quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Campanha "Devolva o sorriso de um sanfoneiro"

Conversando, ontem, com o jovem poeta Cineas Santos, ele sugeriu que o ladrão da sanfona, se pego, fosse capado com uma faca cega. É muita moleza, meu poeta! Refresco de cajuína até. Roubar uma sanfona de um pobre velhinho é crime hediondo. O autor da repugnável proeza merece sim, ser capado, à moda antiga de capação de boi: prende os quibas num barrote e mete o cepo até ele parar de gritar. Garanto que ele vai chorar toda vez que ouvir o som de uma sanfona, mesmo as sintetizadas.

Do interior do Piauí recebi o seguinte e-mail:

"Prezados(as) amigos(as),

Ficamos felizes pela solidariedade manifestada por todos vocês ao mestre Carlitos. A fim de vocês poderem fazer suas contribuições, bem como colaborar na divulgação da campanha entre amigos, envio o número da conta poupança, conforme solicitado pelo Professor Cineas Santos.

Conta Poupança nº 24954-8, Variação 1, Agência nº 0519-3, Banco do Brasil.

Um abração e muitas realizações no ano novo!

Prof. Gonçalo Carvalho Filho

Não abrimos conta na Caixa porque aqui só temos lotérica, e por entendermos que o Banco do Brasil está em quase todo lugar!

Veja só: O Delso acaba de nos informar o valor arrecadado até a presente data na conta aberta em favor da campanha "Uma Sanfona Nova pra seu Carlitos"!, R$ 749,85. Mas, temos novidades boas: os jovens envolvidos na campanha, segundo eles me comunicaram, já angariaram R$ 300,00 e vários produtos junto ao comércio local!..

Um abraço,

Gonçalo."


Vamos ajudar, meu povo! Qualquer quantia é uma grande ajuda.






terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Cineas Santos - Um velho sanfoneiro chora


De Seu Carlitos da Sanfona

“Quem roubou minha sanfona, eu bem sei, foi alguém sem coração”. Luiz Gonzaga

No início da década de 90, a Argentina vivia uma aguda crise econômica. Nossos orgulhosos hermanos baixaram a crista. Uma noite, vi na TV uma cena que me deixou profundamente triste. Diante de uma casa de penhor, em Buenos Aires, um grupo de velhos músicos tentava levantar alguns trocados deixando “no prego” seus instrumentos musicais. Entre guitarras rotas e violinos ensebados, figuravam alguns bandoneons que, como se sabe, são a alma do tango. Naquela noite, dormi mal. No dia seguinte, escrevi: quando um músico é obrigado a penhorar seu instrumento de trabalho, na verdade, ele está penhorando a própria alma. Continuo pensando da mesma forma.

Eis que, na semana passada, experimentei a mesma incômoda sensação. Recebi um e-mail do prof. Gonçalo Carvalho, mentor do Projeto Encantadores do Sertão, dando conta do furto da sanfona do mestre Carlitos, o decano dos sanfoneiros de São João do Piauí. Minha primeira reação foi de absoluto destempero: Meu irmão, temos de encontrar esse desinfeliz e castrá-lo com faca cega para que não tire raça ruim. A bravata era só uma tentativa de driblar a tristeza que me corroía a alma. Mestre Carlitos, aos 88 anos de idade, caminha com dificuldade, mas sentado, com a sanfona nos joelhos, ainda é capaz de animar um forró. Este ano, coube a ele e ao pequeno Isac, de apenas 8 anos de idade, abrirem o Festival de Sanfona de São Raimundo Nonato, um duo que emocionou a plateia. Muito animado, o velho sanfoneiro falou de sua alegria de estar ali “alegrando tanta gente”. A sanfona furtada, uma velha Todeschini, presente de um genro, o acompanhava há 25 anos. Juntos, animaram casamentos, batizados, quermesses, reisados e forrós. Desde o dia do furto, 10 de dezembro, mestre Carlitos só tem olhos para chorar.

Indiferente ao sofrimento do velho, o larápio pervaga por aí à caça de novas presas. O que distingue um ladrão de uma pessoa decente é, entre outras coisas, a absoluta ausência do sentimento de piedade. Por oportuno, vale lembrar que, no auge da carreira, Luiz Gonzaga teve sua sanfona furtada por um vagabundo qualquer. Como tinha fama e milhares de fãs e amigos, o velho Lu ganhou uma soberba sanfona branca onde fez gravar a frase: “Sanfona do povo”. O episódio rendeu-lhe uma bela toada cujo refrão diz: “Quem roubou minha sanfona peço não faça de novo!/ pois esta sanfona bela que eu estou tocando nela é a sanfona do povo”. O Rei do Baião poderia comprar quantas sanfonas quisesse; mestre Carlitos, não. Além disso, seus amigos - pobres como ele - não poderão ajudá-lo.

Em momentos assim, lamento profundamente não ter ficado rico, o que não me impede de encabeçar uma lista de pobretões para juntarmos nossos caraminguás e comprar uma sanfona nova para o mestre Carlitos, um cidadão que, ao longo da vida, dedicou-se a produzir beleza. Os que desejarem integrar esta corrente solidária que se habilitem. Como cantam os cegos de feira: “O pouco com Deus é muito”.

Assim seja.


segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Carlos Vilhena - Natal

De Natal - Graça Vilhena

Jeane Hanauer entrevista o poeta Omar Ellakkis

Show de bola! Com nova roupagem, ou seja, usando as estantes da Kunda Livraria de Foz de Iguaçu como estúdio de gravação, e com a apresentadora Jeane Hanauer livre, leve e solta como deve ser o bom entrevistador, o Programa Repertório  vai ao ar desta vez exibindo a entrevista do médico e poeta, ou poeta e médico, Omar Ellakkis, membro da Academia de Letras de Foz do Iguaçu. Além de falar de como conciliar medicina e literatura, Ellakkis também fala aos internautas sobre a etnia e a trinacionalidade de Foz de Iguaçu.


Apresentação: Jeane Hanauer
Produção: TVCOM FOZ (Foz do Iguaçu - PR)
Transmissão: NET canal 98 e TVA canal 99.
Exibição: domingos, 17h. Reprises: terças, 21h30 e quintas, 13h

sábado, 24 de dezembro de 2011

Edna Lopes - Dos Natais idos e vividos

De Edna Lopes

Natal é todo dia. Basta abrir-se ao outro e à estrela que, acima das mazelas deste mundo, acende a esperança de um futuro melhor. Frei Beto


Era a abertura oficial do Natal da cidade e o Sinteal Em Cantos juntamente com a Camerata Instrumental e as representações de mais sete coros regidos pelo Maestro Gustavo Campos Lima com quase cem coralistas, ocupavam o palco da praça multieventos. Meu olhar buscou a platéia e vi crianças correndo e seus pais atentos, preocupados em acompanhá-los. Lembrei dos natais de minha infância e da linda lapinha da igreja que tanto me encantava e que seria capaz de ficar horas olhando aquela cena que traduzia a simplicidade e a beleza do nascimento de Jesus. Pena que a modernidade tenha subsumido a tradição das lapinhas!

