sábado, 17 de dezembro de 2011

Um dia de sofrimento em noite de alegria


De Algo além de um momento

Cheguei de uma longa jornada de trabalho no Polo Petroquímico de Camaçari, a quarenta quilômetros de Salvador. A noite já passava da metade e, se galos houvesse, estariam tecendo a manhã. Tomei um banho e me joguei debaixo do lençol, extenuado. Mal preguei os olhos, o telefone tocou. Levantei-me num sobressalto porque telefone não toca em plena madrugada para trazer alvíssaras.

– Alô!
– Tonico, é Elza, mãe da Sonia, você tem como entrar em contato com seu irmão?  – Elza era a sogra do meu irmão mais velho, falando do Rio de Janeiro direto para Salvador, às três horas da manhã, e coisa boa não haveria de ser.
– Tenho, sim.
– Então avise a ele que o seu primo Humberto Vieira acaba de morrer, aí mesmo em Salvador.

Humberto Vieira, o Boêmio, finalmente desligara-se do sofrimento. Nos últimos tempos definhava lentamente, fruto de uma cirrose hepática. Além de primo, era muito amigo do meu irmão. A primeira vez que fui ao Rio de Janeiro praticamente morei na sua casa. Trabalhava na Rede Globo de Televisão, bebia feito um condenado e fumava um cigarro atrás do outro, talvez temendo a extinção do fumo. À noite, quando chegava sóbrio, pegava o violão, um Di Giorgio, e atacava de Noel, Lupicínio, Ismael Silva, Ary Barroso e outros tantos do nosso cancioneiro popular. Foi com ele que conheci e aprendi a gostar de Maysa, Elizeth Cardoso, e todos esses que falei acima, pois, não era comum se ouvir esse pessoal cantando nas rádio emissoras de Alagoinhas, cidade onde fui criado.

Oito anos depois Humberto retornou a Salvador para curtir seus últimos dias de vida, pois a cirrose se encontrava em estágio avançado. Dia sim, dia não, eu passava na sua casa, na Rua Direita da Piedade, para uma visita. Invariavelmente o encontrava com um copo de whisky na mão. Um dia indaguei se ele queria acelerar a morte e ele, com o olhar perdido no fundo do copo, me respondeu:

– Pra que alongar a agonia. Já que vou morrer mesmo, que morra como sempre gostei de viver: bebendo.

Isso aconteceu dois dias antes de receber o telefonema de D. Elza.

Vida que segue. Hoje, pela manhã, abri um e-mail do meu irmão e nele havia uma fotografia anexada. Senti que naquela imagem havia algo além de uma fotografia pendurada na tela do monitor. Perguntei a ele a história da foto, e eis que um simples instantâneo deixou registrado um momento de júbilo e ao mesmo tempo de tristeza. Abaixo, a resposta do meu irmão:

“Agenor, o mineiro que representava a Ática na Bahia, Juraci Costa, meu ex-colega no JBa., Raimundo nosso tio mais ao fundo, eu, um pouco à frente dele, João  Ubaldo, e Ariovaldo Matos, em colóquio com ele. Ao fundo da galeria ficava uma livraria, onde eu estava autografando o "Carta ao Bispo". Você não apareceu porque trabalhava à noite. E na noite anterior me telefonou para dizer que "o seu grande amigo Humberto se foi". Aí perdi o sono. De manhã, Décio foi me buscar no hotel para a gente ir a Alagoinhas, onde a velha Durvá nos esperava para o almoço e, logo depois, seguiríamos todos para uma faculdade ali na Praça Rui Barbosa - precursora da Uneb - para a minha primeira palestra na cidade. Tentei fazer o mano Décio cancelar tudo, para que eu fosse ao enterro do Humberto. Mas ele disse que não dava, porque ia ser uma desfeita muito grande para mamãe e para Tudinha, que havia organizado tudo na faculdade. Veja que longa história esta foto conta.”

Pois é: uma alegre e triste história de momentos paralelos que fizeram os amigos estarem na mesma cidade sem que pudessem se encontrar para o último adeus.


   

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Edna Lopes - Rearrumando a vida

o mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda!
Repito por pura alegria de viver:
a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não
vale a pena!!
(Clarice Lispector - Una propuesta de Vida Creativa)

Ontem foi o dia de escutar meu Pássaro da Alma* pois cada vez que se aproxima um final de ano, o cansaço, uma ponta de impaciência se instá-la diante da montoeira de papeis e livros que utilizo em meu trabalho e sinto que preciso de um tempo para arrumar meus armários e gavetas sob pena de não mais conseguir me achar em meio a pilhas de pastas, livros, jornais e revistas.

