segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Uma short story na paulicéia

Tirou o dia para conhecer São Paulo. Seis meses na cidade e só conhecia os botequins do bairro onde morava. Pegou um ônibus e deixou se conduzir pelas ruas e avenidas da cidade, sem traçar destino. Curtiria a cidade pela janela. Se acaso se agradasse dalgum lugar, desceria para esmiuçar seus detalhes. O cidadão sentado ao seu lado puxou conversa: 

- O senhor é daqui mesmo?
- Não. Sou baiano.
- Que coincidência! Eu também sou baiano.
- É? de onde?
- Sou de Caruaru, em Pernambuco.
- ?!

Se todos os brasileiros fossem baianos, quiçá, este seria um país mais alegre. 

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Odoyá, rainha das águas!


3 AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS (Introdução)


“Deus existe, mesmo quando não há.”
Riobaldo, in Grande Sertão, Veredas - Guimarães Rosa

Deus existe, porém, para se chegar a Ele, é preciso ter fé. A fé é que religa o homem a Deus, o humano ao sagrado, através da oração, música, arte ou até mesmo pelo silêncio meditativo. A esse canal transcendente da Fé foi dado o nome de Religião.

Cada povo com seu deus, seu santo, seu mito. Cada religião com seu padre, seu rabino, seu xamã, os guias espirituais entre o plano cósmico e o plano terreno, entre matéria e espírito, e assim, seja branco, seja preto, seja índio, seja oriental ou mongol, todos traçam seu código de conduta ética, moral e espiritual baseado em seus livros sagrados. Apesar de divergentes entre si, todas as religiões convergem para um mesmo fim: Deus, um Ser Supremo, Onisciente e Transcendente.

Foi assim há milênios. É assim hoje. E sempre será assim porque o homem necessita de um deus para preencher seu vazio interior. Mas não será assim, num repente de palavras, que iremos compreender ou praticar alguma das muitas religiões africanas que por aqui aportaram. Os orixás que vieram nos tumbeiros não vieram com as mesmas regalias e prerrogativas dos santos católicos. Aqui, eles foram oprimidos e humilhados pela intolerância do Deus conquistador e manifestar-se aos seus seguidores era infligir-lhes cruéis castigos no pelourinho.   

Ao desembarcarem em terras brasilis, os orixás foram metidos numa torre de Babel doutrinária e encontraram grande dificuldade de comunicação com seus seguidores. Os negros eram separados dos seus e colocados nas senzalas onde não havia afinidades culturais, muito menos religiosas. Sequer falavam a mesma língua, pois na África continental havia milhões de falares nas múltiplas nações tribais e várias eram as culturas e religiões praticadas pelo seu povo. Por analogia, a Europa é um continente, mas cada país europeu tem a sua língua e a sua própria cultura.

Quando os brancos, e depois os negros, aqui chegaram, encontraram uma cultura dominante do Tupi, Guarani e Tupinambás. Essas nações indígenas formavam sociedades organizadas nos princípios da solidariedade e da partilha e totalmente harmonizadas com a Natureza. Os tupis e os guaranis, nações ocupantes do litoral à época da colonização e que tiveram os primeiros contatos com os europeus, acreditavam em um mundo espiritual e povoado de divindades. Eram os espíritos dos seus ancestrais, da floresta, das ervas medicinais, e também adoravam a um deus Transcendente, Tupã, e reconheciam a Trindade manifestadora do poder divino, Guaracy, Yacy e Rudá. Havia também Yurupari, o Messias, filho da virgem Chiucy. Essas divindades, análogas à Trindade do Novo Testamento, serviram de plugues na catequese dos índios pelos jesuítas, que os cristianizavam a ferro e a fogo.    

Os pajés (ou xamãs) eram os mediadores entre a comunidade e os espíritos, em ritual de transe mediúnica, conhecido como pajelança. Exerciam a função de sacerdotes, médicos, adivinhos e também era o responsável por transmitir oralmente às gerações futuras a cultura, a história e as tradições do seu povo, pois não havia escrita nas tribos. Os índios acreditavam que eles, os pajés, detinham o poder de entrar em contato com os espíritos dos mortos, dos animais ou objetos que promoviam a cura.

Da imposição religiosa dos portugueses, principalmente dos jesuítas, originou-se o culto dos Caboclos Encantados, ou Encantaria, que eram espíritos mestiços e cristianizados. O transe era alcançado pela ingestão de infusão da raiz da jurema, árvore considerada sagrada pelos indígenas muito antes da chegada do europeu, por causa do seu alto poder medicinal e, principalmente, por suas propriedades psicoativas.    

Os escravos fugitivos de suas senzalas adentravam o interior e encontravam proteção nas diversas nações indígenas. Quando tiveram contato com os rituais da pajelança e do encantamento, encontraram afinidades cerimoniais com os orixás nesses dois cultos místicos indígenas e desse modo surgiu um novo culto sincrético afro-ameríndio e impregnado de santos católicos, chamado Catimbó.

O Catimbó foi a primeira religião híbrida do Brasil, onde se misturavam as crenças indígenas, a religiosidade africana, a magia europeia e os santos católicos. Foi a base dogmática da maioria das religiões afro-brasileiras e precursora da Umbanda.