Enquanto entoávamos cânticos tradicionais do Natal, lembrei também do tempo que subia ao palco para dançar o pastoril, dança tradicional das festas natalinas em que se canta e dança em homenagem ao Deus Menino. Por anos fui a borboleta e, de roupinha verde, de asas e antenas prateadas, era uma alegria participar daqueles momentos.O Natal tinha a pureza e a singeleza daqueles cantos que pareciam hinos celestiais.

Morando desde adolescente numa cidade, minha alma de menina da roça sempre se incomodou com esse Natal puramente comercial, vendido a qualquer preço e em qualquer lugar. Lamento porém que, em especial as crianças, vivenciem apenas esse Natal superficial. A cobrança, quase exigência, do presente, a ida tumultuada ao comércio, aos shoppings, lição do consumo desenfreado incentivada pela mídia e absorvida em sua maioria por pais e avós.

Na contramão desse pensamento consumista, graças a Deus, mesmo quando nos nossos Natais só havia motivo para chorar minha família jamais deixou de se reunir para agradecer e celebrar a alegria de sermos uma família.Esse Natal sempre me bastou!

Também este ano, desde o início de dezembro o Sinteal Em Cantos tem cumprido uma agenda de apresentações para saudar o Natal e louvar o Deus Menino em diversos espaços e tenho feito um esforço enorme para cumprir parte dela, mas nem sempre os compromissos de trabalho permitem. Além da atividade que já citei, destaco duas em especial que foi a celebração para as crianças da comunidade do entorno da sede do sindicato e uma apresentação numa casa de saúde e hospital psiquiátrico. Ver aquelas pessoas tão carentes de respeito e dignidade, ver a emoção dos familiares lado a lado, cantando conosco me emocionou demais e agradeci pelo presente que foi participar de momentos assim.

Nesse período em que tantos aproveitam para refletir qual o seu papel na construção de um mundo mais justo quero afirmar meu compromisso com a vida, com o bom e com o belo que essa mesma vida produz e se algum dia tiver que traduzir o espírito desse natal direi que é o natal do agradecimento, da alegria pelas pequenas coisas, da doação.

Em retribuição por tanta alegria, por tantas bênçãos recebidas quero muito agradecer pelo dom da vida, pela saúde e felicidade de todos e de cada um dos meus afetos mais caros. Nestas singelas trovas repetidas por violeiros e trovadores em tantos lugares, meu abraço especial e meu desejo sincero de que sempre tenhamos muito mel para doar! Boas Festas, FELIZ NATAL!


"A defesa é natural;
Cada qual para o que nasce;
Cada qual com a sua classe;
Seus estilos de agradar.

Um nasce para trabalhar;
Outro nasce para brigar;
Outro vive de intrigar;
E outro de negociar.

Outro vive de enganar;
O mundo só presta assim;
É um bom, outro ruim;
E eu não tenho jeito para dar.

Para acabar de completar;
Quem tem o mel, dá o mel;
Quem tem o fel, dá o fel;
Quem nada tem, nada dá."

Boas festas a todos e a cada um que, tão generosamente,
dedicou minutos de suas preciosas vidas a ler o que escrevo.
Que o amor e a esperança transbordem em cada coração!
Obrigada! Edna Lopes

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Cineas Santos - Insólita visita

Parafraseando Fernando Pessoa, sem querer saber de mim, a manhã seguia seu curso. Eis que, sem aviso prévio, adentram meu escritório duas figuras, em quase tudo, distintas: Ogier da Silva e Kenard Kruel. Em comum, os dois têm apenas os nomes exóticos e os sonhos imensuráveis. Impossível não associá-los à dupla mais famosa da literatura ocidental: Dom Quixote e Sancho Pança. Pequeno, magro, encurvado, Ogier parece transportar nos ombros o peso de um sonho maior que suas forças. Imenso, rotundo, transbordante, Kenard grita ao mundo: Não se preocupe, cheguei!

De Ogier, eu sabia apenas tratar-se de “um visionário” que, há mais de 30 anos, tenta construir um castelo medieval no meio do nada. De Kenard, sei quase tudo. Sei, por exemplo, que ele e o ex-governador Alberto Silva não podiam dormir no mesmo horário: a noite não comportaria os sonhos dos dois. Como sofre de apneia do sono, Kenard Kruel não dorme nunca; sonha de olhos abertos, em tempo integral. Dublê de jornalista, advogado, editor e produtor cultural, ultimamente, vem editando livros imensos sobre os notáveis do Piauí.

O certo é que, na manhã de segunda-feira, dia 12, Kenard e Ogier resolveram passar na Oficina da Palavra para tomar um cafezinho. Os dois vinham de uma exaustiva peregrinação por gabinetes de políticos, redações de jornais, escritórios de empresários. O solitário construtor parecia cansado, meio abatido; o frenético editor estava aceso. Antes de qualquer conversa, sacou da algibeira a “boneca” de mais um livro no qual narra as aventuras de Ogier Silva. Umas 300 páginas, no mínimo.

Ogier vive como um ermitão em seu castelo inacabado no município de Altos. Aos 67 anos de idade (aparenta bem mais), sobrevive com o que recebe de sua magra aposentadoria. Segundo seus cálculos, já enterrou uns 700 mil reais no castelo que pretendia inaugurar em 2014. O problema é que, com a assessoria do Kenard, o castelo passou a ser apenas parte de um projeto muito mais ambicioso: a construção de uma cidade medieval na qual todos os moradores efetivamente vivam como aldeões, trajando roupas e usando ferramentas da Idade Média. Para o próximo ano, já está idealizando um torneio de arco, flecha e besta (bésta, irmãos). Antes disso, pretende inaugurar, o mais breve possível, uma taverna onde serão servidos pratos exóticos (javali, caititu, faisão) e bebidas fortes, destiladas.

