sábado, 2 de maio de 2009

PAI, AFASTA DE MIM ESSE CÁLICE




Amaram a terra como se tivessem nela seus antepassados descansando em jazigos seculares. Quiseram seu povo como Moisés a caminhar para a Terra Prometida. Plantaram quimera como poetas semeando sonhos na seara das ilusões.

No início pisaram em território minado pela desconfiança de um povo xenófobo, porém de natureza pacífica. Aos poucos, angariaram simpatia e conquistaram a confiança da maioria, chegando ao topo da pirâmide política local: prefeito e primeira-dama. Entretanto quis o Destino presentear-lhes o Cavalo de Tróia, reviver o calvário, onde foram traídos por uns e negados por outros, todos uns Judas que sentaram à sua mesa para beber do seu vinho, comer do seu pão e ainda prometer fidelidade para depois cometerem leviandades. A História se repetindo, como a encenar tragédias gregas.

“O mal é o que sai da boca do homem porque procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias”, disse Matheus, o santo evangelista. O meu pai, na elegância sutil dos homens honrados, dizia ser a “língua” o maior inimigo do homem. Aquilo que se leva anos construindo, pode ruir com certas palavras maldosas ou colocadas com segundas intenções. Mas o que não é o que parece ser é um caminho de mão dupla e o tiro pode sair pela culatra. O maldoso pode ser o receptor da antiga questão filosófica “caveira, quem te matou?”, cuja resposta, para quem não sabe, é “foi a língua, meu senhor”. E foi o que aconteceu. Deles se disse tantas coisas de ruim, tantas quanto pôde a língua ferina destilar aleivosias, mas daquilo que foi dito, nada se provou de verdade. Entretanto, o dito não ficou pelo não dito por que pesou a ferida da desonra mais que a reparação moral. Felizmente a mentira tem pernas curtas e os seus detratores se viram envolvidos num lamaçal largo e profundo, com provas cabais de suas falcatruas morais e materiais à vista de qualquer cidadão não contaminado pela tiflose partidária. Eram uns cínicos e se diziam os salvadores da pátria, uns espertalhões em busca de tirar proveito de um povo atarantado pela surpresa das suas maldades. Mentiram tanto, e tanto, que chegaram a acreditar ser verdade a acidez de suas cismas e sequer tiveram a comiseração dos ditos cristãos em procissão de penitência.

Dela, recebi o desabafo de quem não consegue esquecer a impiedade humana:

“Me coloco sentada na praça de Sátiro Dias imaginando tudo que você conta....... Estou sentindo até o cheiro de feira da Segunda.......”

São palavras ditas com a alma de quem realmente sente a ausência de algo de valor espiritual, o amor pela terra, pelo povo, como qualquer vivente que deixa sua pátria para viver em exílio. Em vez de mágoas ou ressentimentos, saudades ternas e intensas ao ponto de sentir o cheiro da terra. Como terá palpitado o coração ao subir a Ladeira Grande em marcha lenta e dar o último adeus a um Junco partido pelas desavenças, futricas e ódio de irmão para irmão, como se Caim tivesse marcado seu território naquela cidade dita de cristãos? Por mais que imaginemos esse momento, é difícil se pintar o real quadro de dor na tela mnemônica de quem sonhou um mundo colorido e acordou num pesadelo em preto e branco.


Constrangido, peço desculpas a Tessa Sagot pela minha ausência e impotência em fazer com que todos se calassem ou bebessem do seu próprio veneno.







quinta-feira, 30 de abril de 2009

DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO

Imagens: escolaprof.files.wordpress.com/2008/04/1-maio...


Há dias que a gente acorda assim, com uma estranha vontade de trabalhar, mas depois que se levanta, escova os dentes e prepara a marmita do meio-dia, as tele-notícias matutinas informam que é o Dia do Trabalho e, portanto, ninguém deve trabalhar.

Pernas pro ar que ninguém é de ferro.


