segunda-feira, 30 de março de 2020

Carpe diem quia tempus fugit

(Ou: Abril vem aí)

Aproveite o dia enquanto os seus olhos batem. Haverá um dia que você acordará e verá que não mais respira. Não o oxigênio tão raro em Marte, mas a liberdade que nos foge feito fumaça entre os dedos. Haverá uma manhã que você verá o sol nascer quadrado por um pronunciar de palavras rebeldes que abandonarão seus lábios em busca de ecos para abafar o seu grito torturado. E dará graças ao Divino por ainda saber que em algum lugar o sol resiste. Foi assim no passado que martela sua memória volátil e não pense em encontrar um futuro dessemelhante. A diferença é que, hoje, você está tecendo a corda que irá apertar o seu próprio pescoço.

domingo, 29 de março de 2020

CANTO DO POVO DE UM LUGAR

Uma homenagem aos caboclos da minha terra, em especial a Luiz Eudes, Barrabaz Thrasher, Jorge França e Arizio Torres, com o carinho de sempre.


A borboleta abre as asas em longo voo solitário e pousa no alto do Cruzeiro dos Montes onde assiste ao mais belo e melancólico pôr-do-sol sobre a Terra. O céu cede lentamente o seu brilhante e suave azul-anil à vermelhidão do crepúsculo e todo o horizonte se tinge de carmim até o instante em que a escuridão silenciosa abraça o Infinito e liberta os fantasmas prisioneiros do imaginário popular.

Pirilampos solidários emprestam suas lanternas faiscantes aos andarilhos errantes e fachos tremeluzentes misturam-se ao brilho cintilante das estrelas, diluindo a solidez do breu noturno, aprisionando os zumbis desgarrados de suas falanges e que teimam em atormentar a existência dos viventes notívagos, sugando sua alma pelos ouvidos e devolvendo-a a cada amanhecer, dizem os mais velhos fazendo o sinal da cruz.

Assim, não apenas nasce um novo dia, como também se renova o espírito de um povo que não conhece e nem faz distinção entre as quatro estações, mas que sabe do início da Primavera pelo pouso melancólico da borboleta no Cruzeiro dos Montes.

E então o vaqueiro errante mergulha nas águas ermas das noites de setembro e traz à tona a sua alma inebriada nos vapores trágicos da paixão e a triste constatação de que a roda do Tempo é acionada pela energia dos sentimentos e que o futuro é um mero conceito diluído na presença da mulher amada; sem ela, a Primavera é apenas o prenúncio do Verão e das grandes catástrofes que atormentam e destroem a alma humana.

E a Primavera do sertanejo começa, inexoravelmente, em uma noite de setembro quando as primeiras gotas de orvalho caem sobre o tapete de folhas mortas forrando o caminho em direção do coração de uma mulher.