Nesse ínterim, apareceu o escultor Carlos Martins que adora construir esculturas monumentais. Em poucos minutos, os três discutiam animadamente a construção de um dinossauro com mais de 30 metros de comprimento no meio de um lago artificial. Contagiado pela empolgação do trio, resolvi participar da viagem: dei palpites, apresentei sugestões. Por sorte ou azar, as contas vencidas me obrigaram a aterrissar. Não fosse por isso, eu já estaria integrando a trupe dos três mosqueteiros que, como se sabe, eram quatro. Fui salvo pelas contas!


domingo, 18 de dezembro de 2011

Edna Lopes - Cenas de Cinema - Conto em Gotas de Luís Pimentel

De Cenas de Cinema Luís Pimentel

Para quem gosta de contar boas histórias, qualquer motivo é pretexto para contá-las, desde as tiradas de um filósofo de botequim, imagens de meninos que vendem sonhos, impressões de homens comuns que encontram vida no sexo de quem o vende barato, juras ao luar de casais de namorados e até lembranças de infância que jamais nos abandonam.
Para quem sabe contar boas histórias, um olhar, um objeto, um personagem, uma vida, uma cena qualquer a qualquer hora e em qualquer lugar se transforma em arte. E quem há de negar que é pura arte a vida, o sonho, as nossas melhores lembranças de infâncias, nossa visão de mundo?

Para quem gosta de ler e/ou ouvir boas histórias o livrinho (no tamanho) Cenas de Cinema – Conto em Gotas do baiano mais carioca do planeta Brasil, Luís Pimentel, é um livrão (na envergadura) recheado de vários tipos encantadores, em estado de desespero, no melhor da falta de sorte de quem precisa ler um horóscopo ou na pureza das várias histórias de meninos.

Para quem gosta de boas histórias vai gostar muito desse livrinho livrão. As cenas são de vida, mas são também da arte que imita a vida, que imita a arte. Cenas que caberiam num filme, mas são das pequenas grandes tragédias humanas que só um olhar sensível e amorosamente humano, pode captar e traduzir em gotas de bom humor, de esperança, de inconformismo com algumas cenas que somos obrigados a presenciar, viver.

Para quem gosta de escrever, contar, ler, ouvir histórias e ainda esteja no Rio de Janeiro, esse amigo querido lança o seu livrinho livrão cheio de encantadoras histórias no dia 20/12/2011, das 19 ÀS 22h na Livraria do Museu da República, Rua do Catete, 153, Rio de Janeiro.

Para quem gosta de contar, ler e ouvir boas histórias como eu e a turma aqui de casa, o livrinho livrão do querido amigo Luis Pimentel foi/é um lindo presente de Natal que recomendo. Deixo aqui uma das gotas do olhar sensível do autor.

ESQUECIMENTO


Debaixo do chuveiro, a água morna quase quente deslizando pelo corpo coberto de sabão, os olhos vermelhos quase brasa, ela esperava espantar naquele banho todas as manchas que os golpes, as baforadas e o suor dos músculos dele deixaram em suas veias.

Então começou pelos cabelos, disputados, o pescoço recheado de cinza e hematomas, o ventre murcho e exaustivamente palmeado, o sexo ávido, as mãos em concha sobre o sexo em sede, a esponja engordurada de xampu, as lâminas do creme rasgando o sexo, a saudade, a lembrança, a gosma e o sexo em fogo, a herança do sexo agora limpo e novamente sedado, condenado ao esquecimento.

Ao desligar o chuveiro, já tinha em mente o plano quase morte: ligar para ele novamente.

PIMENTEL, Luís. Cenas de Cinema – Conto em gotas, pág. 22 e 23


Sobre o autor

Baiano do sertão de Itiúba, onde nasceu em 1953, Pimentel chegou ao Rio para estudar teatro e acabou se tornando jornalista e escritor. Como jornalista, trabalhou no Pasquim (1976/77), Pasquim21 (2002), na edição brasileira da revista americana de humor MAD, na Rio-Gráfica e Editora e no jornal Última Hora. Foi articulista do jornal carioca O Dia e colunista do virtual Jornal de Copacabana, entre outras colaborações. Com várias dezenas de livros publicados, entre infantis, de humor (Entre Sem Bater: o Humor na Imprensa Brasileira), biografias (Wilson Batista, Luiz Gonzaga), contos (Contos para Ler Ouvindo Música), poesia e ficção, Pimentel coleciona prêmios literários. Entre eles, o Prêmio Cruz e Sousa, por Grande Homem Mais ou Menos, e o Prêmio Jorge de Lima, com as poesias de As Miudezas da Velha. Pimentel também escreveu roteiros para programas humorísticos de TV, como Escolinha do Professor Raymundo e Zorra Total. Seu mais recente trabalho na área editorial é a coordenação da edição de Paixão e Ficção – Contos e Causos de Futebol, do qual participa ainda com um dos textos, ao lado de Aldir Blanc, Armando Nogueira, Mário Filho, Renato Maurício Prado e Zico. No livro Zico, conta como foi o dia em que Ronaldo teve uma convulsão, na Copa da França. A produção tão profícua do escritor não supera em dedicação o amante da MPB. Razão pela qual ele mantém no ar, com dificuldades, mas com vontade, a revista Música Brasileira.



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sábado, 17 de dezembro de 2011

Um dia de sofrimento em noite de alegria


De Algo além de um momento

Cheguei de uma longa jornada de trabalho no Polo Petroquímico de Camaçari, a quarenta quilômetros de Salvador. A noite já passava da metade e, se galos houvesse, estariam tecendo a manhã. Tomei um banho e me joguei debaixo do lençol, extenuado. Mal preguei os olhos, o telefone tocou. Levantei-me num sobressalto porque telefone não toca em plena madrugada para trazer alvíssaras.

– Alô!
– Tonico, é Elza, mãe da Sonia, você tem como entrar em contato com seu irmão?  – Elza era a sogra do meu irmão mais velho, falando do Rio de Janeiro direto para Salvador, às três horas da manhã, e coisa boa não haveria de ser.
– Tenho, sim.
– Então avise a ele que o seu primo Humberto Vieira acaba de morrer, aí mesmo em Salvador.

Humberto Vieira, o Boêmio, finalmente desligara-se do sofrimento. Nos últimos tempos definhava lentamente, fruto de uma cirrose hepática. Além de primo, era muito amigo do meu irmão. A primeira vez que fui ao Rio de Janeiro praticamente morei na sua casa. Trabalhava na Rede Globo de Televisão, bebia feito um condenado e fumava um cigarro atrás do outro, talvez temendo a extinção do fumo. À noite, quando chegava sóbrio, pegava o violão, um Di Giorgio, e atacava de Noel, Lupicínio, Ismael Silva, Ary Barroso e outros tantos do nosso cancioneiro popular. Foi com ele que conheci e aprendi a gostar de Maysa, Elizeth Cardoso, e todos esses que falei acima, pois, não era comum se ouvir esse pessoal cantando nas rádio emissoras de Alagoinhas, cidade onde fui criado.

Oito anos depois Humberto retornou a Salvador para curtir seus últimos dias de vida, pois a cirrose se encontrava em estágio avançado. Dia sim, dia não, eu passava na sua casa, na Rua Direita da Piedade, para uma visita. Invariavelmente o encontrava com um copo de whisky na mão. Um dia indaguei se ele queria acelerar a morte e ele, com o olhar perdido no fundo do copo, me respondeu:

– Pra que alongar a agonia. Já que vou morrer mesmo, que morra como sempre gostei de viver: bebendo.