Uma aventura remexer meu baú de espantos, pois espanto-me sim quando me dou conta do por que guardei e guardo tanta coisa que não tem utilidade imediata nem pra mim nem pra ninguém. Será apenas o hábito de relembrar, de manter um pouco mais a sensação, o prazer e alegria que tal objeto seja lá de que tipo for, me causou? Dr.Freud me socorra!

Remexendo pastas e gavetas vi minha vida, a parte de mim que pesa e pondera, durante todo este ano. Cartões de embarque, prestações de conta das viagens, pautas de reuniões, cópias de relatórios, cópias e mais cópias de leis, de textos sobre os mais diversos assuntos da educação e da cultura, convites e crachás de eventos, cópias de e-mails confirmando reservas de hotel...Tudo isso me deu a noção exata do quanto caminhei, do quanto estou cansada e necessitando mesmo de férias, de priorizar a saúde física.

Desfazendo as pastas e as gavetas, reencontro também a parte de mim que delira. Um desfile de maravilhosas inutilidades afetivas. Canhotos de ingressos de shows e peças teatrais, convites para festas, cartões de restaurantes, letras de música com arranjo para coros, rascunhos de poemas em guardanapos de papel, mapas dos lugares por onde andei, trabalhei, sonhei... Tudo isso me dá a noção exata de que não descuidei de minha alma, de meu coração nem da minha saúde metal. Tudo isso foi e é importante para manter a sanidade, o equilíbrio.

Abrindo empoeiradas caixas e envelopes em pastas e gavetas, reencontrei fotografias, recortes de jornais, livros, poemas, cartas... Em cada um desses objetos, a minha alegria, a alegria das pessoas com quem estive, os amigos e amigas que fiz, as pessoas queridas que reencontrei, os momentos felizes ou tristes que vivi.

Revolvendo pastas e gavetas, não pude deixar de entristecer quando reencontrei objetos e relembrei pessoas que não mais encontrarei nessa dimensão. Não evitei a onda de saudades e fiz uma prece por cada uma delas, embora saiba que essa sensação de vazio permanecerá até quando as feridas na alma cicatrizarem. Sei que jamais as esquecerei.

Desfazendo-me das roupas, sapatos e bolsas, lembrei-me de uma amiga que teve sua cidade, sua casa e sua vida invadida por uma enchente. Disse-me ela: “Eu tão vaidosa, tão cheia de caprichos e cuidados com minha aparência me vi apenas com a roupa do corpo. Mas tive família e amigos para recompor minha vida e vi tantos que estavam sem nada e sem ninguém. Pensei comigo mesma: não tenho o direito de me lamentar, estou viva, tenho meu trabalho, minha família, meus amigos. O que mais uma pessoa pode precisar para ser feliz?”

Então, cada vez que rearrumo meus espaços e separo roupas, calçados, brinquedos, livros penso que muitos precisam daquilo para manter a dignidade e ser feliz e fico feliz em poder ajudar, em poder, de alguma forma, ser útil.

Arrumar armários, gavetas e pastas é também exercício de meditação, de silêncio, de reencontro comigo. Tudo aquilo que passa pelos meus olhos para ser jogado fora ou reorganizado para uso num futuro próximo teve ou tem importância segundo critérios que eu mesma estabeleci. Não dá para guardar tudo e isso talvez seja mais um motivo para a saudade.

Remexer pastas e gavetas me dá um prazer especial pois embora não tenha muito tempo para fazer isso rotineiramente, gosto muito de fazê-lo porque me faz arrumar algumas delas dentro de mim mesma. Assim, relembrei passagens que me deixaram triste, indignada mas também relembrei outras que quase não coube em mim de alegria, de felicidade.

Revolver aspectos da minha vida me faz refletir o quanto viver é maravilhoso justamente por não ser preciso, exato. O inusitado, o inesperado será sempre bem vindo. “Navegar é preciso, viver não e preciso”, lembram?