Chicago, sempre Chicago, e suas manifestações históricas dando exemplo de luta proletária ao mundo. No entanto a propaganda comunista dizia que isso era coisa do marxismo-leninista militante e praticante, e que Chicago era apenas um viés na história. As mulheres proletárias chicaguenses nos legaram o dia internacional da mulher no dia oito de março; a massa proletária de Chicago nos proporcionou um feriado a mais no calendário. Falta agora se celebrar “O Dia do Mafioso”, vez que a máfia italiana não teria progredido se não houvesse Chicago. E os políticos. Quando o então deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva disse que havia trezentos picaretas no Congresso Nacional, ele quis dizer exatamente “trezentos mafiosos”. Não que os outros que ficaram de fora fossem bonzinhos, corretos, honestos. É que o deputado Lula não sabia que havia mais duzentos e dois deputados gastando os créditos aéreos com a família e amantes.


As mulheres tecelãs de Chicago foram queimadas vivas porque se sentiam injustiçadas por trabalharem dezesseis horas diárias, cuidar da casa, da cozinha, dos filhos, do marido, do amante e ganharem menos que os homens. Por sua vez, os homens proletários de Chicago se uniram em manifestação gigantesca de protesto e reivindicações no dia primeiro de maio de 1886 e foram reprimidos violentamente pela polícia americana, a mais treinada em matar trabalhadores naquela época, cuja ferocidade serviu de exemplo à polícia brasileira na atualidade. Nos dias de greve que se seguiram, os ânimos se acirraram e o confronto resultou em sete policiais e doze trabalhadores mortos, segundo as informações oficiais da época.


A “Segunda Internacional Comunista”, reunida em Paris três anos depois desse movimento operário, deliberou, votou e aprovou o dia primeiro de maio como o dia internacional do trabalhador, em homenagem à primeira grande manifestação sindical da história. Nesse dia os trabalhadores do mundo todo, pelegos ou não, deveriam se reunir em manifestações reivindicatórias, principalmente pelas oito horas de trabalho. Devo ressaltar que a jornada normal era de treze horas diárias e que o vale-transporte e a licença-maternidade são bandeiras de agora.


É um equívoco se pensar que a Lei Áurea tivera influência da manifestação de Chicago. Essa “abolição” negra só aconteceu porque os fazendeiros estavam quebrados e não tinham como sustentar os escravos e as amantes simultaneamente. Mas isso já é outra história para ser contada no dia 13 por quem estiver interessado.


Não pensem os senhores ou as senhoras que o primeiro de maio é vermelho nas folhinhas do mundo todo ou que o proletariado internacional se reúne unicamente nesse dia. Há países que nem sabem que esse dia existe; outros, sabem, mas ignoram. No Brasil, apesar de se comemorar desde 1895, somente em 1925 é que se tornou oficial pelo decreto presidencial de Artur Bernardes. O feriado veio com o trabalhismo de Getúlio Vargas, que transformou os protestos em festas articuladas, bem acolhidas pela Força Sindical paulista, braço direito do PTB.


Na Bahia de ACM era proibido se falar em dia de trabalhador. Ele alegava ironicamente que o baiano passava o ano todo sem fazer nada e justamente no dia do trabalho ele queria descansar. Talvez tivesse razão, mas estava vermelho na folhinha, então era feriado nacional, com direito a praia e ao caldo de lambreta no Mercado Modelo. O principal lema do baiano é: não faça hoje o que pode ser feito amanhã. Isso é sagrado. À época também havia outro argumento sindical em forma panfletária cuja autoria se credita a Dorival Caymmi: “Se tiver vontade de trabalhar, se deite na rede e espere a vontade passar”. Mas ACM queria quebrar essa regra, unilateralmente, e para isso mandava seus cães e cassetetes reprimir as manifestações à base de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Seria mais fácil e menos dolorido se ele mandasse apenas desligar os geradores dos trios elétricos.


