terça-feira, 23 de outubro de 2012

Cineas Santos - A vida não é justa



                                        Por me faltar expressão mais apropriada, direi que o magistério é uma profissão complicada. Mal pago, mal preparado, desmotivado, agredido, vilipendiado, o professor carrega sobre os ombros a inteira responsabilidade pela educação dos brasileiros. Não bastasse isso, é o único profissional a quem se pode consultar a qualquer hora, em qualquer lugar, sem nem ao menos perguntar o valor da consulta. Experimentem fazer isso com um psicanalista, por exemplo. Tem mais: se, porventura, não se lembrar de um ex-aluno que um dia passou por suas mãos, é um “ingrato” ou “está senil”. Ossos do ofício, dirão os mais antigos. Ainda assim, não tenho motivos para queixas: devo tudo o que (não) tenho à profissão que me escolheu. 

            Bem, no último domingo, estava na igreja de São Benedito para assistir à magnífica Missa composta por mestre Aurélio, quando fui abordado por uma cidadã que teria sido minha aluna no milênio passado. O tempo, impiedoso e cruel, deixara nela suas marcas indeléveis. Da beleza quase acintosa da juventude, guardava apenas uns olhos grandes, claros, tristes... Aproximou-se, desenhou um sorriso no rosto vincado e disparou:

            - Lembra-se de mim?

            Recorri a uma resposta pronta, que guardo para perguntas desse tipo: Minha jovem, quem poderia esquecê-la? A moça alargou o sorriso, aproximou-se um pouco mais e engatilhou outra pergunta:

            - Professor, o mundo atual não te assusta, não te escandaliza?

            Não encontrando uma resposta ensaiada,  apelei para a erudição colhida num Almanaque Capivarol: Impossível, minha irmã. Veja bem: no final do século XIX, André Breton já se queixava da impossibilidade de produzir um escândalo... A tática não funcionou. A cidadã balançou a cabeça negativamente e  insistiu:

            - O que o senhor acha da conduta de uma jovem que resolve leiloar a virgindade pela internet? Dizem que os lances já chegam a mais de 200 mil dólares...

            Juro que por essa eu não esperava. Pensei que a moça falaria do mensalão, tema obrigatório em todas as conversas. Sem muita convicção, afirmei: Se há demanda, sempre haverá oferta. Além disso, há quem troque a alma por um fetiche...

            Visivelmente desalentada, desabafou:

            - O senhor se lembra de como eu era bonita? – limitei-me a assentir com a cabeça  – Sabe o que fiz com a minha virgindade? Entreguei-a a um cretino, no interior de um fusca velho, na Avenida Maranhão, bem próximo do Troca-Troca... Sabe o que ganhei? Uma gravidez indesejada, um casamento que já nasceu falido e dois filhos que nem sei por onde andam.  Eu lhe pergunto: é justo?

            Recorri ao velho clichê: Minha querida, a vida não é justa; é apenas a vida. Por sorte, a Missa de São Benedito começou e, de corpo e alma, entreguei-me à música, alheio aos ruídos do mundo.