Isso aconteceu dois dias antes de receber o telefonema de D. Elza.

Vida que segue. Hoje, pela manhã, abri um e-mail do meu irmão e nele havia uma fotografia anexada. Senti que naquela imagem havia algo além de uma fotografia pendurada na tela do monitor. Perguntei a ele a história da foto, e eis que um simples instantâneo deixou registrado um momento de júbilo e ao mesmo tempo de tristeza. Abaixo, a resposta do meu irmão:

“Agenor, o mineiro que representava a Ática na Bahia, Juraci Costa, meu ex-colega no JBa., Raimundo nosso tio mais ao fundo, eu, um pouco à frente dele, João  Ubaldo, e Ariovaldo Matos, em colóquio com ele. Ao fundo da galeria ficava uma livraria, onde eu estava autografando o "Carta ao Bispo". Você não apareceu porque trabalhava à noite. E na noite anterior me telefonou para dizer que "o seu grande amigo Humberto se foi". Aí perdi o sono. De manhã, Décio foi me buscar no hotel para a gente ir a Alagoinhas, onde a velha Durvá nos esperava para o almoço e, logo depois, seguiríamos todos para uma faculdade ali na Praça Rui Barbosa - precursora da Uneb - para a minha primeira palestra na cidade. Tentei fazer o mano Décio cancelar tudo, para que eu fosse ao enterro do Humberto. Mas ele disse que não dava, porque ia ser uma desfeita muito grande para mamãe e para Tudinha, que havia organizado tudo na faculdade. Veja que longa história esta foto conta.”

Pois é: uma alegre e triste história de momentos paralelos que fizeram os amigos estarem na mesma cidade sem que pudessem se encontrar para o último adeus.


   

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Edna Lopes - Rearrumando a vida

o mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda!
Repito por pura alegria de viver:
a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não
vale a pena!!
(Clarice Lispector - Una propuesta de Vida Creativa)

Ontem foi o dia de escutar meu Pássaro da Alma* pois cada vez que se aproxima um final de ano, o cansaço, uma ponta de impaciência se instá-la diante da montoeira de papeis e livros que utilizo em meu trabalho e sinto que preciso de um tempo para arrumar meus armários e gavetas sob pena de não mais conseguir me achar em meio a pilhas de pastas, livros, jornais e revistas.

Uma aventura remexer meu baú de espantos, pois espanto-me sim quando me dou conta do por que guardei e guardo tanta coisa que não tem utilidade imediata nem pra mim nem pra ninguém. Será apenas o hábito de relembrar, de manter um pouco mais a sensação, o prazer e alegria que tal objeto seja lá de que tipo for, me causou? Dr.Freud me socorra!

Remexendo pastas e gavetas vi minha vida, a parte de mim que pesa e pondera, durante todo este ano. Cartões de embarque, prestações de conta das viagens, pautas de reuniões, cópias de relatórios, cópias e mais cópias de leis, de textos sobre os mais diversos assuntos da educação e da cultura, convites e crachás de eventos, cópias de e-mails confirmando reservas de hotel...Tudo isso me deu a noção exata do quanto caminhei, do quanto estou cansada e necessitando mesmo de férias, de priorizar a saúde física.

Desfazendo as pastas e as gavetas, reencontro também a parte de mim que delira. Um desfile de maravilhosas inutilidades afetivas. Canhotos de ingressos de shows e peças teatrais, convites para festas, cartões de restaurantes, letras de música com arranjo para coros, rascunhos de poemas em guardanapos de papel, mapas dos lugares por onde andei, trabalhei, sonhei... Tudo isso me dá a noção exata de que não descuidei de minha alma, de meu coração nem da minha saúde metal. Tudo isso foi e é importante para manter a sanidade, o equilíbrio.

Abrindo empoeiradas caixas e envelopes em pastas e gavetas, reencontrei fotografias, recortes de jornais, livros, poemas, cartas... Em cada um desses objetos, a minha alegria, a alegria das pessoas com quem estive, os amigos e amigas que fiz, as pessoas queridas que reencontrei, os momentos felizes ou tristes que vivi.

Revolvendo pastas e gavetas, não pude deixar de entristecer quando reencontrei objetos e relembrei pessoas que não mais encontrarei nessa dimensão. Não evitei a onda de saudades e fiz uma prece por cada uma delas, embora saiba que essa sensação de vazio permanecerá até quando as feridas na alma cicatrizarem. Sei que jamais as esquecerei.

Desfazendo-me das roupas, sapatos e bolsas, lembrei-me de uma amiga que teve sua cidade, sua casa e sua vida invadida por uma enchente. Disse-me ela: “Eu tão vaidosa, tão cheia de caprichos e cuidados com minha aparência me vi apenas com a roupa do corpo. Mas tive família e amigos para recompor minha vida e vi tantos que estavam sem nada e sem ninguém. Pensei comigo mesma: não tenho o direito de me lamentar, estou viva, tenho meu trabalho, minha família, meus amigos. O que mais uma pessoa pode precisar para ser feliz?”

Então, cada vez que rearrumo meus espaços e separo roupas, calçados, brinquedos, livros penso que muitos precisam daquilo para manter a dignidade e ser feliz e fico feliz em poder ajudar, em poder, de alguma forma, ser útil.

Arrumar armários, gavetas e pastas é também exercício de meditação, de silêncio, de reencontro comigo. Tudo aquilo que passa pelos meus olhos para ser jogado fora ou reorganizado para uso num futuro próximo teve ou tem importância segundo critérios que eu mesma estabeleci. Não dá para guardar tudo e isso talvez seja mais um motivo para a saudade.

Remexer pastas e gavetas me dá um prazer especial pois embora não tenha muito tempo para fazer isso rotineiramente, gosto muito de fazê-lo porque me faz arrumar algumas delas dentro de mim mesma. Assim, relembrei passagens que me deixaram triste, indignada mas também relembrei outras que quase não coube em mim de alegria, de felicidade.

Revolver aspectos da minha vida me faz refletir o quanto viver é maravilhoso justamente por não ser preciso, exato. O inusitado, o inesperado será sempre bem vindo. “Navegar é preciso, viver não e preciso”, lembram?

Arrumar pastas, gavetas e armários tanto me dá um sentido de realidade quanto me faz sonhar com um tempo novinho em folha que vou viver. Então a tristeza pelas perdas, a saudade dos ausentes e as alegrias do caminho se misturam e eu sinto que mais uma vez é tempo de esperança, de viver o que me cabe, de ser muito, muito feliz, sempre!

Arrumar pastas, gavetas e armários me dá a oportunidade de agradecer a todos/as e a cada um/a que esteve e está comigo, o bem que cada um/a na sua inteireza me faz. Obrigada! Namastê!

