quarta-feira, 15 de maio de 2019

InterRompidos

Poema em parceria com a poetisa mineira Mônica Cordeiro, que não viveu esses tempos de dor, mas conhece a História do Brasil. Obrigado, Mônica!

 


Na vivência da ternura utópica 
Acalorados sonhos e ideais indefinidos.
Quimeras de pétalas de rosas 
Ao vento...
Um estímulo:
Às lavas dos sentidos.

Ao Norte,
clarões de chumbo abreviando a vida.
Ao Sul, 
porões obscuros e choros incontritos.
Ao Centro, 
mãos metafóricas arrancando o grito,
de pálidos rostos e corações aflitos:
- Liberdade!

Nas pontas de lâminas de aço
Vozes sufocadas
Ressurgiram tenazes
Num grito contra a ditadura.
Na multidão,
cerrando os punhos,
Bradando a liberdade 
sem perder sua ternura, ela...

- Hola, mi comandante! - disseste em serena delicadeza.
Abraçou-o ternamente, beijou seus lábios, sorriu.
Ensarilhou ele, as armas naquele infinito instante...
Entre gás de choro, gritos de guerra e dor, ela sumiu.
...

No ardor da batalha travada
Entre bombas e dentes caninos
Foi arrastada para o porão.
Não sentia os braços nem pernas.
Mãos deslizavam nas costas
Delineando as curvas do corpo trêmulo
Os calos arranhavam de modo conjunto
Em toques grosseiros, à força
A resistência era fruto do imaginário
Pois o corpo estava exangue.
Padecia no purgatório entre armas.
Os calibres formavam molduras
Lado a lado empilhados.
Numa sala escura, gotas de água gelada,
Homens de calças arriadas
E sangue!

Corpos violados sob o comando de vozes arbitrárias 
Um sussurro disfarçado 
E o ódio era o bálsamo derramado
Nas entranhas, de forma brutal,
Em movimentos de vai e vem
Sobrepostos por movimentos de entrada e saída.

O suor na pele,
Saliva e cuspe lançados na face,
O olhar de dominação.

Os restos de dor espalhados
Em lágrimas discretas
Sem som...

Silêncio mortal
Na Comissão da Verdade.
Era chegado o fim de sua procura:
As fotos espalhadas em diversos ângulos...
O pau de arara...
A retirada do capuz como oferta de insegurança... 
A tortura, o estupro,
A morte como redenção.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Treze de Maio

Treze de maio, mês das noivas, mês de Maria. Lá no Junco das minhas recordações era mês de se comer e beber refrigerante de graça nos casamentos que pululavam. Não que fosse convidado. Não. Ninguém convidava pirralho para os comes e bebes. Nosso trunfo era Jesus de Enock - que Deus o tenha em bom lugar. Ele era coroinha e sabia de todos casamentos e batizados que aconteceriam na igreja.
Os casamentos de lá não tinham luxo. E a cidade só tinha luz até às vinte e duas horas. Acabava a cerimônia, os noivos caminhavam em cortejo até a casa onde haveria a recepção. Para nós, os moleques de rua, era fácil fazer cara de bom moço e se passar por filho de algum convidado.

Maio também era mês de trezena a Nossa Senhora de Fátima. No dia treze era o auge, e a igreja lotava. Maria de Venança, a soprano, e tia Naná, contralto, puxavam o coro das centenas de timbres e tessituras das vozes masculinas e femininas cantando "A treze de maio na cova da Iria..." e de repente um moleque se manifesta:
- O que é Iria, mamãe?
- Cala a boca, fio do Cão! Vai levar um cascudo!
O moço da frente, penalizado, senhor simples, da roça, chapéu de palha na mão, explicava baixinho para não atrapalhar o hino:
- Iria é como se uma pessoa fosse e não fosse, entendeu?
-  E a cova?
- É porque Jesus quando morreu, iria pra cova, mas colocaram ele numa gruta porque, se Ele tivesse sido enterrado, não poderia ressuscitar.

E assim, aquele povo temente a Deus e devoto de Nossa Senhora do Amparo, preenchia de sonoridade o silêncio assustador da noite de Fátima no sertão.
E hoje ainda ecoam nos meus tímpanos e na minha alma aquelas vozes sincronicamente melódicas a cantar louvores de fé e esperança numa boa colheita, pois era da terra que eles tiravam o seu parco sustento.