domingo, 10 de março de 2024

Espelho, espelho meu

    O meu guru espiritual Barrabaz Thrasher participou de um concurso sem entender bem do que se tratava.

    Movido pela curiosidade, entrou numa fila onde estava escrito: "Concurso". Quem sabe se não era pra ver quem bebia mais cerveja?, pensou ele. Só que era para escolher o homem mais feio do Junco e ele foi eleito o mais bonito. Ficou sem entender esse paradoxo. Pediu explicação à organizadora do concurso, Mislene Lopes:
    - Barrabaz, tudo faz sentido desde que entendamos as metáforas - explicou Mislene.
    - Quais metáforas?
    - Você acha que é bonito ser feio?
    - Isso não é metáfora! É ironia.
    - Eufemismo, Barrabaz! Eufemismo...
    Declinou do prêmio e saiu esbravejando impropérios e cantando "Ai, se eu te pego!", mas fora do contexto pragmático musical. Seguiu na direção do Bar da Leninha com intenção de encher a cara, esquecido de que a proprietária ainda não havia revogado a proibição de vender fiado, decretada durante a pandemia.

Quem avisa, amigo é?

De repente os caçadores de Covid sumiram do Lena's Bar, o boteco mais famoso do Junco. Fui investigar a razão do sumiço de alguns clientes fiéis desde o início do Mundo. Liguei para a proprietária:

- Leninha, o que está acontecendo, por que não vejo mais fotos no Facebook dos caçadores da Covid?
- Não sei.
- Tem certeza?
- Tenho. Desde o dia que coloquei um aviso na entrada todos eles desapareceram.
- Aviso? O que tem escrito nesse aviso?
- "Está suspenso o FIADO durante a pandemia. Vai que você morre..."
- Tá explicado.

Domingo de Ramos no Junco

Domingo de Ramos, igreja lotada, o padre se esmerando na interpretação bíblica:
- Domingo de Ramos celebra a entrada triunfal de Nosso Senhor Jesus Cristo na cidade de Jerusalém. Ele chegou montado num burrinho e foi ovacionado pelo povo que forrava o chão com ramos de palmeiras e implorava: ""Salva-nos agora, te pedimos, ó Javé; Ó Javé, envia-nos agora a prosperidade. Bendito seja aquele que vem em nome de Javé, Da casa de Javé vos abençoamos." - pigarreou, observou a reação da plateia para sentir o efeito de suas palavras, e continuou - Esse mesmo povo que bajulava Jesus, foi o mesmo que o condenou a morrer crucificado, por isso, meus amados fiéis, não troquem os seus amigos por bajuladores.
Entrou um garoto correndo na direção do altar:
- Jesus Cristo ressuscitou! Ele está descendo a Ladeira do Cruzeiro montado num jegue, carregando ramos de palmeira e com uma coroa de espinho na cabeça!
- Como ele ressuscitou se ainda vai morrer na próxima semana?
O povo se espremeu na porta tentando sair todos ao mesmo tempo para ver Jesus Cristo. A porta foi ao chão e a multidão correu na direção de um homem e o seu jegue. Era o Messias e assim, quem fosse abençoado por Ele, estaria imunizado contra a Covid. Alguns desmaiaram de emoção. Outros se ajoelharam e rezaram o Bendito.
Jesus passou triunfal pela multidão. Seu semblante era triste, sofrido, e o povo percebeu:
- Ele tá com cara de Sexta-Feira da Paixão, que ainda é na próxima semana.
- Num é! repara aquelas úlceras, parece até que foi amarrado num pé de cansanção!
- E as costas?! cheia de lapão. Parece que se deitou num formigueiro!
Um garoto, desses que gostam de dedurar os outros, gritou:
- Não é Jesus não! É Barrabaz! E está segurando ramos de urtiga!
- Como é Barrabás?! Barrabás só aparece na Bíblia no julgamento.
- Né esse Barrabás da Bíblia não! É aquele que gosta de beber fiado na Leninha.