*"Por isso vale a pena talvez tarde, pela noite, quando o silêncio nos rodeia, escutar o pássaro da alma que mora dentro de nós, no fundo, lá bem no fundo do corpo."

 
Pássaro da Alma: A relação entre a nossa alma e nós mesmos é explicada de forma delicada e poética neste livro. Vale a pena ler!


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Maria Helena Bandeira: Opções Imperfeitas

De Maria Helena Bandeira Opções Imperfeitas

A minha amiga Maria Helena Bandeira, Mhel para os íntimos, desta vez resolveu presentear o seu público leitor com um livro todinho seu e que pode ser pedido diretamente à autora pelo e-mail mhelband@gmail.com pela simples bagatela de dez reais, o preço de um cachorro-quente. Com a vantagem de não engordar e não conter glúten nem substâncias químicas causadoras de câncer. Acrescentar, ao pedido, mais cinco bandas de conto de réis que é para a postagem do Correio, caso você more fora do Rio de Janeiro.

Mhel é uma descendente de irlandesa com o pé e a alma no chão nordestino. Parente de não sei que grau do bróder Maurício Melo, sobrinha-neta do grande poeta Manuel Bandeira, ela já escreveu aqui neste blog, a meu pedido, a Saga de Catende, uns contos deliciosos dos tempos dos senhores de engenho vividos pela sua mãe. 

Segundo a autora, o livro contém “pequenos contos, amostras da minha alma maionésica amante do estranho e do surreal. Tem fantástico , tem FC e tem realismo em pequenas doses - o real é algumas vezes mais fabuloso”.

Portanto, o livro Opções Imperfeitas é a opção perfeita de presente de fim de ano. Muito melhor e mais barato do que presentear DVD de Roberto Carlos ou da Banda Calypso, com a vantagem de poder ir autografado.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Cineas Santos: Terceiro tempo

Capricho do destino: poucas horas antes de o Timão entrar em campo para conquistar o campeonato brasileiro de 2011, um dos mais festejados ídolos corintianos de todos os tempos saiu de cena sem se despedir dos “loucos” que o veneravam. Às 4h e 30 m, do último domingo, dia 4 do corrente, Sócrates Brasileiro Sampaio de Sousa Vieira, aos 57 anos de idade, foi derrotado por um “choque séptico”, decorrente de uma infecção intestinal, segundo boletim médico. Na verdade, há quatro meses, Sócrates vinha perdendo o jogo para uma cirrose que lhe arruinara o fígado. Na sua última entrevista, o “Magrão”, como era conhecido pelos amigos, mais parecia um desses velhos roqueiros tresmalhados que pervagam pelos bares sórdidos do mundo. Segundo um cronista maluco, “Sócrates morreu de viver”. 

Por duas vezes, tive a oportunidade de vê-lo jogar; a última delas em Teresina. Embora não estivesse numa tarde inspirada, fez duas ou três jogadas que valeram o ingresso. Era, como dizem os cronistas esportivos, “um jogador diferenciado”. Alto (1.92), magro,elegante, mais parecia uma garça-real. Corria pouco, mas via o jogo de cima e errava o mínimo. Nos momentos cruciais, lá estava ele, pronto para o arremate. Ao contrário de Aquiles, cujo calcanhar era vulnerável, o do Sócrates era o terror dos zagueiros. 

Estudante de medicina, Sócrates não encarava o futebol como profissão. Jogava no Botafogo de Ribeirão Preto como diletante. Mesmo quando se fez profissional, se lhe cobravam um comportamento compatível com a condição de atleta, retrucava: “Não sou atleta; sou um artista do futebol”. Em 1978, transferiu-se para o Corinthians e, em 79, ajudou o Timão a conquistar o título de campeão paulista. O mais é do conhecimento geral: vitórias, títulos, sucesso. Se em campo, encantava os torcedores com seu futebol refinado, fora dos gramados era uma espécie de ícone da esquerda brasileira. Articulado, politizado, em plena ditadura, engendrou a famosa “democracia corintiana” que, segundo um desafeto, “era apenas um expediente para fugir da concentração”. Fez campanha pelas “Diretas já” e chegou a comprometer-se a não sair do Brasil. caso a emenda pelas eleições diretas fosse aprovada. Desencantado com o destino do país, transferiu-se para a Itália onde não se firmou. Na seleção brasileira, brilhou, sem conquistar títulos. De volta ao Brasil, jogou no Flamengo, no Santos e encerrou a carreira com a camisa do Botafogo de Ribeirão Preto, em 1989.

Fiel à filosofia do carpe diem, nunca se privou dos prazeres mundanos: fumava e bebia como um celerado. Talvez se possa tirar da tragédia do “Doutor” pelo menos uma lição: o talento mal administrado não leva a nada. Fora dos gramados, Sócrates não foi o melhor exemplo para a juventude brasileira. Talvez não tenha ouvido a recomendação dos que faturam com a indústria da morte: “beba com moderação”.





segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Jeane Hanauer entrevista Nando Silva

Do popular ao erudito

"Aí, a gente foi lá no mato e cortou um pé de emburana, porque aquele pessoal mais velho sabe qual madeira tem a temperatura que sustenta a temperatura do couro do bode." Sebastião Biano, 91 anos.

Sebastião Biano foi um dos irmãos criadores da Banda de Pífanos de Caruaru, a banda instrumental que mais resiste à modernidade dos calypsos, axé e oxent e até mesmo o pós-ultra-moderno manguebeat. Sem falar que a banda nasceu quase ao mesmo tempo do eletrizante frevo, este sim, o ritmo sagrado do carnaval pernambucano.

Porém não estou aqui para falar da quase centenária banda, conhecida de Deus e do mundo, mas sim, de um dos seus ex-componentes, Nando Silva, que trocou o calor da caatinga no agreste pernambucano pela aprazível Foz do Iguaçu; substituiu a rusticidade do pife pela erudição da Orquestra Foz Camerata e da Orquestra Municipal de Foz de Iguaçu. 

Reveja parte da entrevista no vídeo abaixo.



Programa Repertório
Entrevistado: músico Nando Silva
Data da entrevista: 11/12/2011
Apresentação: Jeane Hanauer
Produção: TVCOM FOZ (Foz do Iguaçu - PR)
Transmissão: NET canal 98 e TVA canal 99.
Exibição: domingos, 17h. Reprises: terças, 21h30 e quintas, 13h.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Cronópio Godot, o livro de cabeceira de Jeane Hanauer


De Jeane Hanauer Cronópio Godot
Mestre em Letras pela UFRGS, jornalista, professora, blogueira, apresentadora de tevê, colaboradora da Terraqua Produções, a agora vídeo-acauãzeira Jeane Hanauer está com um novo livro de poesias na praça: Cronópio Godot.

