sábado, 18 de setembro de 2010

Seminário Antonio Torres - Música, Maestro!

Eram apenas quatro membros, mas valeu pela orquestra inteira. A Orquestra do Centro Universitário de Cultura e Arte - CUCA - da Universidade Estadual de Feira de Santana, rendeu homenagem ao escritor Antonio Torres nos seus setenta aninhos. Tive que cortar um pouco o final de duas músicas porque a apresentação extrapolou o tempo permitido pelo Youtube.


70 anos de Antonio Torres




Foram muitas as homenagens nesse mês de setembro ao escritor Antonio Torres. Antes de seguirmos para Feira de Santana, fizemos uma parada no arraial do Junco, onde o mesmo reviu alguns parentes, deu entrevista na rádio da cidade, falou pra alunos e professores, visitou a Biblioteca Antonio Torres e, à noite, foi homenageado pelo prefeito e Câmara de Vereadores durante um jantar na casa de Luiz Eudes.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ai, Que vida!

Uma homenagem de Edna Lopes ao cinema piauiense, terra do nosso querido Cineas Santos





Quem, mesmo que acidentalmente, viu alguma cena de novela ou filme retratando o nordeste, protagonizada por atores do eixo Rio/São Paulo e acha que o nosso jeito de ser e nosso sotaque é assim, permita-me dizer o quanto está enganado. Os atores e atrizes fazem personagens caricatos, quase sempre ridicularizando os tipos, os falares do povo, em sua maioria desrespeitosos com nossa cultura e nossa gente.
Quem acompanha o desenrolar de uma campanha eleitoral numa cidade pequena, certamente que já presenciou cenas do tipo que aparecem nesse filme bem humorado, mas muito sério no trato respeitoso com a alma do povo nordestino. São tipos do nosso convívio, cenas e locação familiares, com atores e atrizes locais, o que garante a veracidade do sotaque e o jeitinho de ser tão peculiar do povo nordestino.
Ainda não conheço o Piauí e fiquei encantada com o filme. Recomendo que vejam e divirtam-se também com o olhar bem humorado do diretor, o jornalista e cineasta Cícero Filho, que dá uma aula de como se faz arte, mesmo nas condições mais adversas.
O resumo da história leiam na sinopse abaixo, mas, qualquer semelhança com o processo eleitoral em curso, não é mera coincidência.

Sinopse

Em meados dos anos de 1990, a fictícia cidade de Poço Fundo, no interior do Nordeste, está vivendo um verdadeiro caos em sua administração pública. O Prefeito Zé Leitão (Feliciano Popô) é um corrupto de mão cheia, capaz de tudo pelo dinheiro, seu egoísmo é a sua principal característica.

Zé Leitão já governa Poço Fundo há quatro anos, mas nada fez pela cidade em seu mandato. A população não consegue enxergar as coisas ruins que o prefeito faz. São iludidos com as falsas palavras de Zé Leitão e subestimados com os “programas sociais” que são realizados em seu mandato. Visto isto, a micro-empresária Cleonice da Cruz Piedade (Antonia Catingueiro) se revolta com os absurdos administrativos de seus governantes e decide “acordar” o povo sobre a atual situação da cidade. E luta pelos direitos do seu povo e conseguirá arrastar multidões em seus claros discursos, tornando-se assim querida por toda a população da cidade.

O filme também conta com uma segunda vertente: o triângulo amoroso entre Jerod (Welligton Alencar), Valdir (Rômulo Augusto) e Charleni (Irisceli Queiroz).

Nota de produção
“Ai que vida "
Gênero: Comédia
Duração: uma hora e meia
Direção Geral: Cícero Filho
Classificação: 12 anos
Vejam essas duas postagens interessantes sobre o filme:
http://www.overmundo.com.br/overblog/filme-piauiense-ai-que-vida-e-sucesso-de-publico
http://www.overmundo.com.br/overblog/filme-piauiense-em-detalhes

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Seminário Antonio Torres - Universidade Estadual de Feira de Santana




70 vezes obrigado, Feira de Santana!

Por iniciativa do professor, doutor e escritor Aleilton Fonseca, a Universidade Estadual de Feira de Santana (Bahia) realizou, nos dias 8 e 9 de setembro de 2010, no seu Anfiteatro – Módulo II –, o Seminário Narrativas e Viagens do Junco ao Mundo, em homenagem aos 70 anos do autor destas linhas, numa celebração à sua obra que surpreendeu em todos os sentidos: pelo interesse despertado dentro e fora da UEFS; pela repercussão nos mais variados meios de comunicação dentro e fora do estado da Bahia; e pelo nível dos textos apresentados, assim como das palestras e dos debates, a cargo de vários estudiosos (professores, pesquisadores, mestrandos e graduandos) que deram ao evento uma alta voltagem acadêmica e literária - e de que o retrospecto aqui, em imagens captadas por Ronaldo Torres, serve apenas de amostra.

