sábado, 12 de outubro de 2013

Cineas Santos - Das sutilezas semânticas

                                 Para o meu gosto, das árvores floríferas da Chapada do Corisco, o ipê-branco (Tabebuia roseo-alba) é  a mais nobre e  a mais bela. Infelizmente, apesar dos esforços do João Freitas Filho, ainda é inexpressiva a quantidade dessa espécie em Teresina. Como não existem árvores velhas, tudo faz crer que este variedade de ipê ainda está em fase de adaptação. Ao contrário do amarelo, perfeitamente aclimatado à aridez da Chapada, o ipê-branco tem se revelado frágil e vulnerável. No ano passado, pelos menos cinco ipês morreram sem que se saiba exatamente a causa. Dos que plantei, dois não vingaram. Um “especialista” explicou que ocorreu um “estresse climático”. Falta-me autoridade para  confirmar ou contestar.

            Este ano, para alegria dos olhos mais atentos, no final de setembro, um ipê-branco, plantado pelo Dr. Anfrísio Neto no jardim do edifício onde mora, explodiu em flores. Um dilúvio de beleza,  diria um poeta medíocre. Uma senhora que passava pelo local, não se conteve: “Meu Deus, um pé de árvore de Natal!”. Sem uma folha, o ipê vestiu-se de branco durante uns três dias. Avisado por uma amiga, fiz uma dezena de fotos e publiquei-as onde pude.

            Finda a florada, tentei falar com o jardineiro do edifício para saber como garantir alguma das preciosas sementes. Não consegui. Só me restou uma opção: “botar sentido” na árvore à espera das sementes. Por oportuno, vale lembrar: os ipês-brancos são meio sovinas. Para minha surpresa, houve também uma explosão de sementes que foram lançadas prodigamente ao vento. Munido de um saco plástico, plantei-me na calçada e comecei a garimpagem das sementes que o vento levava para longe. Em cada semente colhida, eu vislumbrava um ipê embelezando uma nesga da nossa sofrida cidade. As pessoas passavam, olhavam para se certificar e, como naquela música do Chico, uns sorrindo faziam  pouco, outros me tomavam por louco... Indiferente ao rugir dos automóveis, eu catava as sementes com uma indescritível alegria.

            Lá pelas tantas, passou um conhecido, cidadão de fino trato.  Ao me ver agachado na calçada, parou o automóvel e disparou: “Procurando o quê, professor?”.  Sementes de ipê, respondi. A resposta não lhe pareceu satisfatória: “O que o senhor vai fazer com elas?”, quis saber. Vou plantá-las. O cidadão voltou à carga: “Professor, me desculpe a curiosidade, mas o que o senhor ganha com isso?”. Resolvi bancar o sabido:  eu e a cidade ganharemos a possibilidade de fruir,anualmente, a nossa efêmera ração de beleza. O cidadão sorriu, balançou a cabeça negativamente e afirmou: “O senhor é um poeta, professor”. Levantou o vidro do carro e seguiu em frente. Sei não, mas pela forma como ele pronunciou a palavra “poeta”,  tive a impressão de que não era exatamente um elogio...



           


quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Luís Pimentel - O gandula que comeu a bola



Mais de meia hora de jogo, e a bola não saíra, uma vez sequer, pela linha de fundos. Tinha escapado inúmeras vezes pelas laterais, o que já estava irritando aquele gandula que trabalhava atrás do gol. Logo naquele dia, coitado, que o irmão mais velho assistia ao jogo da geral, só para vê-lo atuar mais de perto.
Por isso o menino gritava com os atacantes que chutavam daquele lado, toda vez que a bola rondava a área:
– Chuta aqui, seu pereba! Chuta logo essa porcaria!
Esbravejava com os zagueiros quando evitavam as finalizações do adversário, e xingava o goleiro, toda vez que este fazia uma defesa:
– Bota pra escanteio! Bota pra escanteio!
           Finalmente a bola desviou em alguém e escapuliu pela linha de fundos, quase no final do primeiro tempo. O menino correu até o fosso em volta do campo, pegou a bola com as duas mãos, abraçou, alisou e rolou com ela pela grama.
O gandula estava visivelmente se exibindo para o irmão, alheio aos gritos dos torcedores, dos jogadores e até do juiz. Todos esperavam apenas que o gandula fizesse o seu trabalho, para que o jogo pudesse recomeçar.
– Devolve essa bola, moleque insolente! – berrou o dirigente do time que estava
perdendo o jogo.
– Vem até aqui pegar! – desafiou o menino, correndo de um lado para o outro com a bola debaixo do braço.
O dirigente chamou os auxiliares e os seguranças. Veio também a polícia, para engrossar a perseguição, diante dos gritos da torcida que, a essa altura, torcia pelo gandula, rindo e aplaudindo a sua aventura.
Quando se viu finalmente acuado em um canto, espremido entre o pau da bandeira e o muro do fosso de proteção, o gandula tirou um pequeno canivete do bolso e começou a cortar a bola, gomo após gomo, colocando de um em um na boca como se fossem bifes bem finos.
Mastigando, engolindo e dando boas gargalhadas diante de seus perseguidores.

Do livro de contos “O gandula que comeu a bola”, no prelo da Editora Dimensão