"Cronópio Godot", editado pela Secretaria Estadual de Cultura do Paraná, retrata um mundo com duas visões baseadas na peça teatral Esperando Godot, de Samuel Beckett e no livro Histórias de Cronópios e de Famas, do escritor argentino Júlio Cortázar.

Conforme explica a autora, “o livro demarca um território de escolhas e defende que cronópios são pessoas libertas do óbvio cotidiano, pautam suas vidas por outra lógica e enxergam o mundo com outros olhos”. 

Para o escritor Pedro Bandeira, o prefaciador do livro, “Cronópio Godot é oxigênio puro para nossas emoções”. 

Cronópio Godot - Poesias
Jeane Hanauer
Publicação: Secretaria Estadual de Cultura do Paraná
Ano: 2011
Páginas: 128
Peso: 560g

Pode ser adquirido no site estante virtual pela simples bagatela de 25 reais, o preço de um café pequeno.

CAFÉ PEQUENO

Caras azedas
e outras misérias de gente menor
são café pequeno.
meu tempo e excepcionalidade
estão para surrealismos,
vanguardas
e outros cafés bem mais fortes.
Cronópio Godot - Jeane Hanauer

Outros livros da autora:
Lobos nos Telhados - Editora do Autor
Flor e Cimento - Editora Paricah

Abaixo, vídeo da escritora falando do livro.





Sosígenes Costa: Cobra de Duas Cabeça

De Sosígenes Costa Cobra de Duas Cabeças

sábado, 10 de dezembro de 2011

A primeira vez que esperei Noel


Seu irmão mais velho, em visita de filho pródigo aos pais, lhe prometera um velocípede de presente de Natal ao subir no ônibus no dia do ir embora. Nas quebradas do Sertão daqueles tempos não era comum se presentear as pessoas, muito menos os irmãos, em tempo de Natal. A data era comemorada apenas pelas visitas aos presépios enquanto se aguardava a Missa do Galo. Papai Noel era uma palavra desconhecida das crianças.

O garoto não sabia se faltava muito ou se faltava pouco, mas sentia haver uma eternidade entre a promessa e o dia prometido. Sonhava diuturnamente com a chegada do irmão trazendo na bagagem o seu presente.

Um dia acordou sobressaltado mal o galo cantou e correu em busca da folhinha. Então, finalmente, o Natal havia chegado. Passou o dia sentado à beira do caminho esperando ver a figura do irmão se descortinar na distância. A noite chegou, os pirilampos acenderam suas lanternas, e o seu pai o encontrou atento aos vultos passantes. 

- Vamos, filho! Talvez seu irmão tenha perdido o ônibus de Zé do Padre. Não veio hoje, talvez venha amanhã ou depois de amanhã. 

O Natal foi embora e ele continuou a esperar sentado à beira do caminho. Um dia o seu irmão apareceu sem que ninguém esperasse e o garoto sentiu o coração subir à goela. Finalmente realizaria o sonho de possuir um velocípede.

- Você cresceu um bocado, garoto. Não adiantava trazer um velocípede. No Natal vou lhe trazer uma bicicleta. Aguarde.

Os sonhos não se acabam nunca. Apenas se renovam. Uma bicicleta seria o suprassumo de um sonho de uma criança, principalmente em um lugar onde não existia nenhuma. O Infinito seria nada, perto de sua ansiedade sentado à beira do caminho ao longo dos dias à espera de um irmão que tardava em chegar.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Luís Pimentel - Eu prometo

* ... Que em 2012 faço um regime, volto a caminhar, paro de beber, deixo de fumar e, sobretudo, não farei mais promessas!

* ... Que vou trabalhar menos e aproveitar mais a vida: trabalhando, claro, que ainda é a melhor maneira de aproveitá-la.

* ... Que vou continuar torcendo pelo mesmo time, frequentando o mesmo boteco (que fica em Copacabana, claro), convivendo com os mesmos amigos (o meu parceiro Amorim entre eles), vivendo com a mesma mulher. Até porque, estou muito velho para muitas novidades...

* ... Que não olharei para a mulher do próximo, nem mesmo se o próximo estiver muito próximo (Por aí tem tanta mulher "do distante" para se olhar)!

* ... Não trocar de carro, não trocar as pernas, não trocar a noite pelo dia, não fazer troca-troca, não trocar o certo pelo duvidoso. Aliás, antes de trocar, preciso descobrir: qual é o certo, qual é o duvidoso?

* ... Voltar em Feira de Santana, rever Paris, conhecer Lisboa, mergulhar no mar, dançar numa cachoeira, correr numa corredeira e afastar a morte... essa companhia derradeira. Prometo não filosofar nem pensar besteira!

*... Não usar o santo nome em vão. Nem andar na contramão.

* ... Contemplar mais a natureza, começar melhor a semana, enfrentar qualquer dureza, olhar melhor as pernas da Luana, não fazer poesia; a não ser que seja em legítima defesa.

* ... Agradecer a Deus, todos os dias, por me dar um ano que começa tão bom quanto o que passou!


Programa Repertório - Jeane Hanauer - TV Foz do Iguaçu


Queridos amigos:

O Programa Repertório é o único programa de TV de Foz do Iguaçu voltado à arte e à cultura produzida em Foz e região trinacional.

Seja parceiro deste projeto ou envie sugestões e comentários para jeanehanauer@hotmail.com

Os programas podem ser vistos também no youtube - canal Jeane Hanauer.

Todos os domingos nova e deliciosa entrevista.

Nesta edição, entrevistamos o ator, diretor e produtor Juca Rodrigues (04/12/2011).

Para que o programa ganhe visibilidade, gere parcerias e assim possamos melhorar progressivamente a qualidade, necessitamos da ajuda de vocês na difusão. Reenviem esta mensagem aos seus contatos via e-mail e redes sociais.

Agradecemos imensamente esta contribuição e os incentivos que temos recebido.

Um abraço com arte,

Jeane Hanauer

apresentadora do Programa Repertório

Mestre em Letras. Escritora e professora

Palestras na área de literatura e comunicação

http://jeanehanauer.blogspot.com

(45)9956-4077

(45)9129-4077


quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Cineas Santos - Os semeadores de alegria

De Cara alegre do Piauí

Na semana passada, quando juntava a cabroeira do Cara Alegre do Piauí para mais uma jornada no sertão, uma cidadã, bem-nascida, me perguntou: “Professor, desculpe a curiosidade, mas o que o senhor ganha com esse projeto?”. A resposta cabível seria: a alegria de ensinar, aprender, compartilhar, conviver. De repente, me dei conta de que, para quem só se acostumou a ser servido, a resposta não faria o menor sentido. Em tom de pilhéria, respondi: nada, minha jovem, estou apenas gastando o que me resta de alento. A moça sorriu e desconversou. Indagações desse tipo não me surpreendem: já me fizeram perguntas mais diretas. Certa feita, um ex-colega de faculdade disparou: “Quando é que você vai parar de ser besta?”. Respondi de bate-pronto: nunca, meu irmão. Se o fizesse, já não seria eu; seria alguém como você, o que definitivamente não me agrada. Um dia, com sua sabedoria inata, Edson do Ministério de Nossa Senhora sentenciou: “Cada um para o que nasce”. Nunca ouvi nada mais verdadeiro.

