domingo, 4 de julho de 2021

Santo Antônio casamenteiro

Na minha linda infância no velho Junco ninguém festejava o dia dos namorados. Num território arcaico, namorar era coisa de vadias. Mas a mulherada gostava de atanazar o juízo de Santo Antônio na véspera do seu dia, na beira da fogueira. E haja santo dormindo de cabeça para baixo! Haja brasa da fogueira a ser jogada na bacia de água fria!

 Havia o tal responso de Santo Antonio que nunca entendi o que era. As minhas tias e as minhas irmãs prendiam a ponta de uma chave dentro de um livro, duas apoiavam a cabeça da chave no dedo indicador e perguntavam:

 "Santo Antônio está presente?" – se o santo estivesse presente, a chave balançava e o livro pendia para o lado. E continuavam:

"Eu vou me casar com quem? O primeiro nome começa com a letra A? Letra B?"

 E seguiam perguntando até chegar na letra do pretendente. Era nessa hora que acontecia o milagre: a chave virava e o livro caía. Elas pulavam eufóricas, gritavam triunfantes e se abraçavam. Sorriam felizes, certas de casamento consumado.

 Como eu disse acima, nunca entendi direito esse sistema de se arranjar casamento por interferência de Santo Antônio, mas tenho absoluta certeza de que o santo enganou as mocinhas. A minha irmã que o santo dizia que ia se casar com a letra P, se casou com A, um petroleiro que foi levar o progresso para o velho Junco. A outra, cuja chave girava na letra L, se casou com outro A, também petroleiro. E as minhas tias, que faziam dupla com minhas irmãs e pulavam e gritavam felizes quando o santo soprava na letra J, morrerão virgens de pai e mãe e com as tabacas ensebadas, como dizia Zé de Valério, o carreiro do meu pai.

 Será que estavam destinadas a Jesus Cristo?

 

domingo, 25 de abril de 2021

Por que Lampião não passou no Junco?

- Lampião passou por aqui?

- Não, não passou. Mandou recado, dizendo que vinha, mas não veio.

- Por que Lampião não passou por aqui?

- Ora, ele ia lá ter tempo de passar nesse fim de mundo?

Antônio Torres in Essa Terra.


"Lampião não foi, mas se tivesse ido não ia encontrar ninguém pra molestar", me disse o meu pai quando lhe perguntei sobre o malogro de Lampião. "O povo todo correu para as roças, se escondendo debaixo da cama. Quem tinha casa na roça. Os da rua fugiram para Serrinha, Biritinga e Nova Soure e só voltaram duas semanas depois. Êta povo corajoso!"


Depois dessa conversa fui pesquisar o porquê de Lampião não ter cumprido a sua promessa. O povo do Junco não merecia. Ademais, Lampião não era de faltar com a palavra. Então, baseado em fatos reais (lembrando de que a literatura é a realidade paralela) encontrei o verdadeiro motivo que levou o rei do cangaço a desfeitear o povo da minha terra. 


No Junco de antigamente, então um lugar esquecido por Deus e pelos governantes, só havia um velho soldado conhecido como “Quarenta”. Ganhou esse apelido por causa da sua mania de chamar polenta de “quarenta”. No início ele não gostou, achou que era um desrespeito à sua autoridade, mas quando viu que teria que prender toda a população, resolveu se fazer de mouco. O tempo foi passando, ele se acostumando até o dia que incorporou de vez o apelido ao nome e passou a se apresentar como “Soldado Quarenta”.


Como o lugar ainda era distrito de Inhambupe, o Soldado Quarenta assumia a função de juiz, delegado e soldado. Só não assumiu a de escrivão porque era analfabeto. Gostava de desfilar garbosamente com sua farda rota, exibindo uma velha pistola de dois canos, chamada de “dois tiros e uma carreira”.


Nesse dia que Lampião disse que ia e o povo achou que ele não foi, antes de invadir o lugarejo ele reuniu a cabroeira na entrada para traçar um plano de invasão. O rei do cangaço era precavido e não queria ser surpreendido como fora em Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde teve que fugir feito ladrão de galinhas. Tinha que saber quantos soldados estavam à sua espera. Aprisionaram um fugitivo retardatário e o espremeram feito um de umbuzada:


– Tem quantos “macacos” no povoado? –  perguntou Lampião, apertando a goela do pobre coitado.

– Tem muitos não, meu capitão! – respondeu o morador, trêmulo e sem conter a expressão de terror – Só tem Quarenta!


Lampião resolveu contar seus homens: dezoito! Empurrou o “informante” para o lado, pegou seu embornal, colocou a espingarda em bandoleira e ordenou:


– Vamos embora que estamos em desvantagem numérica! Também, roubar pobre é pedir esmola pra dois! 


O morador foi libertado e voltou bambo para casa, mas saboreando o orgulho de ter sido capturado e solto pelo legendário chefe do cangaço. Queria contar a todos e talvez virasse nome de rua ou de escola, mas não havia ninguém no povoado. Até o valente Soldado Quarenta fora abduzido por um disco voador, e durante semanas o fedor de mijo e de merda ficou impregnado nos lugares em que nosso herói passou.


sexta-feira, 23 de abril de 2021

PÁTRIA DE CHUTEIRAS E PRAGMATISMO POLÍTICO

A vantagem dos anos pares é que em alguns deles há Copa do Mundo e Galvão Bueno com sua fórmula mágica para ganharmos a Copa sem combinarmos com os adversários. Futebol, o ópio do povo, dizia Marx, meu vizinho. Depois da Copa do Mundo de Futebol vem a parte mais interessante na nossa vida: os comícios. Neles, depositamos todas as nossas esperanças e frustrações, vez que a seleção brasileira só é decepção nas últimas Copas. A fé de que algo vai mudar se renova a cada discurso nos comícios. A pandemia nos privou da companhia de Galvão Bueno por uns tempos, mas dos políticos, infelizmente, não. - Minha gente, nessa cidade tem luz? - pergunta um candidato em cima da carroceria de um caminhão improvisada como palanque numa cidadezinha qualquer. - Nãããããooooo!!!!! - responde o povo numa única voz. - Tem água? - Nãããããooooo!!!!! - Tem médico? - Nããããããããããããooooo!!!!! - Então por que vocês não se mudam dessa porcaria?!! - !!!! - Êta povo besta, meu Deus! - exclama Carlos Andrade ao burro que vai devagar acompanhando a multidão no grito de guerra que se ouviu logo depois: Mitô! Mitô!...

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Surpresa!

 

- Cara, nem te conto!
- Conta, vai!...
- Ontem eu saí com uma mina espetacular. Que corpo! Que papo, que sorriso de endoidar! Lá pras tantas, pintou o clima e fomos para um motel. Aí, quando chegamos lá, a coisa desandou.
- O que aconteceu?
- Descobri que ela era jornalista.
- E o que é que tem isso?
- Cara, você não sabe que sou diabético!