Quem
disse que coreano não é bom de gingado? Vejam a maravilha dessa banda coreana
mostrando que Luiz Gonzaga é universal e que Asa Branca rompeu todas as
fronteiras. Abaixo do vídeo, a crônica de José Nêumanne Pinto de hoje do
Estadão falando do filme “De pai pra filho”.
“Belo
e comovente, mas com falha de verossimilhança
José
Nêumanne Pinto
A
fila à porta do cinema em que é exibido o novo filme de Breno Silveira,
Gonzaga, de Pai para Filho, é um excelente sinal. Ídolo da diáspora nordestina
pelo Brasil e pelo mundo, o Rei do Baião, que conheceu a glória na carreira
quando introduziu no mercado fonográfico e nos meios de difusão o cancioneiro
do semiárido e inventou a música regional nordestina, mas caiu no ostracismo
sob os reinados da bossa nova e do rock, volta no ano do centenário do
nascimento a interessar e comover o grande público.
O
aviso dado no começo da projeção - “baseado em fatos reais” - avisa
honestamente ao espectador que aquele não é um documentário nem uma biografia,
mas uma narrativa que tem como ponto de partida a vida de um astro - mais do
que isso um dos pilares da Música Popular Brasileira. Trata-se da filmagem da
história pungente de amor e rejeição entre pai e filho, este também um
compositor e intérprete talentoso e popular. O rei fundou uma estética de
raízes fincadas no solo seco do sertão e com público nostálgico da cultura
original. O príncipe não pode ser considerado herdeiro porque sua obra tem
fontes urbanas e público cativo e apaixonado, criado em apartamentos de classe
média na metrópole.
A
fita mostra a difícil reconciliação do filho sempre relegado a segundo plano
pelo pai pródigo em proteção material, mas avaro em afeto. Há insinuações de
que nas veias do filho pode não correr o sangue do pai. Este constata a dúvida
à própria mãe, que não a contesta. Depois Helena, mulher de Gonzaga, faz uma pergunta
sem resposta: como ele não repete em seu ventre o milagre da concepção com o
qual fora abençoado o da mãe de Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, herdeiro até
do nome do rei?
Aí
se revela uma falha de verossimilhança: Gonzaguinha não podia ser filho biológico
de Gonzaga, que era estéril. E sabia. A biografia factual é outra história: o
sanfoneiro em começo de carreira se apaixonou pela dançarina das boates da Lapa
carioca a ponto de perfilhar o rebento dela, dando-lhe o próprio nome, que se
tornaria famoso. A moça, Odaléa, morreu e obteve do artista o compromisso de
cuidar da sobrevivência do filho em sua ausência. Mesmo sabendo que não era o
pai, o sertanejo cumpriu à risca a promessa e financiou o “anel de doutor”:
Gonzaguinha se formou em economia, mas nunca exerceu a profissão. Gonzaga deu o
filho para a comadre Dina criar e tentou forçar o convívio dele com a madrasta,
Helena, mas Gonzaguinha optou por ficar no morro de São Carlos no lar em que
foi criado.
O
filme é belo, pungente, chega a comover. Mas a verossimilhança falha cria
problemas para o roteiro. O Rei do Baião não foi um pai ausente e insensível,
mas um provedor atento, embora frio. Essa falha gera uma certa dificuldade para
compreender a reconciliação. A onda da bossa nova e a febre da Jovem Guarda
tiraram Lua das paradas e o astro chegou a viver em dificuldade. Foi salvo pela
amiga Tereza Souza, que fez dele protagonista de campanhas das sandálias
Havaiana no Nordeste e pelas atenções que recebeu de Caetano Veloso e,
principalmente, Gilberto Gil, negro e sertanejo como ele.
O
talento de compositor e intérprete e o carisma popular de Gonzaguinha pegaram
Gonzaga no contrapé. Ele não contava com isso: um herdeiro em cujas veias não
corria seu sangue. Mas foi humilde para reconhecer o talento artístico do moço
que ele tentou fazer doutor. Vida de viajante, o velho sucesso de Hervê
Cordovil na voz do pai, tornou possível na voz dos dois a entrada do mais velho
no palco do mais novo. É bom que as plateias lotadas do Brasil se reencontrem
com o autor de Asa Branca sob os holofotes do criador de Explode Coração. No
escurinho de cinema os egressos do semiárido bebem a seiva de sua raiz e os
cidadãos urbanos se deparam com a beleza rústica da cultura sertaneja. É
importante que o Brasil das cidades se reconcilie com os grotões rurais de suas
origens. Mas talvez seja conveniente lembrar que a obra, embora bela, nada tem
de biográfica.”
(Publicado
na Pag. D3 do Caderno 2 do Estado de S. Paulo de terça-feira 6 de novembro de
2012)