Não seria exagero afirmar que a história do Cara Alegre se confunde com a minha trajetória de vida. Quando concebi o projeto, em 1977, eu sonhava alto: queria construir uma ponte cultural entre Teresina e os sertões do Piauí. Arrebanhei alguns amigos jovens - Paulo Machado, Fernando Costa, Margareth Coelho, Rogério Newton e Alcide Filho - e, amontoados num velho fusca verde-sonho, rumamos para Oeiras, Floriano, São Raimundo Nonato. O destino era Corrente, no extremo sul do Piauí. Na metade do caminho, a gasolina acabou. Por pouco, não voltamos a pé. Sem patrocínio e nem apoio das instituições, o projeto não deslanchou. Ainda assim, as sementes foram lançadas e permaneceram vivas. Ao longo desses 36 anos, nunca deixei de regar essa semente com suor e entusiasmo. 

Em 1997, o prof. Fernando Ferraz sugeriu um novo nome para o projeto que, até então, chamava-se Mão Dupla. Fernando propôs A Cara Alegre do Piauí, com o argumento incontestável: “Até hoje, só mostramos a cara triste do Piauí. O que ganhamos com isso? A piedade de alguns e o escárnio de muitos. Chegou a hora de mostrarmos a face luminosa de nossa gente: a cultura piauiense”. Encorpado e revitalizado, o projeto já percorreu o Piauí inteiro, de Teresina a Guaribas, levando oficinas de dança, canto coral, violão, escultura em argila, pintura, teatro, xilogravura e cursos das mais variadas disciplinas. Na verdade, semeamos alegria e entusiasmo nas comunidades visitadas.

No último final de semana, por exemplo, estivemos no município de Fronteiras, a 400 km de Teresina, para mais uma jornada . Seria ótimo se a cidadã que me fez aquela pergunta inteligente pudesse ver o brilho nos olhos das dezenas de alunos e professores que participaram dos cursos e oficinas. Não resisti à tentação de publicar, neste espaço, a foto da Ângela Kelly, de 11 anos de idade, que, embora nunca tivesse ouvido falar de xilogravura, com duas horas de oficina, fez uma xilo de matar de inveja muita gente metida a artista. Por essas e outras, vamos continuar semeando: alguma semente há de vingar. Assim seja.


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Luiz Ruffato - Domingos sem Deus

Se você é católico, aproveite para saber o que o Diabo anda aprontando...
Se for evangélico, cuidado que o Capeta anda solto;
Se for ateu, então todos os seus dias são sem Deus.
Não precisa levar água benta porque o lançamento será numa sexta-feira, a próxima, e o bispo do Rio de Janeiro estará presente. 


De Domingos sem Deus

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Cunha de Leiradella - Síndrome da dúvida compressiva