Nessa época eu era ativista sindical e em um desses primeiro de maio estava acompanhado do japonês Hiroito, engenheiro estagiário no Pólo Petroquímico de Camaçari que queria conhecer o poder de mobilização dos sindicatos baianos. Depois do entra-em-beco-sai-em-beco correndo dos cães policiais, ele falou ofegante, mais pela fumaça na garganta do que pela carreira:


– Xicago!

– Não, japa! Chicago não. Aqui é Salvador, capital da Bahia, esqueceu?

– Xei qué Xalvador. Querro dixer que xicago. Agorra non! Agorra xicaguei!






segunda-feira, 27 de abril de 2009

CADA DOIDO COM SUA MANIA

O primeiro doido que conheci respondia pela alcunha de Doido Ursino, mas nunca o vi rasgando dinheiro. Pelo contrário, quando caía em suas mãos uns tostões vadios, o mesmo corria para a venda de Josias Cardoso e gastava com doces e pães. Também não jogava pedra nos outros nem ameaçava as criancinhas. Para não dizer que não tinha um comportamento atípico, gostava de soliloquiar. Mas quem, na amplidão daquela solidão, não tinha o hábito de falar sozinho?
Ao contrário dele, Zé Doidinho falava pelos cotovelos quando havia alguém disposto a escutá-lo. Apesar do apelido sugestivo, tinham-no como um sujeito normal. A diferença estava no fato de ser o Doido Ursino um cidadão sem eira nem beira, enquanto Zé Doidinho era herdeiro de algumas dezenas de cabeça de gado.
Neste entretanto Lindemberg de Enoque era um sujeito normal. Trabalhava para o Governo em Alagoinhas e quando tinha folga voltava para o arraial do Junco ao encontro dos pais e amigos da birita e da sinuca. E foi numa noite comum de folga, depois de desarrumar a mala, que ele surtou. Quebrou os móveis da casa e saiu correndo pela rua a jogar pedras nas pessoas. Deu muito trabalho para entrar no Jipe da Prefeitura e seguir viagem para uma clínica especializada em Alagoinhas.
Esses doidos da minha infância em nada se comparam aos doidos cibernéticos que conheço, que surtam de repente e aprontam mil loucuras sob o olhar complacente do monitor. Há os ladrões de identidade, os copiadores de textos, os que encarnam personagens de revistas em quadrinho e aqueles que pensam ser Manuel Bandeira ou Camões. É muita doideira virtual, principalmente nesses sites e grupos de Literatura.
Sexta-feira passada recebi uma mensagem de alguém que se dizia filho de uma dessas amigas virtuais anunciando a sua morte. Sem entrar em detalhes, dizia que a mãe havia se suicidado na noite anterior, que não haveria velório nem enterro. O corpo seria doado para uma faculdade de medicina. A mãe pedira apenas reza. Como bom cristão que sou, procurei uma igreja e mandei rezar missa na intenção de sua alma. A morte, por si só, é algo que nos deixa transtornado. Imagine receber a notícia do suicídio de uma amiga, apesar de virtual, logo cedo da manhã! Mesmo inocente, não há como se evitar certo sentimento de culpa pelo acontecido, principalmente quando se tem consciência de que o ato do suicídio está em envoltório de fatores externos e que falhamos como amigo.
Após dois dias de sofrido pesar, recebi a notícia de que tudo não passara de um surto psicótico da suicida. Ela mesma escrevera a mensagem para ver a reação dos amigos no seu post mortem. Estava vivinha da silva, gozando de plena saude e rindo do desespero das pessoas. Sendo escritora, confundiu-se com os personagens de suas estórias, achando que poderia morrer e ressuscitar quando bem quisesse, sem pensar nas consequências dessa loucura.
Achou magnífico ressurgir das cinzas como se de fato fosse o pássaro mitológico, sem levar em conta aquela estória do menino mentiroso, que no dia que estava se afogando de verdade ninguém o salvou pensando tratar-se de mais uma de suas mentiras. Assim, quando chegar a hora final da nossa Fênix, quem haverá de acreditar e chorar o acontecido? Se bem que, para mim, ela morreu mesmo na quinta-feira, 23.