segunda-feira, 27 de julho de 2009

O Jogo do Contente



Por Mislene Lopes



“És precária e veloz, Felicidade. Custa a vir, e quando vens, não te demoras. Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo, e para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade és coisa estranha e dolorosa:

Fizeste para sempre a vida ficar triste.

Porque um dia se vê que as horas todas passam e um tempo despovoado e profundo persiste

(Cecília Meireles)


Entre os poucos livros que li na minha infância e adolescência posso dizer que “Pollyanna” foi uns dos meus preferidos. Trata-se da história de uma menina de onze anos, filha de um missionário pobre que, após ficar órfã, vai morar em outra cidade com uma tia rica e severa. Pollyanna ensina às pessoas na nova comunidade o jogo do contente, que havia aprendido com seu pai no dia em que esperava ganhar uma boneca e recebeu um par de muletinhas. Seu pai lhe explicou que não existia nada que não pudesse ter dentro qualquer coisa capaz de nos fazer contentes, e ela então ficou contente por não precisar das muletinhas. E depois desse dia criou o jogo de procurar em tudo que há ou acontece, alguma coisa que a faça contente, e o ensina sempre que encontra alguém triste, aborrecido ou mal-humorado.

Estar contente, estar feliz, é sentimentos que vão e vem sem pedir licença. Durante o tempo que vivi na pequena cidade de Sátiro Dias, passava os dias fazendo o jogo do contente, assim teria motivos para sorrir. Mergulhava a cara nos livros. A leitura não era um hobby e sim uma necessidade, eu precisava ocupar minha mente, dar um novo sentido para minha vida. Em poucos dias eu lia um livro e graças a Deus na cidade existia uma biblioteca publica, cujo nome homenageava um dos grandes escritores da terra: Antonio Torres.

Queria ter tempo para sentir tristezas. Durante o dia eu estudava e à noite eu lia à luz de candeeiro, forçando meus olhos, o que resultou num problema de visão. Os sons das cigarras faziam a trilha sonora. Meu lado imaginário me fazia esquecer a solidão. No período de seca e dificuldades, os livros eram meus companheiros de cabeceira. Meu pai não gostava muito, achava que eu lia livros de sacanagem ou que me colocaria em perdição. Por varias vezes me proibiu de ler, ameaçou destruir qualquer livro que eu levasse para casa. Acreditava que quanto mais eu me aprofundasse nas leituras, maiores seriam as chances de me tornar uma “mundana”. Porém eu lia escondido. Os livros eram meus melhores amigos em momentos de solidão e tristeza. Neles, dava asas à imaginação, viajava, conhecia outros mundos.

Solucei quando li “Meu pé de laranja-lima” uma obra juvenil de José Mauro de Vasconcelos. A pobreza, a solidão e o desajuste social visto pelos olhos ingênuos de uma criança de 6 anos. Nascido em uma família pobre, Zezé era um menino especial, que envolve o leitor ao revelar seus sonhos e desejos, por meio de conversas com o seu pé de laranja-lima, encontrando na fantasia a alegria de viver. Nenhum outro livro me fez chorar tanto. Ele me marcou com sua história comovente e emocionante, como a retratar a minha infância.

A cada três dias eu ia à Biblioteca Antonio Torres pegar um novo livro. As funcionarias se admiravam por eu ler um livro em tão pouco tempo, recorde para os padrões de leitura da terra. O ultimo livro que li da pequena biblioteca do Junco foi “Dança com lobos”, de Michael Blake. Meu pai já não morava mais conosco, tinha viajado para São Paulo em busca de trabalho. Quando isso aconteceu pude ler com mais calma, sem pressa, degustando as páginas dos livros.

Pela manhã eu acordava com meu pequeno nariz cheio de pó preto. Certo dia minha mãe me perguntou: “O que é isso em seu nariz? Está preto de tanto inalar fumaça de candeeiro. Você e seus livros! Pelo menos enquanto ler não pensa em namorar tão cedo”.

Namorar?! Quem iria querer namorar uma caipira como eu?

Eu era a leitora mais fiel, a mais freqüentadora da Biblioteca Antonio Torres. Busquei nos livros refúgio de anos difíceis. Venci minha timidez, pena que não dei continuidade depois que vim morar em São Paulo.

Em um dos livros que li na Biblioteca, não recordo o nome, mas na contra-capa dizia assim: “Felicidade é utopia, ela existe, não como prêmio, mas como conquista, não é uma estação aonde chegamos, é uma maneira de se viajar”. Pesquisei no Google e não obtive grande sucesso. Parece ser uma intertextualidade de Alzira Lopes e Roque Schneider. Nessas mesmas pesquisas no mundo virtual li uma citação de Cesar Romão que dizia o seguinte: “Felicidade não é algo que se conquista: é algo que acontece em nossa vida como prêmio pela maneira que vivemos”. Não é da maneira que vivemos que conquistamos a felicidade? Felicidade está longe de ser um prêmio, mas uma conseqüência, da mesma forma que o sofrimento jamais é um castigo e sim um resultado.

Voltaire disse que “A felicidade é a única coisa que podemos dar sem possuir”. Charles Chaplin disse que “Nosso cérebro é o melhor brinquedo já criado: nele se encontra todos os segredos inclusive o da felicidade”.

Cada ser humano com seu ponto de vista resume o que pensa e o que acha a respeito da vida. Cada um é feliz ao seu modo, à sua maneira. Eu acredito que a felicidade é algo que se busca dentro de si. Às vezes ela vem como um orgasmo: intenso, porém curto, gostoso, porém passageiro.

Até hoje nunca encontrei nenhum livro que ensine alguém a ser feliz. Que fale sobre felicidade, sim. Para ser feliz só depende de nós mesmos, mas se para alguns ainda é difícil sentir tamanho sentimento, recomendo “o jogo do contente”. Pode dar certo.