O casal caminhava, devagar, pela calçada. A mulher, de calça jeans desbotada e blusa xadrez solta na cintura e uma bolsa de pano a tiracolo, e o homem, de paletó esporte e óculos de aros grossos e um livro debaixo do braço. Escurecia e o trânsito estava lento, e eles caminhavam em silêncio. De repente, a mulher parou e ajeitou a alça da bolsa no ombro.
- Pô. Já tava até aqui daquele táxi.
O homem não respondeu. Um carro saiu da fila e fez a volta, e subiu a outra pista na contramão. A mulher olhou os carros quase parados e cuspiu com força na calçada.
- Se tem merda que me torra é andar de carro deste jeito. Carro foi feito pra correr. Foi feito pra andar assim, não, merda.
Abanou a cabeça com força e começou andando.
- Salvador tá que tá um sufoco mesmo, puta que pariu.
O homem apontou a bolsa balançando e batendo nas pernas da mulher.
- Quer que leve?
- Precisa, não. Tou é puta mesmo.
Continuaram andando. Na porta de um bar, rapazes e moças, os capacetes pendurados nos guidões das motos, conversavam e riam alto. A mulher acenou para um deles e voltou-se para o homem.
- É Zeca.
O homem não respondeu e a mulher parou e olhou-o.
- Zeca, pô. Namorado de Aninha.
O homem acendeu um cigarro e continuou andando. Puxou uma tragada profunda e apontou os carros, quase parados.
- Parece até no Rio.
A mulher não respondeu. Acendeu um cigarro e começou andando.
- Vamos sábado em Maré?
O homem não respondeu e a mulher olhou-o durante algum tempo e puxou uma tragada profunda.
- Quer ir, não?
O homem continuou calado e a mulher parou e tirou a areia dos chinelos, e ajeitou a alça da bolsa no ombro. O homem ajeitou o livro debaixo do braço e a mulher passou-lhe um braço em volta da cintura.
- Você vai gostar de Maré, você vai ver.
Voltou-se e apontou o mar.
- Tá vendo lá, depois do farol? Maré é lá.
O homem não respondeu. Puxou uma tragada profunda e jogou o cigarro no chão. A mulher apertou o braço na cintura do homem e encostou o corpo no dele.
- Maré é a ilha mais porreta que tem Salvador. Você vai gostar, você vai ver.
- A gente não ia pra Arembepe?
A mulher olhou o homem e sorriu.
- Agora, sei, não.
Riu e apertou mais o braço em volta da cintura do homem.
- Olhe, nem lhe conto. Tem um amigo meu, Paulinho, Paulinho tem casa em Maré. Você conhece Paulinho, não, ele agora tá em São Paulo, mas Paulinho é porreta, amigão mesmo. De verdade. Só pra você ver, quando Aninha começou com Zeca, Zeca, aquele que tava ali no Quintela, sabe onde eles foram se entocar? Em Maré, em casa de Paulinho. Aninha falou comigo, eu falei com Paulinho, Paulinho pegou, me deu a chave, e nem perguntou. Paulinho é porreta. Cabeça feita mesmo.
Fez uma pausa e jogou o cigarro no chão.
- Vamos sábado? Hem? A chave tá comigo.
O homem encolheu os ombros e a mulher olhou-o.
- Quer ir, não?
O homem não respondeu e a mulher afastou-se e colocou-se na frente dele.
- Fale, pô.
O homem tirou os óculos e limpou-os, e voltou a colocá-los.
- Você não tá querendo ir?
A mulher sorriu.
- Só por causa de Fiinha. Jorginho tá querendo...
Calou-se e pegou a mão do homem, e apertou-a com força.
- Vai ser legal paca, você vai ver.
O homem não respondeu e começaram andando. A mulher olhando o mar, do outro lado da mureta, e o homem olhando os carros, buzinando.
- Puta que pariu. Parece até no Rio.
A mulher parou e voltou-se para o homem.
- Falar no Rio, quê você que resolveu lá na agência, hem?
- Nada. Já não disse a você?
- Naquela hora eu tava era puta.
O homem não respondeu. Ajeitou o livro debaixo do braço e começou andando. A mulher puxou-o pela mão.
- Mas vai resolver. Vai, não?
- Vamos ver.
Calaram-se e começaram andando. A mulher largou a mão do homem e ajeitou a alça da bolsa no ombro.
- Tereza falou, lembra de Tereza?
O homem acenou com a cabeça e a mulher sorriu e voltou a pegar a mão dele.
- Tereza diz que apresenta você a um monte de gente, se você quiser. E Dito, lembra de Dito?
O homem voltou a acenar com a cabeça e a mulher continuou.
- Dito também falou. E olhe que Dito conhece todo mundo que trabalha em propaganda, viu?
Fez uma pausa e olhou o homem.
- Quer que eu fale com Tereza e com Dito? Hem?
O homem soltou a mão e acendeu um cigarro.
- Amanhã a gente vê.
Calaram-se. Estavam a meio do caminho, entre o Farol da Barra e o Barravento, e o homem parou e debruçou-se na mureta, olhando o mar. A mulher aproximou-se e passou um braço nas costas dele.
- Quê que tá olhando?
O homem não respondeu e a mulher debruçou-se também. Batida pela luz dos postes da calçada, a água rebrilhava. A mulher encostou-se no homem e apontou as ondas, marolando, devagar, até à praia.
- O mar também é porreta. Mas eu gosto, mesmo, é da lua.
Endireitou o corpo e apontou a lua, quase na linha do horizonte.
- Parece que tou até olhando pra mim. Quando tou na fossa, então...
Calou-se e olhou o homem.
- Gosta de olhar a lua, não?
O homem não respondeu e começaram andando. A mulher acendeu um cigarro e ajeitou a alça da bolsa no ombro.
- Por quê que você falou aquilo, ontem, lá no Juvená, hem?
- Aquilo, o quê?
- Aquele negócio de querer ficar em Salvador.
O homem não respondeu e a mulher puxou uma tragada profunda e soprou o fumo com força.
- Era verdade mesmo? Hem?
O homem puxou uma tragada e jogou o cigarro no chão. A mulher ajeitou a alça da bolsa no ombro e olhou-o durante alguns instantes.
- Só que, do jeito que você falou, sei, não. Parece até que você tá muito mais a fim de se picar do Rio, do que ficar em Salvador.
Fez uma pausa e olhou o homem.
- Era isso, não?
O homem não respondeu e a mulher pegou a mão dele e apertou-a.
- Era isso, não?
O homem continuou sem responder e a mulher parou e olhou-o.
- Se arrumar tudo lá na agência, você fica em Salvador?
O homem continuou calado, os olhos vagando no horizonte, por cima da mureta. A mulher olhou-o durante algum tempo e, de repente, puxou a mão dele com força.
- Fale, pô. Parece até que tá com medo, merda.
O homem tirou a mão e começou andando. A mulher ficou parada, olhando as costas dele, mas o homem não se voltou. A mulher xingou um palavrão e correu. Na frente deles, o letreiro do Barravento piscava, iluminando a areia da praia. De mãos dadas, um casal andava, devagar, junto da água. O homem acendeu um cigarro. A mulher puxou uma tragada profunda e jogou o cigarro por cima da mureta.
- Merda. Amanhã tou com prova.
- Vai dormir em casa?
- Precisa preocupar, não. De inglês eu entendo.
Calaram-se. Uma moto passou, a moça colada nas costas do rapaz e os cabelos esvoaçando. O rapaz gritou e acenou para a mulher.
- Oi.
A mulher sorriu e agitou os braços.
- Oi.
O homem olhou a moto ziguezagueando por entre os carros e a mulher riu.
- É Zeca. Namorado de Aninha. Aquele que tava no Quintela, lembra, não?
O homem não respondeu e a mulher riu outra vez.
- Zeca é fora de série. Mal Aninha vira costas, ó. Zeca é porreta. Cabeça feita mesmo.
O homem parou e olhou a esplanada do Barravento. A mulher continuou andando e parou junto de uma mesa vaga.
- Vai de caipirosca, não? Tou sequinha, sequinha.
O homem não respondeu, mas aproximou-se da mesa. Sentaram. A mulher pendurou a bolsa nas costas de uma cadeira e tirou a areia dos chinelos. O homem colocou o livro em cima da mesa e puxou uma tragada. Apesar da hora, a maior parte das mesas estava lotada. A mulher passou as mãos no rosto e abanou a cabeça com força.
- Pô. Salvador tá que tá uma merda mesmo.
O homem não respondeu e chamou um garçom.
- Duas caipiroscas.
O garçom anotou o pedido e afastou-se. A mulher olhou as mesas à volta.
- Tá uma merda mesmo.
O homem não respondeu e a mulher acendeu um cigarro e puxou algumas tragadas. O garçom trouxe as bebidas e ambos beberam, em silêncio. O ar cheirava a maresia e o vento trazia gotas de espuma até à mesa. O homem olhou a mulher. A mulher olhava o mar. O homem puxou uma tragada profunda e olhou a rua, os carros ainda andando devagar. A mulher pegou o copo e bebeu dois goles. Colocou o copo em cima da mesa e ficou olhando para o homem.
- E se você não arrumar nada lá na agência, hem?
O homem não respondeu e a mulher debruçou-se na mesa e pegou a mão dele.
- Vai procurar outra. Vai, não?
O homem continuou sem responder e a mulher tirou a mão e puxou uma tragada profunda, e jogou o cigarro no chão.
- Hem?
O homem continuou calado e olhou a esplanada. A mulher olhou a rua. Ficou assim algum tempo e, de repente, cobriu o rosto com as mãos. O homem pegou o copo e bebeu um gole. A mulher tirou as mãos do rosto e espalmou-as em cima da mesa.
- Tá uma merda mesmo.
O homem bebeu outro gole e olhou a mulher. A mulher abanou a cabeça com força.
- Tou gostando daqui, não.
Olhou o homem fixamente, durante alguns instantes, e passou as mãos no rosto.
- Parece que a gente tá presa, merda.
Voltou a passar as mãos no rosto e abanou a cabeça com força.
- Suporto sufoco, não, pô.
O homem colocou o copo em cima da mesa e olhou a mulher.
- Quer ir?
- Ir pra onde, merda? Pro hotel?