de um primo, vindo de São Paulo, ou, Sumpalo, como diria o povo antigo da minha terra: uns cds da dupla caipira Tonico e Tinoco. A minha surpresa ficou por conta dos comentários saudosistas da época da música caipira, muitos dizendo ter se lembrado dos pais ou tios, a maioria, do interior paulista. 

Cresci com um pé na urbe e outro na roça. Na cidade, minha mãe cantava Orlando Silva; na roça, meu pai cantava Tonico e Tinoco. Meus amigos, cantavam trilhas sonoras de novela. Depois virei um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones e daí para frente a Verde-Oliva me desencaminhou pelas veredas da clandestinidade musical, mas aquela melodia a toque de viola nunca saiu da minha cabeça, nem mesmo quando a mídia começou a fabricar duplas sertanejas estilizadas para preencher o cérebro de camarão de uma geração perdida no espaço e no tempo. E essa geração, mais perdida do que cego em tiroteio, chegou ao terceiro milênio sem rumo e sem prumo musical, ao ponto de transformar um “ai se eu te pego” no hino nacional brasileiro.

É aquela história: quando a gente pensa que não há mais o que piorar, descobre que ainda há areia no buraco para ser retirada. As duplas caipiras estão subindo para o degrau superior e a mídia voraz nos presenteia com essas duplas de dois sertanejas, ou até mesmo reinventando o absurdo midiático como é essa tal de Joelma e seu parceiro Ximbinho. “Chegamos ao fim do poço”, pensei ao ver essa dupla azucrinando nossos tímpanos no dia a dia, mas não demorou muito e apareceram outros que deixaram a Banda Calypso parecida com a Orquestra Sinfônica Brasileira.  

Mas nem tudo está perdido. Inezita Barroso e Rolando Boldrin salvam a televisão brasileira do caos cultural em seus programas semanais, ambos, reprisados aos domingos. Inezita Barroso, com seu programa “Viola, Minha Viola”, voltado para a música caipira de raiz, e Rolando Boldrin com o programa “Sr. Brasil”, resgatando o regionalismo. Xangai tentou algo parecido na TVE baiana, mas não sei se logrou êxito. Se qualidade desse Ibope, a Tevê Cultura seria campeã de audiência.

Lá, para as bandas de Foz de Iguaçu, uma jornalista nas horas cheias, e poetisa nas horas vagas, ou vice-versa, Jeanne Hanauer, resolveu inovar no seu programa televisivo e cibernético trazendo ao público, principalmente o urbano, a mais genuína música de raiz, a caipira, acompanhada pela passarinhada silvestre. Assim, é mais um canal que se soma para não nos deixar morrer pateticamente urbanos.






domingo, 26 de agosto de 2012

Cineas Santos - Sanfonas na aridez da caatinga


                          
         O mundo era pequeno: acabava logo ali depois da roça de seu Abraão. As aspirações eram rasas e as chuvas, quando vinham, adoçavam a vida. Em matéria de sonhos, um se fazia recorrente: ir a São Paulo, ganhar um dinheiro graúdo, comprar uma sanfona vistosa e voltar correndo pro sertão. Na verdade, a sanfona – acreditávamos – era o caminho mais curto para chegar ao coração das mulheres. Assim, foram-se os tios, os primos, os irmãos, os amigos... Uns voltaram com suas sanfonas escandalosas; outros se em notícia ruim.. Com a indeclinável vocação para pedra, fui ficando. Assustavam-me os versos: “São Paulo tem muito ouro/corre prata pelo chão/o dinheiro corre tanto/que não posso pegar não”, na voz de seu Luiz. Acabei encalhado na Chapada do Corisco.

         O tempo e os contratempos encarregaram-se de demonstrar que eu jamais seria um sanfoneiro. Desisti de vez no dia em que ouvi o Sivuca solando um choro. Impossível chegar àquele nível de excelência; menos,  não me interessava. Contentei-me em ser apenas um apreciador do toque das sanfonas. 

         Vai que, no ano passado, a profª Samara Negreiros me propôs realizarmos um festival de sanfona em São Raimundo Nonato. Fiz apenas uma exigência: sem “forro de plástico”. Ela relutou (havia o receio de não haver público), mas acabou concordando. Assim, em meio à festa do padroeiro da cidade, realizamos a primeira edição do Festival de Sanfona de São Raimundo Nonato, uma festa inesquecível. Como não havia nenhuma das bandas “calcinha” presentes na praça, as famílias lotaram o espaço para ouvir João Cláudio Moreno, Valor de Pi, Chagas Vale, Ivan Silva, Josué Costa e Adelson Viana, além dos sanfoneiros da terra. A Avenida dos Estudantes não coube a plateia. A melhor parte: não se registrou um único incidente capaz de conspurcar a imagem da festa.

         Este ano, sob as bênçãos de São Raimundo, repetimos a festa com um brilho ainda maior. Entre as atrações do 2º Festival de Sanfona de São Raimundo Nonato, marcaram presença: Clã Brasil, Waldonys, Orquestra Tamoio, Vagner Ribeiro, João Cláudio, Valdemar do Acordeom, entre outros. Impossível não dar certo.

         Preocupados com o caráter educativo do Festival, os organizadores, nesta edição, ofereceram aos professores e estudantes são-raimundenses oficinas de literatura de cordel, xilogravura, rabeca, sanfona, violão, literatura piauiense, construção de bonecos. De quebra, exibiram um varal de poesias com textos das figuras mais representativas da moderna poesia piauiense. Contando com o patrocínio da OI, do Governo do Estado e da Prefeitura de São Raimundo Nonato, o festival demonstra claramente que o público sabe distinguir a boa música da vulgaridade que assola o país. Não fazemos por menos: PÉROLAS AO POVO!