Arrumar pastas, gavetas e armários tanto me dá um sentido de realidade quanto me faz sonhar com um tempo novinho em folha que vou viver. Então a tristeza pelas perdas, a saudade dos ausentes e as alegrias do caminho se misturam e eu sinto que mais uma vez é tempo de esperança, de viver o que me cabe, de ser muito, muito feliz, sempre!

Arrumar pastas, gavetas e armários me dá a oportunidade de agradecer a todos/as e a cada um/a que esteve e está comigo, o bem que cada um/a na sua inteireza me faz. Obrigada! Namastê!

*"Por isso vale a pena talvez tarde, pela noite, quando o silêncio nos rodeia, escutar o pássaro da alma que mora dentro de nós, no fundo, lá bem no fundo do corpo."

 
Pássaro da Alma: A relação entre a nossa alma e nós mesmos é explicada de forma delicada e poética neste livro. Vale a pena ler!


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Maria Helena Bandeira: Opções Imperfeitas

De Maria Helena Bandeira Opções Imperfeitas

A minha amiga Maria Helena Bandeira, Mhel para os íntimos, desta vez resolveu presentear o seu público leitor com um livro todinho seu e que pode ser pedido diretamente à autora pelo e-mail mhelband@gmail.com pela simples bagatela de dez reais, o preço de um cachorro-quente. Com a vantagem de não engordar e não conter glúten nem substâncias químicas causadoras de câncer. Acrescentar, ao pedido, mais cinco bandas de conto de réis que é para a postagem do Correio, caso você more fora do Rio de Janeiro.

Mhel é uma descendente de irlandesa com o pé e a alma no chão nordestino. Parente de não sei que grau do bróder Maurício Melo, sobrinha-neta do grande poeta Manuel Bandeira, ela já escreveu aqui neste blog, a meu pedido, a Saga de Catende, uns contos deliciosos dos tempos dos senhores de engenho vividos pela sua mãe. 

Segundo a autora, o livro contém “pequenos contos, amostras da minha alma maionésica amante do estranho e do surreal. Tem fantástico , tem FC e tem realismo em pequenas doses - o real é algumas vezes mais fabuloso”.

Portanto, o livro Opções Imperfeitas é a opção perfeita de presente de fim de ano. Muito melhor e mais barato do que presentear DVD de Roberto Carlos ou da Banda Calypso, com a vantagem de poder ir autografado.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Cineas Santos: Terceiro tempo

Capricho do destino: poucas horas antes de o Timão entrar em campo para conquistar o campeonato brasileiro de 2011, um dos mais festejados ídolos corintianos de todos os tempos saiu de cena sem se despedir dos “loucos” que o veneravam. Às 4h e 30 m, do último domingo, dia 4 do corrente, Sócrates Brasileiro Sampaio de Sousa Vieira, aos 57 anos de idade, foi derrotado por um “choque séptico”, decorrente de uma infecção intestinal, segundo boletim médico. Na verdade, há quatro meses, Sócrates vinha perdendo o jogo para uma cirrose que lhe arruinara o fígado. Na sua última entrevista, o “Magrão”, como era conhecido pelos amigos, mais parecia um desses velhos roqueiros tresmalhados que pervagam pelos bares sórdidos do mundo. Segundo um cronista maluco, “Sócrates morreu de viver”. 

Por duas vezes, tive a oportunidade de vê-lo jogar; a última delas em Teresina. Embora não estivesse numa tarde inspirada, fez duas ou três jogadas que valeram o ingresso. Era, como dizem os cronistas esportivos, “um jogador diferenciado”. Alto (1.92), magro,elegante, mais parecia uma garça-real. Corria pouco, mas via o jogo de cima e errava o mínimo. Nos momentos cruciais, lá estava ele, pronto para o arremate. Ao contrário de Aquiles, cujo calcanhar era vulnerável, o do Sócrates era o terror dos zagueiros. 

Estudante de medicina, Sócrates não encarava o futebol como profissão. Jogava no Botafogo de Ribeirão Preto como diletante. Mesmo quando se fez profissional, se lhe cobravam um comportamento compatível com a condição de atleta, retrucava: “Não sou atleta; sou um artista do futebol”. Em 1978, transferiu-se para o Corinthians e, em 79, ajudou o Timão a conquistar o título de campeão paulista. O mais é do conhecimento geral: vitórias, títulos, sucesso. Se em campo, encantava os torcedores com seu futebol refinado, fora dos gramados era uma espécie de ícone da esquerda brasileira. Articulado, politizado, em plena ditadura, engendrou a famosa “democracia corintiana” que, segundo um desafeto, “era apenas um expediente para fugir da concentração”. Fez campanha pelas “Diretas já” e chegou a comprometer-se a não sair do Brasil. caso a emenda pelas eleições diretas fosse aprovada. Desencantado com o destino do país, transferiu-se para a Itália onde não se firmou. Na seleção brasileira, brilhou, sem conquistar títulos. De volta ao Brasil, jogou no Flamengo, no Santos e encerrou a carreira com a camisa do Botafogo de Ribeirão Preto, em 1989.