O homenageado, que participou de tudo intensamente, sensibilizado, recorre a este veículo eletrônico para renovar o seu agradecimento à UEFS pela promoção de tão honrosa efeméride, assim como a todos que contribuíram para o seu êxito, cuja lista é imensa. 70 vezes obrigado, Feira de Santana. E viva a Bahia!

Antônio Torres
Itaipava (Petrópolis, RJ), 15 de setembro de 2010.


Nota do Blog ao povo de Feira de Santana: Clique na foto do seminário para ter acesso ao álbum.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Natureza Se Faz Presente - Rita Jankowski



De Ipê



A beleza das obras literárias de Antônio Torres assemelha-se à florada dos ipês. Sua nobreza, harmonia e grandeza seduzem nossos olhares de leitores contemplativos.
A origem da exuberância em talento deste escritor possui raízes de sustentação e absorção profundas e vigorosas nos valores de uma bela e numerosa família do sertão nordeste da Bahia. Lá, onde o amor familiar foi alento durante os longos períodos de hegemonia do sol a enrugar a terra. E foi neste mesmo cenário, onde a escassez da umidade do solo determina destinos, que a carreira literária de Antônio Torres veio a ser a primeira das muitas florescências em meio aos irmãos literatos igualmente bem sucedidos. Pouco após a época das primeiras letras, iluminada pelo amor materno de D. Durvalice, a emoção ao declamar Castro Alves veio à flor do rosto. A professora passara a ser D. Serafina e os ouvintes já não eram mais os do âmbito familiar, mas os de um convívio a céu aberto de toda uma cidade. Junco foi não somente o local de nascimento de um sertanejo como o de um sertanista.

Em Essa terra, Antônio Torres, no papel de sertanista, descreve a fotossíntese das árvores esparsas sob temperaturas abrasadoras; no papel de beletrista revela a foto - síntese de conterrâneos unidos em situações desoladoras.

Semelhante ao ipê que se adapta a terrenos secos e pedregosos, Antônio Torres soube amoldar em Um cão uivando para a lua, O cachorro e o lobo e em Pelo fundo da agulha, a aridez e os obstáculos que todos nós conhecemos, ao longo do tempo, nos compromissos familiares e profissionais. Contrabalanceou olhares opacos e brilhantes ao analisar as etapas da vida. Pelo fundo daquela agulha passou uma poesia completa contida somente em três frases:

“Amor rima com flor. E também murcha. Ficam os espinhos nas extremidades dos caules“.


Entretanto, sua experiência deixou a cargo da sucessão das estações o que pertence ao tempo. Este de tudo se encarregou. Esta prova está também em Sobre Pessoas. Um relato da versatilidade de um profissional que se dedicou às diversas culturas no campo do Jornalismo e da Publicidade e que compartilha as alegrias de um mestre no cultivo das amizades. Conserva na madeira impermeável do tronco, como em um frondoso ipê, um coração que se opõe às diversas formas de racismo, como o fez com propriedade na crônica O lado infame do genial Borges. Para reforçar esta luta, na tentativa de diminuir preconceitos e aumentar a paz, recordo-me de um conselho em espanhol “Doctor se hace, senõr se nace“, o qual adapto em “Doutor por formação, cavalheiro por nascimento.”

Ao reunir crônicas referentes ao mesmo tema, em Sobre Pessoas, o carinho do autor presta homenagem a diversos amigos de forma similar à da natureza, com pequenos buquês, a avolumar as copas dos ipês. E mesmo os amigos que já não mais sorvem a seiva desta vida, agora, prestam homenagem ao dileto Antônio e à sua cidade natal, juncando o solo ao redor deste ipê com a eterna beleza de suas flores.

E é chegado o momento quando a floração violácea do inverno dá as boas vindas aos dias de primavera refletidos na inflorescência amarela da árvore símbolo do Brasil. Este se adorna, também, para mais uma celebração da vida __ os setenta anos do amado escritor Antônio Torres no dia 13 de setembro. As sementes de seu talento, conhecimento e ensinamento foram dispersas pelos ventos nas mais variadas paisagens citadinas e campesinas mundo afora. Para expressar os votos de todos os amigos para uma vida longa,a natureza se faz presente.

Nota do blog: Ontem, dia 13 de setembro, o escritor Antonio Torres completou 70 anos.




Carniça - Luís Pimentel


De Tiro na cabeça


Quem vê a cena não diz que eu e o Carniça somos amigos desde a infância. Conheci esse neguinho quando éramos bem pequeninos, não precisávamos usar sapatos, nem mesmo tênis, o campo de futebol onde a gente jogava era usado só para jogar futebol, não era um terreno cheio de casas, mercearias e igrejas, evangélicas, e chamar um amigo de cor negra de neguinho não era ofensivo.

Minha profunda amizade com aquele neguinho começou na vila em que demos os primeiros passos, os primeiros pontapés um no outro, os primeiros chutes na bola de couro. A vila era pobre, muito pobre, onde eu nasci, filho de meu pai e de minha mãe, e ele também nasceu, filho do pai dele e da mãe dele.