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O último boêmio do Junco

    Bebeu o último gole da noite, pigarreou uma tosse de cachorro, acenou para Leninha, a dona do bar, pronunciou umas palavras ininteligíveis que ela entendeu como “bote no prego”, e se dirigiu cambaleante para a saída. Parou hesitante no degrau da porta, olhou para a praça cheia de gente, olhou para trás, rodopiou e caiu de testa na calçada. Acordou ao som de harpas.
    - Seu Barrabaz! Seu Barrabaz!
    - Huuuum!
    Abriu os olhos lentamente. Viu umas moças difusas, vestidas de branco, sorrindo angelicalmente para ele. Pareciam anjos. Ou anjas, como queiram.
    - Eu estou no hospital? Que reforma da porra Pedrito fez aqui!
    - Não. Você não está no hospital. Você morreu e está no Céu.
    - Céu!? Mas Céu não existe!
    - Existe, sim! Você está nele.
    Nisso, passou uma moça vestida de branco, olhou para ele com cara de poucos amigos, e seguiu em frente.
    - É a Leninha!
   - É. Ela morreu do coração depois que soube da sua morte.
    - Não sabia que ela gostava tanto de mim!
   - Não foi por gostar; foi por causa do seu “pindura”. A conta estava muito alta e ela não tinha como cobrir. Coitada, gente tão boa, tão distinta, não resistiu e enfartou!
    - E por que eu morri?
   - Ainda pergunta? Pulmão de bêbado não tem dono! A Covid adora bêbados sem máscaras.
    - Covid? Mas me lembro de ter caído na calçada.
   - Caiu porque o vírus lhe sufocou. Já chegou morto no hospital. Só que você estava tão bêbado que a sua alma levou três dias para desencarnar.
    - Alma? Isso não existe!
   - Existe, sim. Você é um espectro agora. Quer ver seu enterro?
    - Quero.
A anja levou Barrabaz até o portal do Céu e então ele viu o coveiro lançando terra sobre o seu caixão. Uma multidão silenciosamente chorava.
    - Tô vendo Mislene com uma lata de cerveja na mão. E sem máscara!
    - Vai ser a próxima se ela insistir em lhe imitar!
   - E Luiz Eudes! Compadre Arizio discursando... Quem é aquele escrevendo no celular?
   - É Tom Torres escrevendo sobre sua morte pra postar no Facebook. Vai ter milhares de curtidas.
    - Eu quero ler! Eu quero ver! Eu quero ler!
   - Você já leu, você já viu. É essa história que você acabou de ler!





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sábado, 10 de fevereiro de 2024

Sobre metáfora

"Metáfora" era o que a minha namorada dizia quando eu era menino besta do interior. Sempre que eu tentava, ela trancava as coxas e dizia: 

- Meta fora porque dentro engravida!

Soneto arcaico

Quando a minha avó me disse: "Leite com mastruço cura qualquer defruço ", eu senti o poder da rima.

Se tivesse feito mais 13 versos alexandrinos teria desbancado Olavo Bilac. 

Minha avó era uma poetisa foda! Pena que não sabia ler nem escrever e só conhecia Alexandrino o nosso vizinho de porteira.


sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

O boto pedófilo

 E a mocinha ribeirinha, lá do Norte, mostra à mãe o que já não pode mais esconder. Inocente, diz displicente:

- Foi o boto, minha mãe!

A mãe engole saliva, engasga um palavrão e apenas sorri para a filha, pois sabe de encantamentos e feitiços do amor. Sua filha também era filha do boto.

Vida de açougueiro

 Duas mulheres de programa conversavam no ponto de ônibus:

- Tou tão dura que hoje dou até por um quilo de carne.
- E eu tou lascada! Só vou poder usar as mãos ou a boca.
- Por quê?
- Tou de boi!

Pelo visto, o sexo virou um negócio de açougueiro.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Goodbye, Columbus e outras reminiscências



Hoje, acordei sentindo um gostinho do passado na memória ao lembrar da minha introdução à literatura norte-americana, acontecida em 1970, na casa do meu irmão, no Rio de Janeiro: o romance Goodbye Columbus, lido e relido em um fôlego só. Para um pretenso debutante na vida de interior, foi um mar de aprendizagem.

Fico aqui a tecer conjecturas sobre o que seria de mim, como ser autônomo, se não tivesse um irmão jornalista e que sempre me brindava com as melhores publicações. Como diz o jovem ancião Cineas Santos, o vate piauiense, eu seria eu sem mim.

Mas não foi só isso. Nessas mesmas férias, conheci Garcia Marquez (achei Macondo o próprio Junco), Hemingway, Rubem Braga, o primo de Maria Lúcia Rangel, Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), a Tropicália, Luiz Gonzaga e o Bondinho de Santa Teresa. Ah! Conheci também o MAM e o quadro mais famoso do mundo, cujo pintor foi de uma genialidade incrível: uma tela em branco com um ponto feito a grafite no centro e que deixava os experts em arte babando em “oooooooohs!”

De tudo, o mais importante, foi ouvir o LP “Arena conta Zumbi”, a Renascença teatral que se fazia no teatro de Arena, berço do Teatro do Oprimido. Paixão à primeira audição e eu disse: “Quando eu crescer quero ser Boal!” Meu irmão, entre amarelo e sem jeito, pois pensara que eu diria querer ser ele, me disse que era uma boa escolha.

Nos trilhos urbanos de Alagoinhas, o expresso da meia-noite nos acordava em voz grave e potente: “Encomenda para seu Antônio Ronaldo!” Eram livros de mancheia, como diria o príncipe dos poetas.

Em retribuição a essa sorte que tive e que acontece uma entre milhões, não meço esforço para incentivar a leitura como a pedra fundamental na transformação de indivíduos em sujeitos autônomos. O conhecimento só faz sentido se compartilhado. Sem isso, é como a roda de um moinho mergulhada em um lago.

O meu irmão jornalista-leitor virou escritor, entrou para a Academia Brasileira de Letras e só vive me convidando para acompanhá-lo nos debates na mais alta corte literária. Vou não, seu moço! Esse negócio de imortalidade é para vampiros. Eu quero descansar em paz.