Fiel à filosofia do carpe diem, nunca se privou dos prazeres mundanos: fumava e bebia como um celerado. Talvez se possa tirar da tragédia do “Doutor” pelo menos uma lição: o talento mal administrado não leva a nada. Fora dos gramados, Sócrates não foi o melhor exemplo para a juventude brasileira. Talvez não tenha ouvido a recomendação dos que faturam com a indústria da morte: “beba com moderação”.





segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Jeane Hanauer entrevista Nando Silva

Do popular ao erudito

"Aí, a gente foi lá no mato e cortou um pé de emburana, porque aquele pessoal mais velho sabe qual madeira tem a temperatura que sustenta a temperatura do couro do bode." Sebastião Biano, 91 anos.

Sebastião Biano foi um dos irmãos criadores da Banda de Pífanos de Caruaru, a banda instrumental que mais resiste à modernidade dos calypsos, axé e oxent e até mesmo o pós-ultra-moderno manguebeat. Sem falar que a banda nasceu quase ao mesmo tempo do eletrizante frevo, este sim, o ritmo sagrado do carnaval pernambucano.

Porém não estou aqui para falar da quase centenária banda, conhecida de Deus e do mundo, mas sim, de um dos seus ex-componentes, Nando Silva, que trocou o calor da caatinga no agreste pernambucano pela aprazível Foz do Iguaçu; substituiu a rusticidade do pife pela erudição da Orquestra Foz Camerata e da Orquestra Municipal de Foz de Iguaçu. 

Reveja parte da entrevista no vídeo abaixo.



Programa Repertório
Entrevistado: músico Nando Silva
Data da entrevista: 11/12/2011
Apresentação: Jeane Hanauer
Produção: TVCOM FOZ (Foz do Iguaçu - PR)
Transmissão: NET canal 98 e TVA canal 99.
Exibição: domingos, 17h. Reprises: terças, 21h30 e quintas, 13h.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Cronópio Godot, o livro de cabeceira de Jeane Hanauer


De Jeane Hanauer Cronópio Godot
Mestre em Letras pela UFRGS, jornalista, professora, blogueira, apresentadora de tevê, colaboradora da Terraqua Produções, a agora vídeo-acauãzeira Jeane Hanauer está com um novo livro de poesias na praça: Cronópio Godot.

"Cronópio Godot", editado pela Secretaria Estadual de Cultura do Paraná, retrata um mundo com duas visões baseadas na peça teatral Esperando Godot, de Samuel Beckett e no livro Histórias de Cronópios e de Famas, do escritor argentino Júlio Cortázar.

Conforme explica a autora, “o livro demarca um território de escolhas e defende que cronópios são pessoas libertas do óbvio cotidiano, pautam suas vidas por outra lógica e enxergam o mundo com outros olhos”. 

Para o escritor Pedro Bandeira, o prefaciador do livro, “Cronópio Godot é oxigênio puro para nossas emoções”. 

Cronópio Godot - Poesias
Jeane Hanauer
Publicação: Secretaria Estadual de Cultura do Paraná
Ano: 2011
Páginas: 128
Peso: 560g

Pode ser adquirido no site estante virtual pela simples bagatela de 25 reais, o preço de um café pequeno.

CAFÉ PEQUENO

Caras azedas
e outras misérias de gente menor
são café pequeno.
meu tempo e excepcionalidade
estão para surrealismos,
vanguardas
e outros cafés bem mais fortes.
Cronópio Godot - Jeane Hanauer

Outros livros da autora:
Lobos nos Telhados - Editora do Autor
Flor e Cimento - Editora Paricah

Abaixo, vídeo da escritora falando do livro.





Sosígenes Costa: Cobra de Duas Cabeça

De Sosígenes Costa Cobra de Duas Cabeças