Chamava-se Vila da Esperança – mesmo sendo verdade que esperança ali era o que menos havia –, era cheinha de casas pequenas e humildes, de homens e mulheres que quase sempre trabalhavam muito, e de umas noites que chegavam no final da tarde, como todas as noites de todos os lugares, mas que parecia acabar mais cedo. Geralmente, antes mesmo de clarear o dia, quando as mulheres saíam de casa para os seus trabalhos, quase sempre de empregadas domésticas, e os homens carregavam suas marmitas para as oficinas mecânicas, os postos de gasolina ou os bares do centro da cidade, onde a maioria deles deixava o próprio couro.
Não lembro quando foi que o Carniça passou a ser chamado de Carniça, como e porque arrumou esse apelido fedorento, mas sei que todos na vila só o tratavam assim. Mas ele tinha um nome, que era Reginaldo. Só que como Reginaldo ninguém o conhecia, só mesmo os seus pais. Para os vizinhos todos, os moleques, sobretudo, era Carniça pra lá, Carniça pra cá, de manhã, de tarde e de noite. Carniça nunca reclamou.

A Vila da Esperança só tinha construções de um cômodo, quartos apertados e banheiro no final do corredor. Cresci ao lado de Reginaldo-Carniça, neguinho bom de bola que só vendo, pois tinha canelas finas, braços compridos para ajudar no drible e corria como ninguém. Com esse neguinho – como eu já disse, não era feio nem horrível chamar um amigo neguinho de neguinho, era até carinhoso – mal-agradecido disputamos chupeta, usamos as mesmas roupas, jogamos muito futebol de botão juntos, entramos juntos na Cartilha do ABC e na escola pública para fazer o curso Primário, e só não fizemos o Ginasial juntos porque a vida torta logo chamou o meu amigo sei lá para onde.

Como acreditar que fui até irmão de leite desse sujeito que agora faz uma coisa dessas comigo? Passei muitos apertos na vida por causa daquele amigo. Lembro como se fosse hoje do dia em que minha mãe me deu dinheiro para ir até o açougue, comprar um pedaço de carne para o nosso almoço, e tive o desacerto de encontrar Carniça no caminho.

– Para onde você vai assim, tão apressado? – ele quis saber.
– Vou comprar carne para minha mãe fazer um almoço lá em casa.
– Carne, é? Huuummm... menino rico é outra coisa.
– Rico o quê, cara? Que história é essa de rico?
– Só rico come carne, rapaz. Sabia não?
– Não.
– De mais a mais, carne não faz falta. Ovo e verdura são bem melhores. Vamos usar esse dinheiro para comprar uns refrigerantes, bolachas, biscoitos, balas de coco, essas delícias. Depois você diz à sua mãe que perdeu o dinheiro.

Claro que eu não deveria ter caído nessa conversa. Mas caí. A desculpa não convenceu minha mãe, levei uma surra inesquecível.

Nossas mães, a minha e a de Carniça, eram amigas desde mocinha. Mamãe batizou aquele moleque, e foi a mãe de Carniça quem arranjou com o dono do quartinho para minha mãe, meus irmãos e eu morarmos um tempo sem pagar aluguel, até ela se arrumar na vida.

A mãe de Carniça era empregada doméstica, que nem a minha. Mas tinha mais facilidade para arranjar trabalho, pois esbanjava saúde. Era uma preta magrinha, também de canelas finas, que passou para o filho, pelo DNA, olho muito vivo e uma disposição de matar de inveja. Minha mãe andava sempre adoentada, branquinha das pernas fracas, coitada, e volta-e-meia tinha que deixar o emprego para se tratar. E nem sempre encontrava o lugar vago quando recebia alta lá no instituto.

Meu pai morreu cedo, eu era bem pequeno. O pai de Carniça durou um bom tempo, mas não trabalhava e vivia bebendo cachaça. Dona Laura – era esse o nome dela – comeu o pão que o diabo amassou com aquele marido. Minha mãe dizia:

“Pra ter um marido assim, é melhor viver sem homem”.

A pobre concordava:

“Fazer o quê, minha comadre, se foi essa praga que Deus botou no meu caminho?”

Não contei que o pai de Carniça era uma praga? Pois o meu amigo, infelizmente, depois se tornou uma praga também, parece que puxou ao pai, porque nunca vi tanta ruindade.

Já repeti umas quinhentas vezes que não tenho culpa no cartório, não falei nada para a polícia, não conheço polícia nenhuma, pois não me dou com essa gente, mas o desgraçado não acredita. Mesmo achando errado o que ele faz, eu não ia, de jeito nenhum, causar a desgraça de um sujeito que conheço desde bebê ou molequinho, que ainda por cima minha mãe batizou e ele bebeu leite no peito dela.

Digo não sei de nada, não falei nada, para com isso, você está maluco, mas não adianta. Meu quase irmão mantém essa porcaria desse revólver encostado em minha nuca, enquanto cospe, ruge, baba e grita que não tem nada a perder e vai disparar daqui a pouco.

E sei que vai.